Um acordo firmado nesta quinta-feira (26) após uma audiência de mediação realizada pelo Supremo Tribunal Federal [STF] prevê o desembolso de R$ 146 milhões para que ruralistas desocupem a Terra Indígena Nhanderu Marangatu, localizada no município de Antônio João, em Mato Grosso do Sul, na divisa com o Paraguai.
Os termos do acordo foram definidos em audiência convocada pelo ministro Gilmar Mendes com representantes dos fazendeiros, lideranças indígenas e agentes governamentais. O ministro é o relator das ações no Supremo que contestam a legalidade da tese do marco temporal – segundo a qual só podem ser demarcados os territórios ocupados na data da promulgação da Constituição de 1988.
Para selar o pacto na tentativa de pôr fim à violência que já causou a morte de 7 indígenas desde 2022, quando a Fundação Nacional do Índio [Funai] declarou como de posse dos povos originários a TI Nhanderu Marangatu, a União aceitou pagar de imediato algo em torno de R$ 30 milhões aos ruralistas.
A exigência se dá em razão das melhorias, de acordo com levantamento da Funai, feitas pelos fazendeiros no período em que ocuparam ilegalmente a área. A partir daí, os invasores terão 15 dias para deixar o local. Os cofres federais ainda vão desembolsar mais R$ 101 milhões pela terra nua. O governo estadual arcará com outros R$ 16 milhões. “As partes se comprometem a suspender imediatamente os atos de hostilidade”, diz trecho do acordo firmado no Supremo.
O texto também determina o fim de todos os processos judiciais, sem resolução de mérito, em torno do litígio. “Com a celebração do acordo, serão extintos sem resolução do mérito todos os processos em tramitação nas instâncias do Poder Judiciário que discutam posse e domínio das áreas abrangidas pela terra indígena […]”, continua o texto.
Entidades representativas dos povos originários têm pressionado o ministro para que ele declare inconstitucional a lei da tese do marco temporal. No entanto, Gilmar anunciou em agosto a criação de uma câmara de conciliação composta por organizações indígenas, ruralistas e esferas governamentais para debater o tema. A iniciativa é criticada por indígenas, juristas e diversos agentes da sociedade civil.
Na terça-feira [24], a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) que participa da Semana do Clima Nova Iorque, realizou protestos contra o marco e por ações contra a crise climática. A APIB projetou imagens em um edifício, exibindo mensagens em inglês e português que cobram a demarcação de terras indígenas e pedem a Gilmar Mendes que suspenda a lei aprovada pelo Congresso.
“[…Projetamos mensagens contra a ‘Lei do Genocídio Indígena’, que estabelece o marco temporal para a demarcação de terras indígenas. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) mobilizou-se em defesa dos direitos já garantidos pela Constituição de 1988”, publicou a entidade em suas redes. “A lei, aprovada, vai na contramão da decisão do STF e ignora a desigualdade na representação dos povos indígenas. A APIB se retirou da ‘Câmara de Conciliação’, afirmando que os direitos indígenas não devem ser negociados”, continuou a organização.
Também nesta semana, lideranças indígenas de comunidades de Mato Grosso do Sul e de outros estados brasileiros, participaram da 57ª reunião ordinária do Conselho de Direitos Humanos, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. O objetivo foi denunciar as ações violentas contra indígenas nos últimos meses em territórios contestados no Paraná, Mato Grosso do Sul e Bahia, que estão em áreas em processo de identificação e delimitação.
“Estou aqui na ONU trazendo várias demandas do povo Guarani Kaiowá, trazendo aqui toda a denúncia que ocorre no nosso território, que vem nos matando, vem nos desvalorizando, torando nosso território, nosso direito”, disse Simão Guarani Kaiowá, representante do Cimi-MS, em vídeo gravado em Genebra.
Um relatório da ONG Global Witness divulgado no início deste mês, revelou que o Brasil é o segundo país no mundo com maior número de assassinatos de defensores ambientais, ficando atrás apenas da Colômbia. No Brasil, um ativista foi assassinado a cada dois dias em 2023, mostrou o levantamento.
“Os Povos Indígenas (85) e afrodescendentes (12) representaram 49% do total de homicídios do mundo, mostrando que a disputa, a grilagem de terras e as violências nestes territórios continuam sendo mais intensas, o que gera maior vulnerabilidade para os povos originários. Desde 2012, 766 indígenas foram mortos, representando 36% de todos os assassinatos de defensores do meio ambiente”, cita o documento.
No Brasil, ocorreram pelo menos 25 assassinatos no ano passado – o número é o mais alto já registrado em um país num único ano. “Entre eles, o ataque de fazendeiros, organizados pelo movimento de extrema direita, Invasão Zero, em área de retomada do povo Pataxó Hã Hã Hãe, no sul da Bahia resultou o assassinato de Nega Pataxó. Além da organização dos ruralistas, as pressões institucionais e a lei do marco temporal em vigor, são estímulos para acentuar os conflitos nos territórios”, aponta o relatório.
O estudo mostra ainda que a América Latina foi a região com mais mortes, com 166 – 85% do total. Os dados podem estar subestimados, já que muitos homicídios não são notificados, especialmente em áreas rurais e em alguns países, ressalta a Mas a Global Witness.