“Metade do Congresso Nacional é réu em alguma coisa”, disse ele ao falar de seu novo chefe da Casa Civil. “No momento é o que tenho para trabalhar”, afirmou, sobre Ciro Nogueira
O ex-governador e presidenciável do PDT, Ciro Gomes, tem dito, frequentemente, que quando era deputado federal, Jair Bolsonaro vivia dando pequenos golpes no erário, seja com rachadinhas, seja com o auxílio moradia ou mesmo com o vale combustível. Até gasolina era surrupiada. “Seu gabinete era ao lado do meu, todos sabiam que ele fazia essas coisas”, diz Ciro.
Deve ser por isso que Bolsonaro afirmou, nesta terça-feira (27), ao se referir ao seu novo ministro-chefe da Casa Civil, senador Ciro Nogueira (PP-PI) e um dos expoentes do “centrão” no Legislativo, que “metade do Congresso Nacional é réu em alguma coisa”. Esta é uma opinião típica de quem considera que todo mundo se comporta como ele. Ou seja, não pode ver uma verba pública que arranja um jeito de passar a mão.
Ele conseguiu esconder bem essa sua face dos eleitores brasileiros em 2018 fabricando a imagem falsa – que começa a cair – de “paladino da moralidade”.
As notícias recentes sobre as negociatas da Covaxin e da Davati/AstraZeneca, a definição de “um dólar por dose”, a antecipação – interceptada a tempo – de US$ 45 milhões que seriam depositados em um paraíso fiscal, mostram que os esquemas de Bolsonaro mudaram de patamar. Não por acaso o capitão cloroquina, assim que chegou ao poder, desativou os órgãos de fiscalização do Estado, a começar pelo Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), mudou a direção da Receita Federal, demitiu Moro e tentou aparelhar a Policia Federal.
Seu objetivo era esse. Mudar de patamar. Transformar “rachadinhas” e vale combustíveis em verdadeiras “crateras” nos cofres públicos. A corrupção bilionária na compra de vacinas pelo Ministério da Saúde é só uma pequena amostra dessa fase. Os bilhões do orçamento paralelo e os superfaturamentos em compras de tratores e outros insumos, conduzidos por integrantes de seu grupo, mostram bem como o esquema está se expandindo.
Ao falar dessa nova fase, nesta terça (27), Bolsonaro deu as diretrizes. Quem não for pego nas falcatruas segue sendo seu aliado. Quem for só réu, tudo bem. “Quem for condenado, sai do governo”, disse ele. E repetiu: “se cortasse relações com deputados e senadores que respondem a inquéritos, perderia metade do parlamento”. A ordem está dada, o toma-lá-dá-cá da base governista agora tem um chefe. Quem achava que o problema era só o centrão, está equivocado. A “máquina” bolsonarista está mostrando voracidade e muita disposição para os “negócios”.
As ofensas de Bolsonaro aos congressistas, portanto, não passam de uma justificativa para os convites de investigados para o seu governo. “No momento é o que tenho para trabalhar”, disse Bolsonaro, sobre o senador Ciro Nogueira. Ciro é investigado em três inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF). Em dois deles o Ministério Público Federal já ofereceu denúncia, mas ainda não foram aceitas pela Corte.
Bolsonaro sempre se cercou de figuras bem carimbadas – ou, em suas palavras, “cidadãos de bem” – do mundo do crime. Seu filho, “zero um”, o rei da rachadinha, o miliciano Fabrício Queiroz, caixa da primeira-dama, além do “amigão”, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), pego pela PF escondendo dinheiro roubado dentro das nádegas, que o digam.
Outro episódio que mostra bem as dificuldades dos bolsonaristas que ainda não acordaram e continuam acreditando na farsa moralista do “mito”, é o comportamento de Bolsonaro na escandalosa ampliação do fundão eleitoral.
Fingiu ser contrário à triplicação do valor do fundo, de R$ 1,7 bilhões para R$ 5,7 bilhões, atacou o vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM) como sendo o responsável pela manobra espúria e, ao mesmo tempo, fechou um acordão secreto para fixar o valor do fundo em R$ 4 bilhões. Ou seja, tudo jogo de cena. É compreensível. Ele disse recentemente: “eu quero um partido para chamar de meu”. Não foi por outro motivo que ele decidiu engordar o fundão.