
Interrogatório foi um mar de tergiversações, narrativas falsas e recuos na tentativa desesperada de evitar a condenação pelos flagrantes crimes contra a democracia
Jair Bolsonaro, em seu interrogatório ao Supremo Tribunal Federal (STF), hoje (10), afinou diante de Alexandre de Moraes quando o ministro-relator leu trecho de sua manifestação na reunião ministerial em julho de 2022 em que acusa o magistrado, sem provas, “de levar 50 milhões de dólares”.
“Fachin, não vou falar que está levando 30 milhões de dólares. Que o Barroso está levando 30 milhões de dólares. Que o Alexandre de Moraes está levando 50 milhões de dólares. Não vou falar isso aí. Não vou levar para esse lado, não tenho prova, pô. Mas algo esquisito está acontecendo”, disse, na ocasião, o então presidente.
No interrogatório, Moraes perguntou a Bolsonaro quais eram os indícios de que os ministros do STF teriam recebido essas quantias, ao que o ex-capitão, afinando, pediu desculpas pelo desvario, entre os muitos destilados pelo ex-mandatário naquele fatídico encontro.
“Não tenho indício, senhor ministro. Era uma reunião para não ser gravada, um desabafo, uma retórica que usei. Se fossem outros três ocupando, teria falado a mesma coisa. Me desculpe, não tinha essa intenção de acusar qualquer… Me desculpe, não tinha essa intenção de acusar qualquer desvio de conduta”, afirmou.
Jair Bolsonaro é réu pelas práticas de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, deterioração de patrimônio e organização criminosa armada. Ele integra o chamado núcleo crucial da trama golpista.
POSTURA NEGACIONISTA
Bolsonaro, mesmo confrontado com as informações prestadas à Corte pelo seu ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, manteve sua postura negacionista ao dizer que não conhece nem apresentou a minuta de um decreto prevendo a interrupção do processo democrático, o cancelamento da posse do presidente eleito e já diplomado, Luiz Inácio Lula da Silva, e a intervenção na Justiça Eleitoral.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, questionou o ex-presidente por mobilizar chefes militares em dezembro de 2022, após a derrota eleitoral, incluindo a presença de seu vice, Braga Netto, que já havia deixado o cargo de ministro, para respaldar o decreto golpista.
Bolsonaro, tergiversando, disse que a reunião foi convocada para “discutir hipóteses” e atribui decisão ao seu “temperamento” — na ocasião, segundo as investigações, houve conversa sobre alternativas para evitar o reconhecimento da vitória de Lula.
Buscando minimizar a gravidade dos fatos, disse apenas que, na ocasião, foram apresentados apenas “considerandos” em um telão no computador operado por Mauro Cid e que não se tratava de uma minuta de golpe, somente um documento sem cabeçalho.
Acrescentou que o assessor especial Filipi Martins foi “bater um papo” com ele, acompanhado de um padre, e nega ter recebido documento que esboçava uma tomada de poder com base no artigo 142 da Constituição. A entrega do texto a Bolsonaro foi delatada por Mauro Cid, que diz que estava presente na reunião e testemunhou o ocorrido.
Sobre o documento golpista apreendido em sua sala no Partido Liberal (PL), foi lacônico: “alguém pegou em algum lugar esse discurso aí”, jogando a responsabilidade a terceiros, sem nominá-los. O texto encontrado pela PF no seu gabinete na sede do partido esboçava discurso presidencial em caso de golpe.
RECONHECIMENTO DA RESISTÊNCIA DOS MILITARES AO GOLPE
O ex-presidente socorreu-se na narrativa de que, se tivesse realmente com a intenção de promover um golpe, teria trocado os comandos militares por militares alinhados ao seu objetivo, passando, claramente, a ideia de que estava enfrentando resistência por parte dos comandantes militares, principalmente o do Exército e da Aeronáutica.
Não por acaso, no relatório da Polícia Federal (PF), constavam fartas mensagens de Braga Netto, vice de Bolsonaro e seu fiel defensor, com ferozes ataques ao general Freire Gomes, do Exército, e ao brigadeiro Baptista Júnior, da Aeronáutica, no que foi corroborado por Mauro Cid em sua delação.
Em outro trecho de seu interrogatório, Bolsonaro diz que soube de planos para monitorar e assassinar Moraes e Lula pela imprensa. “Nem sei o que Braga Netto estava fazendo lá”, diz Bolsonaro sobre reunião com militares após a eleição.
No entanto, a investigação da PF e a denúncia oferecida pela PGR demonstram, de forma cabal, que o então presidente, depois de derrotado por Lula, praticamente, abandonou o governo e dedicou-se, exclusiva e doentiamente, à tarefa de construir uma saída para continuar no poder. Portanto, inverossímil a narrativa de que não tinha conhecimento dos passos de Braga Netto, seu parceiro de chapa na disputa eleitoral.
RECUO NOS ATAQUES AOS MINISTROS DO STF
Bolsonaro recuou também quando Gonet o questionou sobre os ataques contra ministros do STF em 7 de setembro.
“Ou o chefe desse Poder enquadra o seu [Poder], ou pode sofrer aquilo que não queremos”, declarou Bolsonaro na ocasião. Interrogado, o ex-presidente diz que todos conhecem “o seu temperamento explosivo” e diz que tem histórico de atritos a Luís Roberto Barroso, mas não fez “ameaça a nenhum Poder”, afinou, novamente o bravateiro.
Sobre o encontro com o hacker Walter Delgati, contratado pela a ex-deputada federal Carla Zambelli para fraudar o sistema eleitoral, limitou-se a dizer que “não entendo nada de informática, não senti confiança nele e nunca mais tive contato”. O general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, então ministro da Defesa, em interrogatório posterior ao de Bolsonaro, informou que o ex-presidente pediu para recebê-lo.
Moraes também esclareceu a Bolsonaro que o inquérito citado por ele em live não tem ‘nada a ver com urnas’. Em transmissão realizada em 29 de julho de 2021, presidente sustentou, levianamente, que a Polícia Federal apurava supostas vulnerabilidades nos dispositivos, mas, segundo o ministro, a investigação era sobre a invasão hacker ao banco de dados de servidores da Justiça Eleitoral.