“Temos que construir palanques e processos, similares aos da diretas já, nos municípios do Brasil na próxima eleição municipal de 2020”, defendeu Manu, em entrevista à Globo News
A ex-deputada Manuela D´Ávila (PCdoB), pré-candidata a prefeitura de Porto Alegre, participou na quarta-feira (11) do programa “Em foco”, com Andréia Sadi, da Globo News e defendeu a opinião de que é urgente a construção no Brasil espaços de luta pela democracia nos moldes do que ocorreu na luta pela eleições diretas no final da ditadura. “Temos que fazer isso já. Construir palanques e processos, similares aos da diretas já, nos municípios do Brasil na próxima eleição municipal de 2020”, defendeu.
A jovem de 38 anos, dos quais 15 anos com mandatos de vereadora, deputada federal e deputada estadual, contou que em sua família ninguém entrou para a política. “Meu pai é professor universitário, minha mãe é juíza, meus irmãos, nenhum deles tem militância”, afirmou.
A militância foi uma opção minha. Eu entrei para a universidade, fiz jornalismo e ciências sociais, quis me organizar, participei do movimento estudantil, fui do centro acadêmico e fui vice-presidente da UNE. Logo, aos 22 para 23 anos, eu me elegi vereadora de Porto Alegre, depois fui deputada federal e depois de oito anos em Brasília, eu fui eleita deputada estadual”, disse Manu.
ASSISTA A ENTREVISTA
Ela comparou as votações que obteve com alguns parlamentares que aproveitaram a onda bolsonarista e foram exaltados como tendo tido grandes feitos eleitorais. “Muito se fala agora das votações das deputadas da extrema direita. Eu obtive 500 mil votos no RS. Isso corresponde a 11% dos votos do estado. Ninguém fez isso nessa eleição por exemplo. Então eu cheguei com muita responsabilidade no parlamento”, avaliou a ex-deputada gaúcha.
“Depois de 8 anos em Brasília, eu resolvi voltar para o meu estado, ficar mais próxima dos movimentos sociais. Fiz isso depois de tanta violência política e machismo de que fui vitima”, prosseguiu.
A violência política estava na subestimação que havia do que representava o seu trabalho. “Eu cheguei em Brasília com 25 anos e 300 mil votos na eleição. Na segunda eu fiz 500 mil votos. Tu consegues imaginar um jornal, não fake news, um jornal que circula, de grande credibilidade, se referir a uma parlamentar pelos critérios estéticos?”, indagou.
DISCRIMINAÇÃO PERDEU ESPAÇO
“Tu viu alguém valorar a Tábata Amaral, por exemplo, uma jovem parlamentar de outro partido, com uma trajetória diferente da minha. Ela chegou lá com a mesma idade que eu cheguei. Alguma vez uma capa de um grande jornal de SP dizendo que ela era musa do Congresso? Ou estabelecendo uma disputa entre ela e a Marília Arraes de Pernambuco? Nunca. Porque a sociedade não permite mais que as mulheres sejam tratadas assim”, observou.
Manuela resgatou o avanço da sociedade brasilera nas questões da luta contra a discriminação. “Para mim essa grande onda do movimento de mulheres, esse grande momento que o movimento de mulheres vive no Brasil e no mundo, vigiam muito mais o comportamento”, assinalou.
“Sempre terão aqueles, particularmente em momentos como o que nós estamos vivendo, que se projetam a partir da violência política. Esse foi o caso dos deputados racistas que recentemente cometeram crime, porque racismo é crime no Brasil, quando quebraram a charge do Latuf”, disse a pré-candidata. “Esses são os que querem se projetar cometendo crime e dizendo que não compactuam com esses avanços. Isso é o que está acontecendo com a extrema direita no Brasil”, prosseguiu a ex-deputada.
CARTA A JOICE
Ela comentou também sobre a carta que enviou para a deputada Joice Hasselmann, quando esta sofreu ataques dos bolsonaristas com quem rompeu. “Sim, também houve solidariedade”, disse Manuela, ao falar da carta. “Primeiro porque eu acho que tem que haver critérios na luta política. Os filhos das pessoas não são envolvidos nas disputas políticas. Até na guerra existem regras”, observou.
“Eu tentei também falar para a deputada Joice que sim, que ela pode impedir que outros filhos de outras mulheres sejam envolvidos na baixaria da política”, explicou.
“Quando acabou a eleição eu tomei uma decisão de vida. Eu resolvi criar um instituto, com outros amigos, para combater redes de ódio e fake news. Eu dedico a minha vida hoje a isso. A deputada Joice tem uma opção diferente da minha. Ela sabe quem produz. Ela sabe quem opera essa máquina que faz com que a memória de Marielle seja ultrajada, que minha filha tenha apanhado com 45 dias de vida na rua, que Jean tenha que viver fora do Brasil. Então eu quis sim dizer a ela que na nossa disputa política não existe espaço para fazer o que estão fazendo contigo”, afirmou.
“Fale aquilo que sabe, eu não posso fazer isso. Eu sou atacada na rua pelas mentiras e eu não sei, não tenho provas. Eu sei, mas eu não sou da turma de quem fez. Então, a carta tem esse objetivo. Tu eras líder do governo quando nós éramos humilhados. Se tu sabes , abre e conta. Ajuda a impedir que isso aconteça com outra mulher”, contou Manuela.”Se não fizermos isso, não para”, salientou.
ELEIÇÕES DE 2018
Questionada sobre a retirada de sua candidatura a presidente em 2018, ela disse que foi difícil. “Eu sei o que representa aquele momento na história do Brasil. Foi difícil mas foi com muita responsabilidade”, lembrou.
Ela falou também que seu partido defendia a unidade naquele momento. “Desde o início para nós do PCdoB era claro que a ameaça que representava a eleição de Bolsonaro para o Brasil. Nos dizíamos: é preciso unidade. Nós não queríamos que a chapa fosse apenas Fernando Haddad e Manuela D´Ávila. Nós queríamos que Ciro Gomes e Boulos estivessem juntos também”, afirmou.
À pergunta sobre se o Partido dos Trabalhadores não deveria neste momento sair do protagonismo para poder dar chance para outras lideranças de esquerda tomarem o seu espaço, Manuela disse que não é petista e não podia responder pelo PT. “O que eu acho”, disse ela, “é que, se a gente não pode ter candidatos comuns entre os partidos, está na hora da gente ter um movimento em defesa da democracia”.
Andréia Sadi perguntou o que ela acha da declaração de Ciro Gomes, dada recentemente no mesmo programa, de que Bolsonaro seria fruto dos erros do PT, Manuela disse não concordar. “Gosto muito do Ciro, mas não concordo. Bolsonaro é um produto da crise que o Brasil vive, uma crise que é global, o Ciro sabe disso, é um estudioso da economia. Ele sabe que a crise que o capitalismo vive no mundo é muito profunda. Sabe que o capitalismo no mundo tem produzido soluções autoritárias em diversos países”, disse.
“Provavelmente ele esteja estudando aquilo que eu me dedico a estudar que é o papel das ferramentas de comunicação e das notícias fraudulentas, das fake news, na construção desses personagens”, afirmou Manuela.
AUTOCRÍTICAS NECESSÁRIAS
Ao comentar sobre as autocríticas necessárias ela disse que houve subestimação da questão da segurança. “Nós não construímos uma política de segurança pública que desse conta do desafio do que representa toda a complexidade do tráfico de drogas no Brasil. Eu não acho que seja fácil. Não existe país no mundo com a dimensão do Brasil que tenha construído uma política antidrogas deferente da do Brasil. As referências não existem. Ausência de um projeto de segurança pública com a nossa cara. Isso resultou, na minha interpretação, nesse discurso de que bandido bom é bandido morto, fim dos direitos humanos, trabalhador é inimigo de trabalhador e salve-se que puder”, disse Manuela.
Outro problema, na sua opinião, “foi espaço que nós ocupamos na disputa da comunicação”. “Esses espaços foram ocupados por quem? Por uma extrema direita. Nós divulgamos um vídeo para contestar que a terra não é plana, não para polemizar com Olavo de Carvalho, mas com os 7% de pessoas bem intencionadas do Brasil, que não têm acesso à universidade, que não têm acesso ao ensino médio ou que estejam trabalhando. Pessoas que têm dúvidas legítimas. Quando me dei conta, vi sites com 200 mil 300 mil seguidores de terraplanistas me respondendo. Olha o espaço que essa gente ocupou. Nós subestimamos essa disputa, não é uma disputa qualquer. Isso é disputa de consciência. De como chegar nas pessoas, de quais assuntos falar”, disse a ex-deputada.
EPISÓDIO DOS HAKERS
Ela contou também em detalhes como foi seu contato com os hakers. Disse que colocou espontaneamente seu telefone à disposição da Polícia Federal. Perguntada se achava que o ex-presidente Lula tinha sido solto por causa do Intercept, ela disse que foram outros fatores. Sobre se ele era culpado, ela disse que não leu os processos. “Tudo o que eu sei é que foi político. E que não há provas. O presidente Lula merece um julgamento justo, com um juiz isento”, argumentou.
Ao final, a pedido da repórter ela contou porque pediu a cassação de Bolsonaro quando foi da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, em 2011. “Eu pedi para que Jair Bolsonaro fosse cassado. Ele disse que estava lá para não defender os direitos humanos. A indicação dele foi uma indicação de provocação à comissão. Ele dizia que estava lá para questionar a existência daquele espaço de luta pelos direitos humanos”, contou, e explicou que pediu a cassação pelo episódio com Preta Gil. “Ele disse que os filhos dele não se relacionariam com mulheres negras porque não se relacionavam com prostitutas”, contou.
“O parlamento tem que punir crimes para servir de exemplo. Não é casual que o professor Juarez tomasse duas facadas depois de ser chamado de macaco. Se as pessoas proeminentes da sociedade estimulam o racismo, como é que as outras pessoas não vão reproduzir? Precisa combater em nome da democracia contra esses retrocessos civilizatórios que nós estamos vivendo no Brasil e em alguns lugares do mundo.Tem que punir todos os crimes que não são cobertos pela imunidade parlamentar”, defendeu Manuela D´Ávila.
SÉRGIO CRUZ