À CPI, Luiz Dominguetti, o PM mineiro de Alfenas, relatou ter ouvido do ex-diretor durante o encontro pedido de vantagem ilícita de US$ 1 por dose a ser negociada na aquisição do imunizante indiano Covaxin
Antes de receber voz de prisão do presidente da CPI da Pandemia, senador Omar Aziz (PSD-AM), na tarde da quarta-feira (7), o ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, teve um comportamento de confundir os senadores da CPI, dizer que não sabia de nada, jogar a culpa sobre os outros e o que supostamente sabia era para se isentar da responsabilidade.
Suas narrativas irritaram não só o presidente da CPI, Omar Aziz, como os senadores integrantes da comissão. O que ele contava, não batia com nada. Além disso, procurou desqualificar quem lhe acusa, como o cabo da PM, Luiz Dominguetti, e o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF).
Disse que quem centralizava toda a negociação das vacinas era o número 2 do Ministério, o secretário-executivo Élcio Franco, na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello.
MENSAGENS DESMENTEM
Leia aqui as mensagens que comprovam mentiras e levou à prisão de Roberto Ferreira Dias:
Uma mensagem de áudio enviada pelo cabo da PM, Luiz Dominguetti em 23 de fevereiro pelo WhatsApp mostra que o encontro com Roberto Ferreira Dias foi combinado e não fortuito.
Naquele dia – dois dias antes do encontro – o cabo da PM disse ao interlocutor “Rafael Compra Deskarpak”:
“Rafael, tudo bem? A compra vai acontecer, tá? Estamos na fase burocrática. E em off, fique sabendo, quem vai assinar é o Dias mesmo, tá? Caiu no colo do Dias. E a gente já se falou, né? E quinta-feira [ou seja, dia 25] a gente tem uma reunião para finalizar com o ministério”.
Na quarta-feira (7), Roberto Dias disse aos senadores: “Acerca do jantar. No dia 25 de fevereiro, fui tomar um chope com um amigo no restaurante Vasto. Em dado momento, se dirigiu à mesa o Coronel Blanco, acompanhado de uma pessoa que se apresentou como Dominguetti”.
A comunicação faz parte de mensagens obtidas pela CPI da Covid por meio de quebra de sigilos.
A Randolfe Rodrigues, Dias afirmou hoje, na CPI: “Não, não houve marcação. Nunca houve marcação desse jantar”.
No dia do jantar, pouco antes das 17h, Dominguetti mandou uma mensagem sobre esse encontro a Rafael Alves, que junto com Dominguetti faz parte de grupos de mensagens de representantes da Davati.
Dominguetti escreveu:
“Não esqueça que hoje temos Dias mais à noite.”
À CPI da Covid, Roberto Dias afirmou que o encontro não foi marcado.
DIAS DISSE QUE ENCONTRO FOI CASUAL
Mais cedo, na quarta-feira, Roberto Dias declarou ter tido conversas sobre vacinas com policial militar Luiz Paulo Dominguetti e o reverendo Amilton Gomes de Paula, mas negou a acusação de que houve cobrança de propina durante suposta negociação para a compra de 400 milhões de unidades do imunizante contra a Covid-19 da AstraZeneca.
Dias confirmou que esteve com o cabo da PM mineira e lobista nas horas vagas, Luiz Dominguetti, em jantar no restaurante Vasto, em Brasília, em 25 de fevereiro. Mas afirmou que o encontro foi casual. À CPI Dominguetti relatou ter ouvido do ex-diretor durante o encontro pedido de vantagem ilícita de US$ 1 por dose a ser negociada.
Em contrapartida à propina, Dias buscaria acelerar as tratativas e a assinatura do contrato. Tais fatos foram narrados por Dominguetti, sob juramento de compromisso com a verdade, em depoimento à CPI na semana passada. O ex-diretor de Logística nega qualquer irregularidade. Ele foi exonerado do cargo pouco depois de o caso vir a público em reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
Dominguetti se apresenta como representante comercial, isto é, intermediário, da empresa norte-americana Davati Medical Supply no Brasil — esta teria acesso a 400 milhões de doses da AstraZeneca e queria vender o produto ao governo. A atuação do PM como lobista de vacinas é ilegal e fere o estatuto da PM-MG (Polícia Militar de Minas Gerais).
“PICARETA” E “AVENTUREIRO”
Diante das inquirições, Roberto Dias respondeu à CPI que a narrativa do PM seria completamente fantasiosa, chamando-o de “picareta” e “aventureiro”.
De acordo com o depoente desta quarta-feira, os dois estiveram em jantar informal em Brasília e houve menção à oferta de 400 milhões de doses. No entanto, o fato seria apenas circunstancial, e não uma “negociação” propriamente dita.
O ex-diretor de Logística teria respondido ao PM, durante o jantar, que ele deveria entrar em contato com a pasta com intuito de agendar compromisso formal.
“No dia 25 de fevereiro, fui tomar um chope com um amigo no restaurante Vasto. Em dado momento, se dirigiu à mesa o coronel Blanco, acompanhado de uma pessoa que se apresentou como Dominguetti. Feitas as apresentações, o senhor Dominguetti disse representar uma empresa que possuía 400 milhões de doses de vacina da fabricante AstraZeneca”, disse o ex-diretor do Ministério da Saúde.
E acrescentou: “Nesse momento, eu disse que isso já havia circulado no ministério, mas nunca teria sido apresentada a documentação necessária, e citei o nome do senhor Cristiano. O mesmo disse que era parceiro comercial do senhor Cristiano e que sua empresa teria tais documentos.”
PONTE ENTRE A DAVATI E O MINISTÉRIO DA SAÚDE
“Blanco” é o tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministério da Saúde e que, à época do jantar, já não trabalhava mais na pasta. O militar teria sido o responsável, de acordo com a narrativa de Dominguetti, por fazer a ponte entre a Davati e o Ministério da Saúde. Já “Cristiano” se refere a Cristiano Alberto Carvalho, representante oficial da Davati no Brasil.
Dias prosseguiu: “Então pedi que encaminhasse um pedido formal de agenda ao ministério, que, em agenda oficial, se sua documentação fosse consistente, um processo seria aberto e encaminhado à secretaria-executiva para providências, uma vez que a ela cabia toda a negociação de vacinas Covid-19.”
Posteriormente, na sede do ministério, Dominguetti não teria apresentado a carta por meio da qual ficaria consignado que ele possuía autorização da AstraZeneca para desenvolver as negociações. Na sequência, o policial retirou-se do local e, desde então, Dias alega nunca mais tê-lo visto.
PONTE ENTRE O GOVERNO E OS DISTRIBUIDORES
Se conseguisse acertar a venda das 400 milhões de doses ao Ministério da Saúde, Dominguetti disse que receberia comissão de até 5 centavos de dólar por dose vendida. Isso significaria que ele poderia embolsar, apenas por fazer a ponte entre o governo e os distribuidores, a quantia de US$ 20 milhões, equivalente a R$ 100 milhões no câmbio atual.
De acordo com o relato do PM, para efetivar a suposta cobrança de propina, a oferta feita pela Davati ao governo federal teria que ser recomposta de US$ 3,50 por dose para, no mínimo, US$ 4,50 por dose. Feito isso, seria desviado US$ 1 para garantir a vantagem ilícita em favor do ex-servidor e de seu eventual grupo.
A narrativa do policial durante o depoimento dele à CPI não convenceu senadores tanto da base governista quanto da oposição. Alguns congressistas lançaram suspeita de que o lobista poderia ter sido “plantado” na comissão.
REVERENDO FEZ OFERTA DE VACINA EM AGENDA OFICIAL
Dias também revelou nesta quarta-feira que recebeu o reverendo Amilton Gomes de Paula em agenda oficial para conversar sobre compra de vacinas.
Nesta semana, reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, mostrou mensagens que indicam que Amilton recebeu aval do diretor de Imunização do Ministério da Saúde, Lauricio Monteiro Cruz, para negociar vacinas.
“Lembro de ter recebido [o reverendo] em agenda oficial na minha sala, uma única vez, em um pedido de agenda. A retórica era a mesma: possuía ‘x’ doses disponíveis e não possuía a carta de representação do fabricante e aquilo acabou ali”, disse o ex-diretor de Logística.
DADOS NÃO INFORMADOS
Dias, porém, não disse quem fez o pedido da agenda e nem especificou quantas doses de imunizante contra Covid-19 foram ofertadas pelo reverendo.
Ele, até o presente momento, ainda não esclareceu se a oferta era de 400 milhões de vacinas da AstraZeneca, assim como a apresentada pelo lobista da Davati.
Amilton preside a Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), que apesar do que o nome possa levar a entender, é uma instituição privada. Até 2020, a Senah se chamava Senar (Secretaria Nacional de Assuntos Religiosos).
O depoimento desta quarta-feira ficou marcado por bate-boca entre senadores governistas e da oposição depois de o relator da CPI da Covid-19, Renan Calheiros (MDB-AL), ter falado em “bandalheiras” no Ministério da Saúde.
COVAXIN E DENÚNCIA DE IRMÃOS MIRANDA
No depoimento, Dias negou que tenha pressionado Luis Ricardo Miranda, chefe de importações do Ministério da Saúde e irmão do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), em relação ao processo para a compra da vacina indiana Covaxin — também investigado pela comissão.
Segundo Dias, a mensagem apresentada como indício da pressão se referia a outro processo, relativo ao imunizante AstraZeneca.
“Fui injustamente acusado de ter pressionado um funcionário chefe da divisão de importação e a comprovação foi demonstrada em uma mensagem encaminhada as 20h46 de um sábado, dia 20 de março, quando perguntava como está a LI da vacina. Essa é uma única frase atribuída como forma de pressão indevida. Em nada se referia à Covaxin, em um sábado à noite nada mudaria deste processo.”
Dias já afirmou haver “terceiros interessados” na divulgação da denúncia sobre a suposta propina no sentido de tentar prejudicá-lo. Questionado nesta quarta-feira sobre quem seriam, o ex-diretor de Logística insinuou que o deputado Luis Miranda está por trás das acusações.
“Estou avidamente tentando descobrir a quem interessa. Agora, fato é que soa muito estranho, conforme no meu discurso de abertura, que tudo isso, todo esse ciclo, feche no deputado Luis Miranda”.
CPI, PRORROGAÇÃO E RECURSO AO STF
A CPI, instalada em 27 de abril no Senado, para investigar as ações, omissões e inações do governo federal, sob a liderança do presidente da República Jair Bolsonaro, na gestão da pandemia do novo coronavírus,
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou requerimento assinado por 34 senadores para prorrogar por mais 90 dias os trabalhos da CPI.
Ao mesmo tempo em que os senadores Alexandre Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) acionaram novamente, na última segunda-feira (5), o STF (Supremo Tribunal Federal) para que a Corte Suprema se posicione em relação ao funcionamento da CPI, autorizando a prorrogação dos trabalhos da comissão.
M. V.