
As mortes causadas por policiais militares durante o serviço em São Paulo tiveram aumento sob a gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) depois de dois anos de queda. Dados divulgados pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) mostram os casos registrados no primeiro semestre de 2023. Entre janeiro e junho, 145 pessoas morreram vítimas da ação policial, ocorrências classificadas pelo nome técnico Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIP). O número representa um crescimento de 15% em comparação com o primeiro semestre de 2022, quando foram registradas 126 mortes.
Os dados do Ministério Público indicavam uma tendência de queda nos dois últimos anos, com reduções seguidas depois das 436 mortes registradas em 2020: foram 287 em 2021, e 126 em 2022.
Enquanto as mortes em serviço subiram 15%, as mortes causadas por policiais de folga tiveram queda de 31% entre janeiro e junho deste ano. Foram 46 casos no primeiro semestre sob Tarcísio, contra 66 no mesmo período do ano passado (o último da gestão Rodrigo Garcia, do PSDB).
Em nota, a SSP informou que “a principal causa da morte não é a atuação da polícia, mas sim a opção do confronto feita pelo infrator” e que “casos de MDIP em serviço e as ocorrências envolvendo policiais de folga não devem ser equiparadas ou comparadas, vez que apresentam dinâmicas completamente distintas”.
Para o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) Dennis Pacheco, os aumentos consecutivos da letalidade policial demonstram um notório retrocesso da gestão da segurança pública em São Paulo. “Com a mudança de governo, observamos o retorno do discurso insidioso de promoção da letalidade policial, cujas consequências são mortes, especialmente de jovens negros, que poderiam ser evitadas”, disse.
“Para voltarmos ao caminho democrático de garantia da segurança pública, é preciso assumir o compromisso antirracista e rechaçar o discurso de que bons policiais são policiais assassinos em desacordo com os protocolos e a legalidade que profissionalizam seu uso da força, cobrando atuação dos órgãos de controle: a Ouvidoria, a Corregedoria e o Ministério Público no sentido de reduzir a impunidade de policiais homicidas”, avaliou Pacheco.
USO DAS CAMÊRAS
Ele ressalta que, em 2022, o estado teve intensa redução, tanto da letalidade quanto da vitimização policial, que se posicionou enquanto modelo de governança do uso da força policial por meio do Programa Olho Vivo, que promoveu o uso de câmeras corporais pela Polícia Militar. “Antes dele [programa Olho Vivo], a maior parte das mortes causadas pelas polícias paulistas não caracterizava confronto, e sim uso abusivo da força”, disse.
Segundo Pacheco, três elementos principais revelavam o uso abusivo da força naquele momento, mortes causadas pelas polícias seguiam aumentando mesmo diante de reduções sucessivas de homicídios; mortes causadas pelas polícias seguiam aumentando sem que esse aumento se refletisse no número de policiais mortos em serviço ou fora dele; e o principal alvo da letalidade policial eram adolescentes negros, pobres e periféricos de dez a 19 anos de idade.
O pesquisador avalia que o programa funcionou, no ano passado, porque amarrou fatores tecnológicos a político-administrativos, unindo as câmeras corporais a dispositivos estatais de controle e redução da letalidade, como a Comissão de Mitigação de Não-Conformidade e, principalmente, transformações discursivas das lideranças.
Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, afirma que os números divulgados pelo Ministério Público paulista causam preocupação.
“É no horário de trabalho em que há a utilização das câmeras corporais, que contribuíram significativamente para a redução da letalidade provocada pela PM desde 2020”, disse.
OLHO VIVO EM RISCO
Segundo ela, a posição do secretário da Segurança, Guilherme Derrite, de ser contra as câmeras, pode gerar uma espécie de desconstrução pelo próprio estado do programa Olho Vivo, que implantou as câmeras corporais nos uniformes dos agentes.
Com o uso dessas câmeras, a letalidade de PMs em serviço foi a menor da história: caiu de 423 mortes em 2021 para 256 em 2022. O governo Tarcísio congelou a quantidade de equipamentos disponíveis para a tropa nos primeiros meses de sua gestão.
“Na impossibilidade de encerrar o projeto, ele vai sendo boicotado internamente”, disse Bueno, ao citar fala do comandante geral da PM nesta semana.
Nas redes sociais da corporação, o coronel Cássio Araújo de Freitas cobrou que os policiais não hesitem em agir durante ocorrências no trabalho.
“Estamos bastante preocupados com algumas ocorrências onde o policial militar tem hesitado em utilizar as suas ferramentas de trabalho. E aí vai o meu pedido para vocês e para todos esses amigos aqui que estão aqui presentes: não hesite em cumprir a lei, não hesite em utilizar a legítima defesa a seu favor. Faça isso!”, declarou o comandante.
Em sua mensagem, o comandante pediu para os policiais pensarem na sociedade, na PM e na família e para se sentirem seguros para trabalhar. “A instituição está à sua disposição. Não se esqueça: técnica, tática e principalmente atitude para agir”, disse, antes de desejar sucesso na missão e que “Deus o abençoe”.