
Segundo o principal conselheiro de Lula em assuntos internacionais, cancelamento de vistos de responsáveis pelo programa Mais Médicos tenta provocar uma reação brasileira para justificar “ações mais absurdas”
O ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, hoje, principal conselheiro do presidente Lula em assuntos internacionais, reagiu fortemente às últimas revogações de vistos de agentes públicos responsáveis pelo programa Mais Médicos.
“É a total irracionalidade. Ou, pior, uma provocação à espera de uma reação que sirva de pretextos a ações mais absurdas. Com que objetivo, sinceramente, não sei”, afirmou em entrevista ao Globo neste final de semana.
O Departamento de Estado norte-americano escalou ainda mais a crise provocada desde o tarifaço de Trump contra as exportações brasileiras ao revogar os vistos de dois brasileiros que participaram do programa Mais Médicos, criado em 2013 para contratar profissionais estrangeiros da área de saúde na rede pública. A justificativa torpe foi a necessidade de responsabilização daqueles que permitem o esquema de “exportação de trabalho forçado do regime cubano”.
Mozart Sales, homem de confiança do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, e Alberto Kleiman, coordenador-Geral para a COP 30, conferência mundial do clima que acontecerá em Belém (PA) no próximo mês de novembro, foram os alvos das novas sanções patrocinadas pela Casa Branca, sob aplauso do “03” de Bolsonaro, o bananinha que se encontra em território americano incentivando as agressões dos EUA contra o Brasil.
A declaração de Celso Amorim reflete uma impressão geral entre integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: os ataques da Casa Branca ao Judiciário brasileiro — e, desde ontem, a servidores públicos federais — têm como objetivo provocar reações em um tom maior do Brasil para justificar sanções mais duras.
Diante das novas agressões, é natural que se avalie, dentro do governo, a decisão de expulsar o atual encarregado de negócios dos EUA na embaixada em Brasília, Rafael Escobar, useiro e vezeiro em emitir notas de ameaça aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que alinharem-se ao colega já sancionado Alexandre de Moraes. Ou, ainda, a convocação da embaixadora brasileira em Washington, Maria Luiza Viotti.
Escobar já foi instado a comparecer ao Itamaraty duas vezes para prestar esclarecimentos sobre as reiteradas ameaças que saíram da embaixada norte-americana, algo que tem sido inócuo caso se confirme a avaliação de Amorim de que a onda provocativa tem o objetivo de levar o governo brasileiro a adotar medidas mais duras.
Na última sexta-feira, o diplomata esteve no Ministério das Relações Exteriores, quando ouviu queixas do governo brasileiro em relação aos novos ataques da embaixada ao ministro Moraes, nas redes sociais.
“O ministro Moraes é o principal arquiteto da censura e perseguição contra Bolsonaro e seus apoiadores. Suas flagrantes violações de direitos humanos resultaram em sanções pela Lei Magnitsky, determinadas pelo presidente Trump. Os aliados de Moraes no Judiciário e em outras esferas estão avisados para não apoiar nem facilitar a conduta de Moraes. Estamos monitorando a situação de perto”, dizia a mensagem provocativa da embaixada, numa flagrante intromissão a assuntos internos do Brasil e ameaça à soberania nacional.
Na véspera, Gabriel Escobar se reunira com o vice-presidente Geraldo Alckmin. Os detalhes da conversa não foram divulgados.
A embaixada voltou à tona no sábado passado. Publicou uma mensagem semelhante a um texto divulgado horas antes pelo número dois do Departamento de Estado americano, Christopher Landau, afirmando que Moraes teria “usurpado o poder” do STF.
Desta vez, não houve convocação. O governo brasileiro manifestou à embaixada americana seu “absoluto rechaço às reiteradas ingerências dos EUA em assuntos internos do Brasil”. E destacou que a democracia sofreu uma tentativa de golpe de Estado e não se curvará a pressões, conforme relatos de pessoas a par do assunto.
Desde que, no início do mês passado, anunciou uma sobretaxa de 40%, somada aos 10% que já haviam sido aplicados anteriormente, Trump deixou claro sua disposição de proteger o réu golpista Jair Bolsonaro no processo que corre contra ele no STF, o que é recusado peremptoriamente pelo governo brasileiro.
O governo, no entanto, mantém o discurso da negociação, apesar da Casa Branca “esticar a corda”, nas palavras de um interlocutor.
Ainda de acordo com interlocutores envolvidos no assunto, o diplomata americano será chamado sempre que for preciso, embora seja um canal pouco útil. A avaliação é que Escobar não tem entrada alguma com a atual administração e está no posto como “boneco de ventríloquo”.
A Embaixada dos EUA está sem titular desde janeiro deste ano, quando Trump tomou posse.