A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai investigar as atividades do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi instalada nesta quarta-feira (17) na Câmara dos Deputados. A relatoria, um dos principais cargos da comissão, foi entregue ao deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Maquinada por partidos de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a comissão foi criada a pedido do deputado bolsonarista Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS), que vai presidir os trabalhos. Foi Zucco quem indicou Salles como relator.
O primeiro e segundo vice-presidentes, respectivamente, são os deputados Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e o delegado Fábio Costa (PP-AL). O terceiro vice-presidente, é Evair de Melo (PP-ES). Os nomes que compõem a direção do colegiado estavam em chapa única. Houve um acordo para que não houvesse outros concorrentes.
Os primeiros convocados devem ser dirigentes regionais do Incra nomeados com apoio de lideranças do movimento. A previsão é que a CPI encerre os trabalhos em 28 de setembro deste ano, caso não haja prorrogação, informou Zucco. O plano de trabalho deve ser apresentado na próxima reunião.
A CPI do MST conta com 40 deputados ruralistas e apenas 14 governistas, segundo apuração da CNN Brasil. São 54 membros entre titulares e suplentes.
A indicação de Salles como relator – o ministro de Bolsonaro que defendeu fazer a “boiada passar” na legislação ambiental brasileira – foi criticada pelo líder do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu (PR). “Não acho que é o nome dos mais equilibrados aqui, dos que têm mais condição de diálogo para fazer o que de fato não só essa CPI, mas qualquer outra possa ter um bom funcionamento. Acabou sendo o nome que prevaleceu na escolha do presidente da Câmara”.
A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) também se opôs a escolha de Ricardo Salles, que segundo ela, “tem interesse ideológico, político e econômico”, apontando supostos financiadores da campanha do congressista. “A gente sabe que a intenção dessa CPI é tirar o foco dos verdadeiros crimes que foram realizados neste país”, declarou.
BOLSONARISTA INVESTIGADO
Alvo de investigações por suspeita de crimes ambientais como o envolvimento em um esquema de exportação ilegal de madeira, Salles, que era ministro do Meio Ambiente de Jair Bolsonaro, foi exonerado do cargo em junho de 2021.
A demissão foi comemorada nas redes sociais por pessoas ligadas ao meio ambiente. O ex-ministro era um dos mais criticados no governo, principalmente por conta do aumento do desmatamento na Amazônia brasileira e do desmonte de programas de proteção ambiental.
Ao defender que uma das investigações contra Salles no Supremo Tribunal Federal fosse remetida à Justiça Federal do Pará (onde os crimes teriam ocorrido), o que aconteceu em julho daquele ano, a PF informou ao órgão que a perícia realizada no escritório de Salles em Brasília, indicou a ocorrência de uma “lavagem” de produtos florestais e uso de documentos falsos. Ou seja, uma suposta tentativa de “legalizar” material extraído de forma ilegal com a utilização de documentos expedidos oito meses após a exploração das áreas.
Além disso, a ministra Cármen Lúcia, do STF, autorizou a instauração de um inquérito para investigar Salles sob acusação de crimes como advocacia administrativa, criar dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar investigação de infração penal que envolve organização criminosa.
SUCO DE UVA SEM TRABALHO ESCRAVO
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, disse que a CPI, articulada pelos bolsonaristas contra o MST vai encontrar “suco de uva sem trabalho escravo”.
“Vão encontrar coisas gravíssimas. Suco de uva feito sem trabalho escravo, arroz integral, milho, soja não transgênica”, disse Teixeira. “A CPI quer botar fogo nas relações. Se é para discutir paz no campo, não tem a ver com o MST”.
Durante a Feira da Reforma Agrária do MST, realizada entre 11 e 14 de maio em São Paulo, o ministro já havia se manifestado em defesa do movimento, quando teceu críticas ao presidente do Banco Central, Campos Neto, pela astronômica taxa de juros que “está levando muitos brasileiros à extrema pobreza e à miséria”.
“Se [quem quer investigar o MST] quiser descobrir um homem que está criando uma balbúrdia, uma baderna neste país, eles vão achar o Roberto Campos Neto, que está fazendo o maior juro da face da terra e levando muitos brasileiros à extrema pobreza e à miséria”, afirmou.
Ao Brasil de Fato, João Pedro Stédile, da direção nacional do MST, disse que “a extrema-direita vai criar vários factoides para botar nas suas redes sociais”.
“A CPI sempre tem características de ser, por um lado, um palco em que muitos parlamentares buscam apenas aparecer para a imprensa, outros usam esse palco para falar para suas bases. Então, a extrema-direita vai criar vários factoides para botar nas suas redes sociais”, analisou.
Os pedidos de instalação da CPI – a quinta contra o movimento em 20 anos – foram feitos desde o início da nova legislatura do Congresso Nacional. Porém, se intensificaram após as ações do último mês de abril, quando houve ocupações realizadas pelo movimento em diversas partes do país, que ocorreram de forma pacífica e sem registro de violência.
A medida foi criticada pela Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD), que no início de maio lançou uma nota de apoio ao movimento e suas lideranças por conta da aprovação das investigações.
Para o coletivo de juristas, a CPI tem “duvidosa constitucionalidade”, pois foi instaurada “sem fato determinado e com a indevida finalidade de ‘investigar’ pessoa jurídica de direito privado”. A iniciativa, segundo a AJD, “é mais um passo no processo protagonizado pela direita neoliberal de perseguição, descrédito e demonização dos movimentos sociais”.