
Notícias circularam no dia de ontem (29) dando conta da prisão de uma suposta “jornalista” chinesa chamada Zhang Zhan. A agência Reuters, que chegou a noticiar a matéria em primeira mão, adotou rapidamente uma postura mais cautelosa ao alterar o título, atribuindo à chinesa a condição de cidadã-jornalista, ou seja, não se trata exatamente de uma jornalista, mas de uma cidadã chinesa, uma ex-advogada que se passa por jornalista.
O termo cidadã-jornalista foi, na verdade, utilizado por setores da mídia para designar bloggers que protestavam contra o lockdown chinês, como Zhang Zhan, denunciada, precisamente, por práticas que contrariavam as medidas sanitárias que foram determinadas pelo governo da China para combater a pandemia, bem como estimulavam a população a desobedecê-las. Tais medidas executadas pelo governo chinês protegeu a saúde das pessoas, salvou vidas e permitiu a retomadas das atividades econômicas, enquanto o que foi apregoado por Zhang Zhan deu errado e ceivou vidas mundo afora.
Zhang Zhan justificava tais atitudes em nome da “liberdade”, algo que se assemelha aos adeptos do bolsonarismo no Brasil e contraria o trabalho desenvolvido por jornalistas no mundo todo que atuam para desmascarar o obscurantismo através da revelação e análise dos fatos e defendem a ciência a serviço da vida e da saúde pública.
Aliás, o próprio Bolsonaro, em diversas ocasiões, afirmou que os brasileiros tinham que ter a “liberdade” para aderir ou não às medidas de distanciamento social implementadas especialmente no início da crise sanitária e, agora, mais recentemente, ao direito de recusar a vacina.
Mas vamos aos fatos que envolvem Zhang Zhan:
1 – Zhang Zhan nunca foi jornalista e, sim, advogada. Como blogueira, postava seus vídeos em redes sociais como o twitter e o youtube. Em seus vídeos, é possível vê-la em diversas ocasiões entrando em lugares com acesso restrito devido ao lockdown e gritando com funcionários, policiais e militares. No título de seus vídeos (basta usar o google tradutor, recomenda-se que traduzam para o inglês), podemos ver coisas como “a saúde pública não é mais importante que a liberdade de ir e vir” e coisas do tipo.
2 – Zhang Zhan desrespeitava os regulamentos de segurança determinados pelo governo e sua vigilância sanitária para a proteção da população, causando tumultos em hospitais, filmando pacientes e não cumprindo os protocolos. Ela já havia sido presa muitas vezes, de dez a 65 dias desde 2019, tendo recebido a visita de um oficial de justiça, pela primeira vez, ainda em 2018.
3 – Zhang foi condenada com base no item 4 do artigo 293 do Código Penal da China Popular, que estabelece pena de até cinco anos de prisão àqueles que causarem desordem e confusão em local público. A condenação teve como base práticas como invasão de hospitais, crematórios e até fóruns de justiça que estavam com acesso restrito ao público em razão das medidas de distanciamento social, entre outros. Pela legislação chinesa, ela ainda pode recorrer da decisão tomada apenas em primeira instância.
4 – Nas prisões anteriores, realizava greves de fome, ameaçava se martirizar, tudo em nome de uma suposta religiosidade baseada na “fé cristã”. Por conta desse comportamento, ela recebeu diversos atendimentos psiquiátricos. São conhecidas suas imagens com citações bíblicas. Em um de seus artigos condenando o governo chinês, Zhan utilizou a palavra “Deus” 62 vezes. Em outros vídeos, Zhang ataca o materialismo histórico e dialético, método filosófico utilizado pelo Partido Comunista Chinês. Segundo ela, “se o COVID é um vírus que ameaça nossa vida, o mecanismo social do materialismo que perseguimos também não é um vírus fatal?”. Zhang, em outro vídeo, diz que a pandemia do coronavírus deveria se chamar “pneumonia do socialismo”.
5 – Originalmente, a notícia da condenação e prisão de Zhang foi da lavra de duas jornalistas chinesas, Brenda Goh e Yew Lun Tian, reproduzida literalmente pela Reuters, na Inglaterra, e a AFP, na França, sem nada checar ou acrescentar, o que foi disseminado em diversos meios de comunicação a partir daí. Goh e Tian são efetivamente jornalistas que trabalham para agências de notícias, dentro e fora da China, e publicam, frequentemente, notícias contrárias àquele país, ao seu governo e ao Partido Comunista, todavia, nenhuma delas, embora vivendo em cidades chinesas, foram presas.
Diante dos fatos, fica muito evidente que o objetivo de Zhang Zhan era provocar uma prisão para que o fato pudesse ser explorado contra a China, seu governo e o esforço extraordinário do povo chinês para combater a pandemia, dentro e fora de suas fronteiras, numa demonstração de inequívoca solidariedade.
Não por outro motivo, Zhang Zhan, devido a algumas marcantes semelhanças, já foi alcunhada, no Brasil, como uma espécie de Sara Winter chinesa.