André Mendonça, Rodrigo Pacheco, Michel Temer e setores do Centrão não avalizaram medida inconstitucional tomada para livrar Daniel Silveira. Deputado foi condenado por 10 a 1 no STF após ameaçar cortar a cabeça de Alexandre de Moraes
Não são apenas os juristas, parlamentares, professores de Direito e especialistas da área que estão condenando a decisão inconstitucional e estapafúrdia de Jair Bolsonaro de afrontar o Supremo Tribunal Federal (STF) e dar graça, um dia depois de sua condenação, ao deputado Daniel Silveira, que atentou contra a Constituição e ameaçou invadir a Corte a cortar a cabeça do ministro Alexandre de Moraes.
SÓ BOLSONARISTA RAIZ APOIOU MEDIDA
Tirando alguns integrantes mais proeminentes da milícia bolsonarista, como Roberto Jefferson, Malafaia, Carla Zambelli (PL-SP), Marco Feliciano (PL-SP), Carlos Jordy (PL-RJ), alguns membros da família, que também têm contas a acertar com o Supremo, e também uns poucos aliados, mais interessados, é verdade, em garantir as verbas do ‘orçamento secreto’ controladas pelo Planalto, ninguém mais apoiou a decisão irresponsável de Bolsonaro em relação a Daniel “corta cabeças”. Ele só perdeu apoio na sociedade com essa decisão.
A começar pelo atual ministro do STF, André Mendonça, que, na véspera da decisão de Bolsonaro, votou pela condenação do parlamentar fascista. Apesar de ter sido violentamente atacado pelos bolsonaristas, Mendonça afirmou que “é preciso separar o joio do trigo, sob pena de o trigo pagar pelo joio. Mesmo podendo não ser compreendido, tenho convicção de que fiz o correto”. O Planalto pressionou para que Mendonça pedisse vista e interrompesse o julgamento, mas foi derrotado.
“Como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas; e como jurista, a avalizar graves ameaças físicas contra quem quer que seja. Há formas e formas de se fazerem as coisas”, esclareceu o ministro indicado por Bolsonaro para o Supremo. Com seu voto, ele deixou claro que não concorda com o uso demagógico do cristianismo, como fazem Bolsonaro e suas milícias. para pregarem a violência e o ódio na política.
MENDONÇA: COMO CRISTÃO NÃO POSSO ENDOSSAR VIOLÊNCIA
Outro que se distanciou de Bolsonaro neste episódio foi o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Mesmo argumentando que o Congresso Nacional não tem instrumentos para reverter o decreto presidencial, ele acusou a medida tomada por Bolsonaro. “O perdão da pena do deputado criminoso Daniel Silveira (PTB-RJ) gera um sentimento de impunidade e fragiliza a Justiça”, disse.
“O condenado teve crimes reconhecidos e o decreto de graça não significa sua absolvição, porém terá sua punibilidade extinta, sem aplicação das penas de prisão e multa, ficando mantidos a inelegibilidade e demais efeitos civis da condenação”, argumentou o presidente do Senado. Em nota, Pacheco disse que afirma seu “absoluto repúdio a atos que atentem contra o Estado de Direito, que intimidem instituições e aviltem a Constituição Federal. A luta pela Democracia e sua preservação continuará sendo uma constante no Senado Federal”, concluiu.
Michel Temer, que já havia apoiado Bolsonaro a sair do sufoco quando este tentou um golpe frustrado no 7 de Setembro do ano passado, foi outro que viu na atual medida de Bolsonaro uma ação inconstitucional. O emedebista tentou convencer Bolsonaro a voltar atrás.
“Como a decisão do STF sobre o processo contra o deputado Daniel Silveira ainda não transitou em julgado, o ideal, para evitar uma crise institucional entre os poderes, é que o Presidente da República revogue por ora o decreto e aguarde a conclusão do julgamento. Somente depois disso, o Presidente poderá, de acordo com a Constituição Federal, eventualmente, utilizar-se do instrumento da graça ou do indulto”, escreveu Temer à emissora de TV.
“Este ato poderá pacificar as relações institucionais e estabelecer um ambiente de tranquilidade na nossa sociedade. Nesse entretempo poderá haver diálogo entre os Poderes. O momento pede cautela, diálogo e espírito público”, completou Temer.
A resposta foi sucinta, no tuíte onde a opinião do ex-presidente era repercutida em uma matéria do canal: “Não”.
TEMER PROPÔS VOLTAR ATRÁS MAS BOLSONARO DISSE NÃO
Deputados e senadores do chamado centrão também não gostaram da decisão tomada por Bolsonaro, segundo reportagem deste sábado do jornal Correio Braziliense. Segundo o jornal, a decisão de baixar um decreto para conceder perdão ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi fruto de uma escolha do próprio presidente, que ouviu apenas seus auxiliares mais próximos, ligados ao núcleo bolsonarista do Palácio do Planalto, incluindo assessores militares.
O núcleo político do centrão, coordenado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), não foi consultado. Segundo fontes ouvidas pelo Correio, o indulto foi uma resposta do chefe do Executivo ao que considera “excessos e erros” do Supremo Tribunal Federal (STF). E abre mais uma frente de embate com o Poder Judiciário, gesto que desagrada aos moderados e agrada à base de eleitores de Bolsonaro.
De acordo com essas mesmas fontes, sempre que o presidente tem a opção de confrontar o Judiciário, ele parte para esse caminho. Mais uma vez com apoio da ala militar do governo – representada pelo general Braga Netto – e subsidiado pelo ministro da Justiça, Anderson Torres, e pelo advogado-geral da União, Bruno Bianco.
“O Supremo é que vai ser o causador da crise institucional. A graça está prevista na Constituição, em vários países é assim”, disse uma dessas fontes. “Isso faz parte do sistema de freios e contrapesos do Estado democrático. O STF julgou errado, o presidente concede a graça”.
Em editorial deste sábado (23), o tradicional jornal paulista “Estadão” também afirma que “a rigor, no ato de quinta-feira, Jair Bolsonaro não exerceu nenhuma competência prevista no art. 84 da Constituição. De forma inteiramente inconstitucional, ele assumiu o papel de órgão revisor do Supremo, com a desfaçatez de interpretar e aplicar a Constituição em sentido diverso ao que havia sido definido no dia anterior pelo Supremo”.
“Ao atuar assim, Jair Bolsonaro expõe uma vez mais ao ridículo todos aqueles que vêm tentando, ao longo desses três anos e quatro meses, contemporizar os atos presidenciais, como se seu descompasso fosse mera questão de estilo, um inocente despojamento de protocolo, mas que, na essência, não afrontaria a Constituição. Jair Bolsonaro sabe exatamente o que vem fazendo, como já sabia, nos tempos do Exército, que seu comportamento na época não se coadunava com a disciplina, a hierarquia e o espírito militares”, prossegue o Estadão.
ATO DE PERDÃO É UMA VIOLAÇÃO À CONSTITUIÇÃO
“É preciso retirar, de uma vez por todas, o manto da irresponsabilidade sobre os atos de Jair Bolsonaro. Quando, menos de 24 horas depois de uma decisão do plenário do Supremo, o presidente usa o poder de conceder indulto para afrontar, de maneira explícita, o Poder Judiciário, tem-se uma violação da Constituição. Há um estrito abuso de poder. E mais: há a mensagem de que nada o deterá em suas pretensões e devaneios autoritários. Se assim Jair Bolsonaro trata uma decisão do órgão máximo do Judiciário, simplesmente já não existe mais nenhum limite”, afirma o jornal.
“Nesta situação de teste forte das instituições”, prossegue, “cabe, de forma especial, ao Congresso e à Procuradoria-Geral da República (PGR) exercerem suas atribuições constitucionais de controle dos atos do Executivo, com a responsabilização de quem vem abusando não apenas da lei, mas da paciência dos brasileiros. Na República, há limites”, conclui o editorial.
Daniel Silveira foi condenado na quarta-feira. O indulto, que foi anunciado por Bolsonaro na quinta-feira, menos de 24 horas após a sentença, funciona como um perdão aos crimes cometidos.
A condenação do parlamentar foi decidida por 10 votos a 1. Dos favoráveis, oito deles seguiram integralmente o voto do relator, o ministro Alexandre de Moraes. Apenas Nunes Marques votou pela absolvição do deputado. André Mendonça, por sua vez, votou pela condenação de Silveira à pena de dois anos em regime aberto e multa de R$ 91 mil pelo crime de coação previsto no artigo 344 do Código Penal, divergindo em parte de Moraes, sobre a aplicação do crime previsto da Lei de Segurança Nacional. O voto do magistrado, no entanto, foi derrotado, já que a maioria acompanhou o relator.
Além da pena de prisão, Silveira também perdeu o mandato e os direitos políticos. A condenação, no entanto, não é imediata porque ainda cabe recurso à defesa do deputado federal. Enquanto isso, ele continuará em liberdade e no exercício de suas atividades.