Cileide Barbosa Mendes teve cargo fantasma no gabinete de Carlos Bolsonaro por 18 anos. Ela era doméstica da ex-mulher do presidente e laranja de empresas de seu marido
A entrevista de Bolsonaro, na porta de um hotel em Abu Dhabi, em que disse que conversava com Fabrício Queiroz sobre “demissões” nos gabinetes dos seus filhos, se não é esclarecedora, pelo menos é quase confessadora (desculpem, leitores, mas o sujeito é tão tosco, que só inventando alguma palavra tosca para descrevê-lo).
Disse ele que fazia isso “até estourar o problema” – ou seja, até Queiroz e Flávio Bolsonaro serem pegos, por suas suspeitíssimas movimentações financeiras, pelo Coaf e pelo Ministério Público.
Queiroz, em uma das gravações, referiu-se a uma funcionária, Cileide Barbosa Mendes, empregada doméstica da família Bolsonaro:
“Na época, o Jair falou para mim que ele ia exonerar a Cileide porque a reportagem estava indo direto lá na rua e para não vincular ela ao gabinete. Aí ele falou: ‘Vou ter que exonerar ela assim mesmo’. Ele exonerou e depois não arrumou nada para ela não? Ela continua na casa em Bento Ribeiro?”.
Disse Bolsonaro, agora, em Abu Dhabi, que disse a Queiroz que Cileide devia ser demitida “para exatamente evitar problemas“.
Que problemas?
Segundo Bolsonaro, “ela sabia que não ia continuar conosco porque, eu eleito, o Flávio eleito, o eleito viria para Brasília“.
Mas Cileide Barbosa Mendes não estava lotada no gabinete de Flávio Bolsonaro. Ela recebia pelo gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, que fica no Rio – e não havia notícia de que a Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro pretendia se mudar para Brasília.
Quem recebia pelo gabinete de Flávio Bolsonaro não era Cileide.
Quem recebia por lá era Fabrício Queiroz, o íntimo do chefe do Escritório do Crime, Adriano Magalhães da Nóbrega, assim como a mulher deste, Danielle da Nóbrega, e a mãe, Raimunda Magalhães (v. HP 24/04/2019, Bolsonaro e as milícias).
Bolsonaro percebeu que sua explicação tinha esse “problema”, acrescentando em seguida: “Se bem que ela estava no gabinete do Carlos“.
Esse “pequeno” problema não o abalou: “Mas é mudança normal, isso aí não tem nada para espantar“.
E foi em frente, como se tivesse proferido o mais límpido esclarecimento do mundo.
Cileide Barbosa Mendes, hoje com 43 anos, era empregada doméstica da família Bolsonaro e funcionária-fantasma no gabinete de Carlos Bolsonaro.
Cileide mora em uma casa pertencente a Jair Bolsonaro, em Bento Ribeiro, no Rio de Janeiro. Diários da Câmara Municipal registram que a remuneração dela era como assessora especial. O pagamento atual para esta função é de R$ 15.231.
Além disso, Cileide era usada como “laranja” por Ivan Ferreira Mendes, ex-marido de Ana Cristina Valle, por sua vez, ex-mulher de Bolsonaro.
Na década de 1990, Cileide foi empregada doméstica da ex-mulher de Bolsonaro e de Ivan – e assinava por empresas criadas pelo último. Também foi babá de um filho do casal.
Reportagem da Folha de S. Paulo revela que Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) manteve Cileide em seu gabinete por 18 anos. Cileide teve cargo no gabinete de Carlos, na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, de 2001 até o início deste ano de 2019.
Ela emprestou o nome para a criação de 3 empresas de telecomunicações de Ivan Mendes, enquanto recebia pelo gabinete de Carlos Bolsonaro. Os negócios foram abertos no endereço em que hoje está o escritório de Jair Bolsonaro.
Bolsonaro queixou-se de que “o pessoal quer pegar fantasma e rachadinha o tempo todo”.
“Ela desde 2000 estava no mesmo endereço. Não é fantasma. Sempre morou desde 2002, a casa é minha, está em meu nome. Ela mora embaixo e em cima era um escritório, um fundo de quintal, por assim dizer”, disse Bolsonaro em Abu Dhabi.
Realmente, ninguém acusou Cileide de não ser uma pessoa de carne e osso – nem a Carlos Bolsonaro de pagar a seres do além túmulo.
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