“O Direito Penal está chegando ao andar de cima, agora que juízes corajosos rompem esse pacto [oligárquico]. Há então um surto de garantismo mal travestido de bem”, disse, na quarta-feira, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, durante o julgamento da constitucionalidade da chamada “condução coercitiva”.
A condução coercitiva é prevista pelos artigos 201, 218, 260 e 278 do Código de Processo Penal, pelo artigo 80 da Lei 9.099/1995 e até pelo artigo 187 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Barroso apontou, corretamente, que o móvel da campanha contra a condução coercitiva – isto é, contra a possibilidade de um juiz decidir a condução de um investigado, que se recusa a prestar depoimento, para testemunhar – é o fato de que esse recurso passou a atingir os mais ricos.
“Eu aplico a todos, ricos e pobres, o mesmo direito penal”, disse Barroso na quarta-feira. “Não trato os pobres como se fossem invisíveis e os ricos como se fossem imunes. Nem viro os olhos para outro lado se o réu for poderoso”.
E continuou:
“Num país que sempre cultivou cultura de desigualdade, na qual existem superiores e inferiores, essa divisão entre os que estão ao alcance da lei e acima da lei, essa postura igualitária que diversos de nós tentamos implantar aqui, provoca choro e ranger de dentes, mas acho que a velha ordem precisa ser empurrada para a margem da história – e é nosso papel empurrá-la.
“Aqui é preciso fazer um esclarecimento: o Estado que pune um empresário que ganha licitação porque pagou propina não é Estado policial, é Estado de Justiça.”
E frisou:
“O Estado que pune o agente que pagou propina, que pune o dirigente de instituição financeira que quer vantagem indevida, não é um Estado policial, é Estado de justiça. O choro e o ranger de dentes são contra um direito mais igualitário, não contra o punitivismo. Não podemos participar do pacto oligárquico que defende essa gente.”
O julgamento é de uma ação do PT, pedindo que a condução coercitiva seja declarada incompatível com a Constituição Federal. A descoberta da inconstitucionalidade da condução coercitiva foi feita pelo PT após Lula ser levado para prestar depoimento, em 4 de março de 2016, pela Polícia Federal, na Operação Aletheia, que investigava o favorecimento das empreiteiras a ele, nos casos do Triplex e do Sítio de Atibaia.
Como resultado dessa operação, foi descoberto mais um caso de favorecimento: aquele do apartamento vizinho ao que Lula reside, comprado em nome de um primo de seu amigo José Carlos Bumlai, com dinheiro das propinas da Odebrecht.
Ao despachar favoravelmente o pedido do Ministério Público Federal sobre a condução coercitiva de Lula, o juiz Sérgio Moro, porém, estabeleceu uma ressalva: “Evidentemente, a utilização do mandado [de condução coercitiva] só será necessária caso o ex-presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para prestar depoimento na data das buscas e apreensões, não aceite o convite”.
A outra ação em julgamento na quarta-feira – a sessão prosseguiu na quinta – era de autoria da OAB, com fundamento diferente, e se referia apenas à fase de investigação criminal. No entanto, como observou Moro, “a condução coercitiva para tomada de depoimento é medida de cunho investigatório”.
Em 19 de dezembro passado, Gilmar Mendes proibira, em caráter liminar, a realização, no país, de qualquer condução coercitiva – suspendendo, portanto, sozinho, seis dispositivos legais ao mesmo tempo.
Na quarta-feira, como relator do julgamento, Mendes efetuou uma de suas costumeiras performances – nesse caso, contra a “condução coercitiva” em qualquer caso.
A “condução coercitiva” foi um dos instrumentos legais usados pela Operação Lava Jato em suas investigações. Houve, até agora, 227 mandados de coerção coercitiva emitidos pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba e 35 pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro.
O ministro Barroso seguiu, em seu voto, a linha do ministro Luís Edson Fachin, que ressaltou “que o Brasil tem sido marcado por um sistema de Justiça criminal notadamente injusto, vinculador de um tratamento desigual entre os cidadãos abastados e aqueles desprovidos de poder econômico e político”.
“Há rigor excessivo contra a parcela menos abastada da população e injustificada leniência quando poderosos estão a volta com práticas criminosas”, disse o ministro Fachin.
Fachin, Barroso, Alexandre de Moraes e Luiz Fux consideraram constitucional a condução coercitiva, se o investigado for intimado e se recusar a comparecer para depor – ou se o juiz avaliar que a condução coercitiva é mais adequada que a prisão temporária.
“O artigo 260 [do Código de Processo Penal], quer pela interpretação histórica, quer pela própria dicção, é constitucional”, disse o ministro Luiz Fux.
“As conduções coercitivas vêm sendo usadas por ordem judicial no curso de investigações criminais em delitos de última geração, praticados contra a administração pública, em que os meios tradicionais não estavam preparados para enfrentar.
“Quando se pretende violar a instrução penal, combinar versões que trazem malogro para a prova dos autos, estamos diante de um periculum in mora para o processo. Neste momento, entram em cena as medidas cautelares, que são medidas de preservação do resultado útil do processo civil ou do processo penal.”
E, respondendo aos que compararam a condução coercitiva com as prisões ilegais da ditadura e com a ação genocida dos nazistas, Fux, que é judeu, considerou:
“Parece-me anômalo se embasar em tragédias históricas como a ditadura e o holocausto para se impedir a investigação de crimes contra a administração pública. Essas barbáries não podem servir de base para impedir a condução coercitiva, que é levada a efeito contra crimes de colarinho branco”.
C.L.