
Aconteceu de novo: um atirador matou duas pessoas e feriu 11 em um torneio de game de futebol americano, o “Madden NFL 19”, em Jacksonville, Flórida, no domingo (26). Conforme o xerife da cidade, Mike Williams, “havia três pessoas mortas no local, inclusive o suspeito do ataque, que tirou a própria vida”. O atirador foi identificado como David Katz, de 24 anos, de Baltimore, no estado de Maryland, que estava na Flórida para o torneio.
O mais recente episódio da ‘doença americana’ – a matança indiscriminada a aleatória de outros seres humanos por um atirador ensandecido, que aflige os EUA há mais de duas décadas – aconteceu na região central da cidade, a Jacksonville Landing, espaço à beira do rio que abriga bares, restaurantes e lojas. Massacre semelhante, acontecido também na Flórida em fevereiro em uma escola de ensino médio perto de Miami, provocou a maior manifestação da história dos EUA, com centenas de milhares em Washington, contra a violência e a corrupção promovida pelo cartel do Rifle, a NRA. Dois anos antes, em Orlando haviam sido 49 mortos a tiros em uma boate.
O Madden NFL é o jogo de game oficial da Liga Nacional de Futebol Americano e a disputa era parte da etapa classificatória para as finais em Las Vegas. Ao vivo, pelas redes sociais, pôde ser visto quando os tiros começam a ser disparados, para desespero dos jogadores. Em pânico, participantes se abrigaram aonde puderam.
Pelo twitter, o escritório do xerife advertiu sobre o tiroteio e pediu para que todos ficassem “longe da área. #TheLandingMassShooting”. Ambulâncias, a SWAT e bombeiros acorreram ao local, segundo a emissora de televisão News4Jax, e ruas do centro de Jacksonville foram bloqueadas.
Uma das equipes que participavam do torneio, a CompLexity Gaming, informou que seu jogador, Young Drini, foi ferido de raspão em uma das mãos. “Obviamente estamos chocados e tristes com os eventos desta tarde. Nosso jogador, Drini, foi atingido no polegar, mas ele ficará bem. Ele conseguiu escapar e correr até uma academia de ginástica próxima”, disse o diretor Jason Lake, à France Presse. Mais tarde, Drini tuitou que “nunca mais vou dar nada como certo. A vida pode ser interrompida em um segundo”.
Há outros relatos da dramática situação vivida pelos jogadores do torneio de game. “Tenho sorte por estar vivo, eu sinto enjoado e ainda estou tremendo”, escreveu @SirusTheVirus, que se identifica como um jogador profissional de Madden. Outro sobrevivente, que se apresentou como @DubDotDUBBY, relatou que “não posso acreditar que uma bala atingiu a parede ao meu lado… corpos no chão… é um pesadelo total”. “Uma bala passou raspando na minha cabeça. Me sinto bem, só tenho um arranhão na cabeça. Traumatizado e devastado”. Também a mãe do jogador profissional conhecido como oLARRY2K tuitou que ele tinha sido baleado no peito, o que foi confirmado por outras testemunhas.
Como de costume, as autoridades norte-americanas se apressaram a tirar o corpo fora da tragédia anunciada – é coisa de quase toda a semana, e até diária -, com o governador da Flórida, Rick Scott, anunciando ter “oferecido o apoio do estado após o tiroteio”. O senador republicano pela Flórida Marco Rubio, pró-cartel do Rifle, asseverou que o FBI e o Birô de Álcool, Tabaco, Armas de Fogo e Explosivos “estão investigando o tiroteio deste domingo”.
“Estamos monitorando a situação”, afirmou a secretária de imprensa da Casa Branca, Sarah Sanders, após dizer que o presidente Donald Trump já fora informado sobre o caso. Nas próximas horas, aguarda-se que o próprio Trump vá grunhir pelo twitter alguma coisa como “Deus abençoe a todos” e que o ataque “foi totalmente horrível”. Foi o que ele fez em um massacre anterior.
Nos EUA, quem é menor de 21 anos não pode comprar uma latinha de cerveja, mas pode adquirir um rifle semiautomático. Enquanto isso, recentemente o cartel do Rifle, NRA, elegeu um novo presidente, à altura da função: o traficante de armas e cocaína preferido do governo Reagan, Oliver North, o operativo do escândalo “Irã-Contras”.
Como assinalou várias vezes o cineasta Michael Moore, de “Tiros de Columbine”, há as armas, mas isso não explica tudo. No vizinho Canadá ou na Suíça, é comum a posse de armas, mas não acontecem esses reiterados massacres nas escolas, cinemas e boates. Há a doença mental, há a falta de controles na venda e posse de armas, mas o buraco é mais embaixo. Os analistas têm apontado que a ‘epidemia americana’, no seu sentido mais profundo, são os ‘Mi Lai’ – as chacinas, indiscriminadas e aleatórias, cometidas por tropas americanas contra civis nas guerras no exterior – voltando para casa.
E voltando depois de décadas de genocídio, invasões e tortura, contra outros povos, sempre glorificados pelo establishment, a mídia e Hollywood, em paralelo com a apologia do egocentrismo e da revanche dos apóstolos do neoliberalismo. A decadência do Império como que implode em cada episódio dessa “epidemia americana”, expondo suas vísceras: a incapacidade de identificação com o próximo, a miséria espiritual, a doentia revanche, a violência indiscriminada e ensandecida, tudo isso em meio à metástase da especulação em Wall Street, à carreira armamentista e à desigualdade que não cessa de inchar. Depois de Parkland, Santa Fé e Jacksonville, para só citar três dos massacres mais recentes, onde será a próxima matança?
A.P.