
BAE Systems, da Grã-Bretanha, subiu 15%, a Rheinmetall (Alemanha) ganhou 14%, a Thales (França) aumentou 16% e a Leonardo (Itália) também inflou 16%.
Os preços das ações das empresas fabricantes de armas europeias dispararam na segunda-feira (3) na expectativa de gastos significativamente maiores por parte da Europa, no dia seguinte à cúpula pela continuação da guerra da Otan na Ucrânia.
O conclave beligerante reuniu em Londres os principais países da União Europeia, mais o Reino Unido, o Canadá e o chefe de Kiev, Volodymyr Zelensky, em desagravo ao desastre sofrido por este na sexta-feira na Casa Branca e em contraponto às negociações entre EUA e Rússia pelo fim do conflito e normalização de relações.
Foi nessa reunião que o premiê britânico Keir Starmer propôs enviar “tropas no terreno e aviões no ar” para a Ucrânia como parte de uma “coalisão dos dispostos” e concedeu socorro de 2,2 bilhões de libras ao regime de Kiev, enquanto o presidente Emmanuel Macron sugeriu uma “trégua parcial de um mês”. A Europa deve fazer o “trabalho pesado”, garganteou Starmer.
Tudo na melhor intenção da “paz” e sem levar em conta as exigências russas de neutralidade, respeito aos direitos dos russos étnicos, desnazificação, reconhecimento das novas realidades territoriais e fim da expansão da Otan à fronteira russa. E, do ponto de vista político e militar, um blefe completo, já que são vassalos e dependentes dos EUA.
Um blefe, mas como dizia o velho Rothschild nos idos do século XIX, a melhor hora para especular é quando o sangue corre nas ruas. Assim, a BAE Systems da Grã-Bretanha subiu 15%, a Rheinmetall da Alemanha ganhou 14%, a Thales da França aumentou 16% e a Leonardo da Itália também inflou 16%. Na City londrina, o aumento nas ações relacionadas à gastos com guerra ajudou a empurrar o FTSE 100 para um novo recorde. Ele fechou com alta de 0,7% a 8871,31.
“Os movimentos [especulativos] continuaram uma forte alta nas ações de ‘defesa’, já que os investidores esperavam grandes aumentos nos orçamentos de ‘defesa’ por países europeus”, registrou The Guardian, confirmando o senso “visionário” do banqueiro, o que justificou dizendo que isso aconteceu “alimentado por temores” de que Washington retiraria “garantias de segurança” da Europa.
O jornal britânico deixou de citar a exigência de Trump de que os vassalos europeus aumentem os gastos militares da atual taxa de “proteção” de 2% do PIB para 5% – a serem gastos com armas americanas, claro.
TRUMP
O que não evitou que Trump haja optado, até aqui, em se distanciar da guerra de Biden pela Ucrânia e contra a Rússia, visando concentrar forças no embate com a China em ascensão, meta na qual faz parte do menu desindustrializar a Europa em prol de tornar a América “Great Again”, submetendo o Velho Continente.
A propósito, Trump chegou a ser alertado pelo seu ex-guru Bannon de que poderia acabar “herdando” a guerra, do mesmo jeito catastrófico que aconteceu a Nixon no Vietnã. As primeiras conversações com a Rússia em Riad foram consideradas “produtivas” pelas duas partes e, para pânico dos vassalos europeus, agrupados na Otan e cúmplices em toda a linha da guerra na Ucrânia, o chefe da Casa Branca disse até mesmo que Zelensky “não está pronto para a paz”.
FAÇAM AS APOSTAS
Também subiram na segunda-feira as ações de empresas aeroespaciais com receitas significativas de defesa. A Airbus subiu 5%, a francesa Safran ganhou 3%, enquanto o rali aumentou o ímpeto da Rolls-Royce depois que a fabricante britânica de motores a jato deixou os investidores em êxtase na semana passada com resultados fortes. Suas ações ganharam 4% na segunda-feira, atingindo um recorde. A empresa britânica de tecnologia de defesa QinetiQ subiu 12%, enquanto a francesa Dassault Aviation ganhou 15%.
A BAE, maior fabricante de armas da Grã-Bretanha, relatou pedidos recordes no mês passado, com seus lucros anuais superando £ 3 bilhões pela primeira vez em 2024. Suas ações mais que dobraram desde o início da guerra e a empresa está avaliada em £ 48 bilhões.
Note-se que em boa parte dessas empresas europeias, o maior acionista já é o megafundo de especulação norte-americano BlackRock, que também acaba de fazer seu ex-CEO na Alemanha de primeiro-ministro, o banqueiro Friedrich Merz, que pretender enviar mísseis avançados de cruzeiro Taurus para elevar as provocações de Kiev contra a Rússia.
Os apologistas alemães da guerra na Ucrânia também já falam em dedicar 700 bilhões de euros para rearmar o país, aliás em crise, desde que se autossabotou em relação ao gás russo barato.
Como observou um analista, “falar de botas no chão em nome da ‘paz’ é certamente tudo menos uma receita para a paz”. Também não parece um esforço pela paz a declaração de Madame Von Der Leyen, presidente da Comissão Europeia, de que a meta é transformar a Ucrânia em um “porco-espinho de aço indigesto para invasores em potencial”.
E após um entrevero em que Trump, que ninguém pode acusar de “pacifista” ou “democrata”, dizer em pleno Salão Oval a Zelensky, paramentado como um rambo, que “você não tem as cartas, o povo está morrendo, seu tempo está acabando, você está ficando sem soldados e então você nos diz ‘eu não quero cessar-fogo’”.
“REVOLUÇÃO FISCAL”, PREVÊ THE ECONOMIST
Observe-se ainda que, para se rearmar e manter a guerra na Ucrânia, como apontou a revista The Economist, a Europa teria de recorrer ao que chamou cinicamente de uma “revolução fiscal”. “A Europa terá que cortar o bem-estar: Angela Merkel, ex-chanceler da Alemanha, costumava dizer que a Europa representava 7% da população mundial, 25% de seu PIB, mas 50% de seus gastos sociais”. Como diz o ditado, para bom entendedor pingo é letra.
Depois vão derramar lágrimas de crocodilo sobre o avanço da AfD e assemelhados. Já para Sir Starmer, blairista de carteirinha e chefe da perseguição judicial no Reino Unido a Assange, a Europa está “em uma encruzilhada na história”. Na semana passada, ele anunciou aumento dos gastos com defesa para 2,5% do PIB até 2027, três anos antes do planejado. Também Macron recomendou uma alta dos militares, “para mais de 3% do PIB” contra “a ameaça da Rússia”.
Como se fosse a Rússia que houvesse nas últimas três décadas estendido para oeste suas forças militares e bases, e não a Otan que tivesse anexado quase tudo para leste, até às portas da Rússia, e em rompimento do que foi acordado quando da reunificação alemã há 40 anos.
Quanto às “botas no terreno” na Ucrânia, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, já havia declarado anteriormente que tinha como objetivo “alimentar ainda mais o conflito e impedir qualquer tentativa de esfriá-lo”. E Moscou advertiu que quaisquer tropas estrangeiras que cheguem à Ucrânia sem um mandato da ONU serão alvos legítimos.
EUROPEUS NO DEVIDO LUGAR
Na semana passada,o presidente Putin disse que Moscou não tinha objeções à participação da Europa Ocidental no processo de paz, mas enfatizou que “ninguém pode exigir nada da Rússia aqui”.
Afinal, os europeus já traíram três vezes antes acordos e garantias dados à Rússia sobre a Ucrânia. Primeiro, quando França, Alemanha e Polônia foram garantidoras do acordo para respeitar o mandato legítimo do então presidente ucraniano Yanukovich e a CIA deu o golpe em Kiev em 2014 sem os garantidores darem um pio.
Por duas vezes, os acordos de Minsk buscaram a pacificação da Ucrânia, sob garantia de Paris e Berlim, e referendados pelo Conselho de Segurança da ONU para, no final, Angela Merkel e Françoise Hollande confessarem que era só um embuste, para dar tempo à Ucrânia se rearmar. O que faz a Rússia agora se recusar a uma mera trégua e exigir uma solução duradoura.
NÃO FALTOU AVISO
E não foi por falta de aviso: na Conferência de Munique de 2007, um ano antes do presidente norte-americano W. Bush oficializar seu ‘convite’ à Ucrânia para ser anexada pela Otan, o presidente Putin já alertara que o “mundo unipolar” sob os ditames de Washington não tinha futuro, rechaçado a expansão da Otan como “inaceitável” e que o mundo seria multipolar.
E a Rússia só socorreu os habitantes do Donbass ameaçados de limpeza étnica pelo regime neonazi após Kiev rasgar os acordos de Minsk e após ter apresentado em dezembro de 2021 aos EUA e à Otan propostas de restauração na Europa da segurança coletiva e indivisível e volta às posições de 1997, ano do acordo Rússia-Otan. E quase três anos após Trump rasgar o Tratado de Proibição de Armas Nucleares (INF), assinado por Reagan e Gorbachev, de 1987, que por quase 40 anos evitou uma guerra nuclear no teatro europeu. O que tornou inadiável impedir que mísseis da Otan fossem posicionados na Ucrânia, a minutos de Moscou e São Petersburgo.