
“Venda da BR Distribuidora e das refinarias da Petrobrás vai piorar ainda mais o descontrole do governo sobre os preços dos combustíveis”, alerta o professor da USP
Jair Bolsonaro usou as redes sociais no domingo (02) para fazer demagogia e jogar a culpa nos governadores pelos preços altos dos combustíveis. Como se o seu governo não tivesse nenhuma responsabilidade na manutenção da política de atrelamento incondicional dos preços internos dos combustíveis às oscilações dos preços internacionais do petróleo.
O professor Ildo Sauer, do Instituto de Energia da USP, e ex-diretor da Petrobrás, afirmou, em entrevista ao HP, que é inconcebível o governo federal querer enfrentar o problema da majoração dos preços da gasolina atacando o ICMS, como faz Bolsonaro.
Ou seja, “o governo quer reduzir os recursos já escassos de estados e municípios, prejudicando ainda mais a população, para manter intacto os ganhos dos grandes grupos privados que atuam no setor”, denuncia o professor.
“Bolsonaro diz que a redução do preço da gasolina na refinaria não está sendo repassado para o consumidor e põe a a culpa nos governadores”, diz Sauer. “Como se não fosse dele a responsabilidade pelo desmonte dos órgãos de controle dos abusos de preços praticados pelos grupos privados que atuam no comércio de combustíveis”, acrescenta. O professor destacou que “quando não repassam as quedas, esses grupos aumentam sua margem de lucro”.
DISTRIBUIÇÃO CARTELIZADA
“O postos não se sentem na obrigação de repassar reduções nos preços dos combustíveis nas refinarias. Cartelizados, e sem qualquer regulação, os distribuidores e postos ficarão cada vez mais à vontade para extorquir a população”, denunciou o ex-diretor da Petrobrás.
“Eles sempre elevam imediatamente os preços da gasolina quando há aumento nas refinarias e não abaixam seus preços, quando eles são reduzidos pela Petrobrás. Esta é uma grande reclamação dos usuários de automóveis em todo o país”, acrescentou Ildo.
“A venda da BR Distribuidora fará com que haja um domínio ainda maior do setor de distribuição de combustíveis por grupos monopolistas, liderados pela inglesa Shell/Cosan”, observou.
“Esse domínio monopolista de grandes grupos estrangeiros, dificultará que haja qualquer concorrência, ou qualquer atuação reguladora do Estado na distribuição, no sentido de garantir preços mais justos”, disse Sauer.
“E é exatamente Bolsonaro quem mais aplaude a ausência de qualquer controle governamental sobre os preços finais ao consumidor. Por ele não haveria nenhuma fiscalização de nada, em lugar algum dentro do país”, acrescenta o professor.
Se lixando para os orçamentos apertados dos estados, que dependem de sua principal fonte de recursos, que é o ICMS, para manter os serviços públicos essenciais à população, Bolsonaro preferiu fazer demagogia e acusar os governadores de não quererem “abrir mão” da arrecadação do imposto sobre o combustível.
Ou seja, está defendendo arrochar o povo para preservar os interesses desses grupos privados que, sem nenhum controle, aumentam suas margens praticando os preços que bem entendem, mesmo com quedas de preços nas refinarias.
A afronta aos estados e ao pacto federativo é a forma que Bolsonaro tem de fingir que está preocupado com preços, mas, na verdade, está advogando os interesses dos tubarões da gasolina.
O ataque de Jair Messias não é só contra os estados, ele quer prejudicar também os municípios brasileiros, afinal, cerca de 25% do ICMS que são arrecadados pelos estados são repassados aos municípios.
Do total dos recursos que compõem os orçamentos dos estados, 20% vêm do ICMS da gasolina. Reduzir o ICMS da gasolina trará grandes prejuízos à população que depende de serviços públicos.
“Hoje em dia o ICMS da gasolina, energia elétrica e telefonia corresponde a 50% de toda a arrecadação dos estados”, observou Ildo Sauer.
Do preço da gasolina, 29% vai para o ICMS. O governo federal arrecada outros 16% com a CIDE, o PIS e o Cofins. há ainda o custo da mistura de etanol, que é de cerca de 12%. O restante é dividido entre os acionistas da Petrobrás e os ganhos de distribuidores e postos. Abrir mão dos impostos federais para chantagear os governadores, como disse Bolsonaro na quarta-feira, mostra que ele também não tem compromisso nenhum com a Previdência, já que PIS e Confins compõem o orçamento da Previdência.
VENDA DAS REFINARIAS
“A situação vai piorar ainda mais com a venda das refinarias da Petrobrás, anunciada pelo governo”, advertiu Ildo Sauer. “As medidas colocadas em prática pelo governo Bolsonaro, ao contrário de atender os consumidores, como ele demagogicamente está apregoando, só beneficiam os grandes grupos econômicos, dos importadores aos grandes distribuidores de derivados”, prosseguiu.
Ele chamou a atenção pra o fato de que, com a venda das refinarias, “o setor de refino será controlado por poucos grupos privados estrangeiros. O refino de petróleo será altamente cartelizado”. “O Brasil não terá mais refinarias estatais e ficará a mercê dos interesses do cartel privado que se formará com a venda das refinarias públicas”, acrescentou o professor Sauer.
Para o ex-diretor da Petrobrás, a política de aproveitamento, pela estatal, das oportunidades de preços do mercado internacional só se justificaria se os ganhos obtidos por essa via fossem direcionados a fundos sociais para investimentos em educação pública, saúde pública, C&T, Meio Ambiente, etc.
“Não é nada disso o que ocorre hoje. Só quem está ganhando com essa política são os acionistas privados da Petrobrás, os importadores e os grandes grupos que monopolizam a distribuição e a venda dos combustíveis no país”, denunciou.
“Não é o povo, que, em última instância, é o dono do petróleo, e nem os usuários de automóveis que estão ganhando com essa política. Estes últimos, inclusive, pela falta de controle e de concorrência nos postos, só vêm o preço da gasolina subir”, acrescentou Ildo Sauer.
O pesquisador da USP argumentou também que, além de não destinar os ganhos para a população, uma política de preços como esta traz muita instabilidade para os consumidores.
DISPARADA DE PREÇO LEVOU À GREVE DOS CAMINHONEIROS
“Ela só seria admissível com a criação de um mecanismo de compensação que mantivesse os preços estáveis, mesmo com variações dos preços internacionais”, defendeu. “Isso seria necessário para que não houvesse a loucura da disparada dos preços que levou o caos na economia e à greve dos caminhoneiros de 2018, por exemplo”.
Ele disse que a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que incide sobre os combustíveis importados e também sobre a sua produção e comercialização interna, foi criada em 2001 para este fim. “A CIDE serviria de estabilizador para compensar as variações dos preços internacionais”, explicou.
“Não é o que está acontecendo hoje no Brasil, fruto da ação de lobistas de todos os tipos que embolsam boa parte dos ganhos com a comercialização dos combustíveis”, denunciou o professor, acrescentando que, dessa forma, “quem acaba sofrendo é a população em geral e os usuários de automóveis, em particular”.
Os ganhos que a diretoria entreguista da Petrobrás está auferindo com a atual política de preços, segundo o professor, estão sendo embolsados pelos acionistas privados. E boa parte dos dividendos recebidos pelo Tesouro estão sendo usados para alimentar a especulação financeira com papéis e a rolagem da divida pública.
“E agora ainda anunciam com estardalhaço que as empresas americanas estão se oferecendo para ‘ajudar’o governo brasileiro nos leilões dos campos de petróleo”, destacou Ildo Sauer, questionando, com ironia, se esta oferta “não seria o bandido de lá se oferecendo para ajudar os bandidos daqui”.
CARTA DOS GOVERNADORES
Os governadores também reagiram prontamente à demagogia de Bolsonaro e seu ataque à arrecadação de Estados e Municípios. Em carta assinada por 23 governadores dos estados e do Distrito Federal, eles criticam o presidente e pedem explicações sobre os ganhos do governo federal. Eles querem também a revisão da política de preços da Petrobrás. Além disso, os governadores repudiaram o fato de Bolsonaro usar as redes sociais par atacar as receitas dos estados e municípios.
“Os governadores dos Estados e do Distrito Federal têm enorme interesse em viabilizar a diminuição do preço dos combustíveis. No entanto, o debate acerca de medidas possíveis para o atingimento deste objetivo deve ser feito nos fóruns institucionais adequados e com os estudos técnicos apropriados”, diz um trecho da carta.
Os governadores argumentaram que, “segundo o pacto federativo constante da Constituição Federal, não cabe à esfera federal estabelecer tributação sobre consumo”. Eles argumentaram que, se fosse o caso de abrir mão de impostos, teriam que ser os federais, já que eles são uma tributação de consumo de combustíveis.
“Diante da forma como o tema foi lançado pelo Presidente da República, exclusivamente por intermédio de redes sociais, cumpre aos Governadores esclarecer que: o ICMS está previsto na Constituição Federal como a principal receita dos Estados para a manutenção de serviços essenciais à população, a exemplo de segurança, saúde e educação; o ICMS sobre combustíveis deriva da autonomia dos Estados na definição de alíquotas e responde por, em média, 20% do total da arrecadação deste imposto nas unidades da Federação. Lembramos que 25% do ICMS é repassado aos municípios”, diz um trecho da nota.
“O Governo Federal controla os preços nas refinarias e obtém dividendos com sua participação indireta no mercado de petróleo – motivo pelo qual se faz necessário que o governo federal explique e reveja a política de preços praticada pela Petrobrás; Os Estados defendem a realização de uma reforma tributária que beneficie a sociedade e respeite o pacto federativo. No âmbito da reforma tributária, o ICMS pode e deve ser debatido, a exemplo dos demais tributos; Nos últimos anos, a União vem ampliando sua participação frente aos Estados no total da arrecadação nacional de impostos e impondo novas despesas, comprimindo qualquer margem fiscal nos entes federativos”, acrescenta o documento.
“Os Governadores dos Estados e do Distrito Federal clamam por um debate responsável acerca do tema e reiteram a disponibilidade para, nos fóruns apropriados, debater e construir soluções”, conclui o manifesto dos governadores.
SÉRGIO CRUZ