
A derrota do governo nesta quarta-feira (25), no plenário da Câmara dos Deputados, durante a votação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que previa o aumento do Imposto sobre as Operações Financeiras (IOF), por placar visivelmente dilatado (383 a 98), eriçou a sanha da alguns dos representantes do rentismo no país.
Ganhou destaque em setores da mídia a dobradinha do presidente do conselho de administração e sócio (ou dono) do BTG Pactual, André Esteves, com o economista-chefe do banco e ex-secretário do Tesouro Nacional no desgoverno Temer, Mansueto Almeida, no evento Global Managers Conference, ou, em bom e, melhor, português, Conferência Geral dos Gerentes, transcorrido nesta quinta-feira (26).
O banqueiro, aquele mesmo que foi preso em 2015 durante a operação Lava-Jato, flagrado em tenebrosas transações, disse em alto e bom som sobre a necessidade do país persistir no caminho do corte de gastos, não dos gerados pelos juros do Galípolo que engordam suas contas, é óbvio, mas daqueles destinados às ações sociais e investimentos públicos do governo.
Afirmou o sacripanta:
“Precisa trazer ou desenterrar o Einstein para ele ver qual é a ideia mais brilhante que pode ser feita?”
A “ideia mais brilhante”, segundo ele, é muito simples e trata-se, para nenhum espanto dos que conhecem a sua trajetória, do “ajuste fiscal”, badalado desde a década de 90, quando a tragédia fiscalista apoderou-se do governo FHC e foi – e é -responsável pelos índices raquíticos de crescimento da economia nacional exibidos nos últimos 35 anos, pelo menos, com raros momentos de inflexão, como os verificados com Itamar Franco (1993/1994) e durante o segundo mandato do presidente Lula (2007/2010).
“O ajuste fiscal no Brasil é perfeitamente possível, desde que haja uma liderança na direção certa”, esclareceu o iluminado, afirmando que o Congresso, o mesmo que emparedou o governo na votação do IOF, “é capaz de avançar com as medidas necessárias”.
Esteves, como bom e vivaz urubu do sistema financeiro, sentiu o cheiro da carniça, mas não apenas no Parlamento, cuja maioria é contumaz em adular os representantes da Faria Lima, desde que não mexam em suas emendas milionárias, mas, certamente, também, do outro lado da rua, onde responde pelo Ministério da Fazenda o sr. Fernando Haddad.
Desde que definiu como questão política central na condução da economia nacional o alcance do famigerado ‘déficit zero’, ou seja, do encontro pleno das contas entre o que o governo arrecada e o que gasta, excetuando a conta de capital (dos juros de escorcha do Banco Central), algo que não é praticado em quase nenhuma nação do mundo, o ministro tem conquistado a simpatia da banca, levemente arranhada pela inoportuna iniciativa de aumentar os tributos com a elevação do IOF, sepultada pelo Parlamento. A causa, de fundo, da derrota, o alinhamento do empresariado do setor produtivo, profundamente afetado pelo custo do dinheiro (juros), com os que estão outro lado do balcão, ainda que pontualmente.
A insistência em suas inatingíveis metas fiscais e a ausência de uma ação mais decidida contra a obsessão de Galípolo, seu indicado ao BC, de manter a Selic nas alturas, não foram suficientes para o ministro conquistar a confiança plena do setor financeiro e uma prova disso aconteceu na noite desta quarta-feira na Câmara dos Deputados.
Como também não refreou o apetite dos rentistas, muito bem representados nas manifestações do banqueiro do BTG, que, no mesmo evento, ironizou o fato do equilíbrio fiscal ainda parecer uma questão complexa no debate público. “Entender e identificar o problema é um grande avanço que pode ocorrer nesta gestão. (…) Precisa trazer ou desenterrar o Einstein para ele ver qual é a ideia mais brilhante que pode ser feita?”, questionou.
E foi mais longe: segundo ele, “a sociedade está amadurecendo e cobrando o governo para haver responsabilidade nas contas públicas. Estamos gastando mais do que arrecadamos”, afirmou.
“Gastando” em quê, cara-pálida? Nas escolas, nos hospitais, na segurança, nas estradas e ferrovias, na defesa nacional, nos programas sociais, nas universidades e na ciência e tecnologia? É isso que o incomoda? E quanto aos juros que já consomem quase R$ 1 trilhão do Orçamento por ano, nenhuma palavra? Claro que não, afinal, são eles os responsáveis pelos lucros bilionários do BTG e dos demais monopólios do setor financeiro. Realmente, estamos gastando mais do que arrecadamos, mas por conta desses juros alucinantes responsáveis por quase metade dos gastos governamentais.
“A sociedade está cobrando do governo responsabilidade nas contas públicas”… O cidadão parecer viver em outro planeta. Que sociedade é essa? Só se for a sociedade secreta dos sanguessugas do rentismo, da vampiragem que transfere durante 24 horas todos os dias do ano os frutos de quem vive do trabalho e da produção para os que se nutrem das rendas fáceis.
Será que o velhaco seria capaz de sair de seu ambiente refrigerado para ouvir a tal “sociedade”, enfim, saber do cidadão comum o que ele espera de seu governo? Seguramente, não, pois a resposta seria oposta ao seu desatino.
Esteves também exaltou as “reformas estruturantes” feitas por Temer e Bolsonaro, respectivamente, na legislação trabalhista e na Previdência, nas quais direitos históricos foram sumaria e escandalosamente suprimidos dos trabalhadores e da população mais pobre do país.
É nessa direção, segundo eles, que o Brasil deve continuar seguindo, mesmo que às custas do aumento cavalar das desigualdades sociais, agravadas, como nunca, depois que a lógica rentista sobrepõe-se à produção real e o trabalho precário (e informal) avançou sofre o emprego decente e seguro da CLT, principalmente na indústria.
Mansueto fez coro com seu chefe ao defender “uma agenda focada no controle do crescimento dos gastos”, não dos financeiros, por óbvio, devemos esclarecer, caro leitor.
Duro é ouvir o ‘douto’ economista afirmar, cinicamente, que a medida terá um impacto positivo sofre a inflação e abrirá espaço para um cenário rápido de corte de juros, como se não estivessem praticando essa política há décadas sem qualquer eficácia no controle dos preços, principalmente dos alimentos (as causas estão associadas à frouxidão cambial à ausência de estoques públicos reguladores), muito menos na contenção da Selic.
Mas não parou por aí o funcionário do BTG e, somando-se ao ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, em sua cruzada contra o salário-mínimo, sugeriu o fim da política de valorização do piso nacional e qualificou a proposta como “uma medida que parece simples” para conter o avanço dos gastos. “Aumento real de salário mínimo não é politica social”, disse.
“Política social” é cevar os rentistas com uma das maiores taxas de juros do mundo. “Política social” são os R$ 12,3 bilhões de lucros amealhados pelo BTG Pactual em 2024 graças à política de juros altos do “BC independente” do sr. Campos Neto, cuja amizade com André Esteves foi revelada em áudio vazado no ano passado, no qual o banqueiro assumiu que dava “conselhos” ao então presidente da instituição monetária.
O problema do Brasil são os escandalosos R$ 1.518 pagos a um trabalhador, valor, aliás, nunca é demais repetir, situado na rabeira do ranking dos países latino-americanos.
“VENDERIA A MÃE PARA TER O PODER”
Esteves nasceu no Rio em 1968 e foi durante a faculdade de matemática na UFRJ que entrou no meio financeiro. O estudante começou de baixo, trabalhando como técnico de informática do banco Pactual, de Luiz Cezar Fernandes — que, anos depois, teria o pupilo como desafeto. Ele chamou a atenção dos chefes e foi promovido a trader de renda fixa do banco em 1990, mesmo ano em que se formou. Pouco depois, ascenderia à chefia do novo braço de gestão de recursos da instituição. Para os sócios mais antigos do Pactual, Esteves e outros dois jovens considerados talentosos — Marcelo Serfaty e Gilberto Sayão — eram conhecidos como “os meninos do Cezar”
Com os negócios em ascensão, Esteves usou seus bônus de desempenho para aumentar gradativamente sua participação o banco. Enquanto isso, seu mentor Luiz Cezar Fernandes se afundava em dívidas acumuladas nas tentativas frustradas de diversificar seus negócios na área industrial. Na fragilidade de Fernandes, Esteves viu uma oportunidade de tomar o controle do Pactual. Em 1998, juntamente com outros sócios, adquiriu a participação de Fernandes em troca de empréstimos e de sua saída do banco.
“O Esteves havia sido dinâmico e atuante, mas sempre tive consciência de que ele venderia a mãe para ter o poder”, disse Fernandes à revista “Piauí”, em 2006, no perfil “De elefante a formiga”, sobre sua derrocada no mercado financeiro.
Ao final e ao cabo dessa história, prezado leitor, não seria necessário “desenterrar” nenhum gênio para constatar quem está do lado certo da história e quem, inexoravelmente, figurará do lado podre da mesma.
Essa é a trajetória do sujeito que aconselhava Campos Neto e que, mesmo depois dos rolos da Lava-Jato, continua adulado por setores da grande mídia por ser um arauto do “fiscalismo” na condução da economia brasileira. Essa é a história de um dos homens mais ricos do país, mesmo nunca tendo fabricado um único prego, com uma fortuna calculada em 2,7 bilhões de dólares, repito, dólares, segundo a Bloomberg.
Por isso mesmo, cuidado trabalhador, mesmo em cima dessa montanha de dinheiro, ele e os demais urubus estão de olho nos seus vultosos 1.518 reais…
MARCO CAMPANELLA