A diretriz é não dispersar
Às vésperas de uma nova tentativa de “Reforma Sindical”, agora “aproveitando” o estrago da dupla Temer/Bolsonaro na legislação trabalhista e previdenciária, na estrutura sindical e no sistema de proteção ao trabalhador (Ministério do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho e Contribuição Sindical Compulsória), torna-se imprescindível uma discussão mais rigorosa sobre o significado da CLT, em particular do sistema de unicidade sindical e confederativo no Brasil.
Com esse objetivo, fiz breves observações sobre o livro de autoria do camarada Nivaldo Santana (Secretário Nacional Sindical do PCdoB) e da camarada Guiomar Prates, 100 anos dos Comunistas no Movimento Sindical.
O livro, num momento de virada conjuntural, em nossa opinião, subestima o protagonismo da legislação trabalhista e da organização sindical (unicidade, sistema confederativo e contribuição de toda a categoria) para o período de maior desenvolvimento do país, no fortalecimento do mercado interno. De 1930 a 1980, o PIB brasileiro foi o que mais cresceu no mundo. Na média, 7,5% ao ano.
A forte rede de proteção aos trabalhadores, construída nos governos trabalhistas de Getúlio, com uma revolução e um suicídio heroico que garantiu a posse dos seus sucessores, Juscelino Kubitschek e João Goulart, resistiu a 21 anos de ditadura e a três governos neoliberais.
No ascenso magnífico da classe operária, a partir do final da década de 70, que desembocou no desabamento da ditadura, não é possível subestimar o papel que cumpriu um fator subjetivo fundamental: a vitória na luta política e ideológica contra o trotskismo e as concepções de paralelismo e pluralismo sindical.
O fato é que as elites brasileiras, impregnadas de preconceitos, embasbacadas pelas modas norte-americanas e europeias, de tradição escravocrata, jamais engoliram nosso sistema trabalhista sindical. Assim, foi tecida, durante anos, uma ideologia “meia boca’’, antitrabalhista, para uma campanha quase permanente, através do cartel das comunicações, com financiamento estrangeiro (Anampos) e apoio dos últimos governos neoliberais e fascistas.
Os pilares dessa concepção idealista são o sindicato “livre”, a negociação “direta” entre trabalhadores e patrões, o negociado “acima do legislado”, a “autorregulação” das relações trabalhistas, sem a presença do Estado.
Pensamento correspondente, no terreno da economia, ao neoliberalismo.
Se já é ruim em países desenvolvidos, imperialistas, que extraem mais-valia extraordinária na periferia do mundo, o que se dirá para economias subordinadas aos cartéis estrangeiros financeiros e industriais que rapinam superlucros, como o Brasil. Nelas, é o Estado que pode ser uma barreira à ação dos monopólios.
A seguir, as observações ao texto do nosso Secretário. Espero que ajudem e nos possibilitem melhores condições de luta.
C.P
Caro camarada Nivaldo,
Permita-me algumas considerações sobre o livro Cem anos dos comunistas no movimento sindical, que acho muito importantes para o processo de integração dos camaradas que faziam parte do extinto PPL no Partido Comunista do Brasil.
Naturalmente, durante as últimas décadas, houve momentos em que estivemos mais próximos e momentos em que estivemos mais distantes, até celebrarmos nossa incorporação e a unificação da CGTB com a CTB. Por isso, não é fácil uma síntese ou uma descrição que abarque o conjunto dos fatos.
O objetivo desta carta é, precisamente, aumentar a nossa proximidade, contribuindo com o aprofundamento desta discussão por você suscitada, no sentido de aparar arestas que apareceram de maneira mais ou menos aguda, com a publicação do livro.
Creio não haver, ainda, amadurecimento para termos uma razoável unidade neste terreno, muito menos tivemos alguma discussão para a sistematização de um balanço científico, baseado na intervenção dos comunistas. E fizemos bem, porque esta é uma questão secundária. Porém, o mais importante não é minha opinião sobre isso.
Vejamos os problemas:
OS SINDICATOS NA REVOLUÇÃO DE 1930
1 – Não é claro, no livro, que os avanços do movimento sindical antes da revolução burguesa, nacional e democrática de 1930 eram acúmulos de quantidade. O movimento sindical brasileiro deu a virada, deu um salto de qualidade, com a Revolução de 30.
O livro, a esse respeito (pág. 98, subtítulo O movimento sindical e o Estado), considera que, “a partir de 1930, há um esforço das classes dominantes para dirigir o movimento sindical”. Cita a “criação do Ministério do Trabalho em 19 de março de 1930 [aliás, a primeira medida do governo revolucionário, observação minha], e a publicação do decreto 19.770” […], “que reconhece os sindicatos, mas, simultaneamente, impõe uma série de condições”, a saber: “para obterem reconhecimento, deviam enviar seus estatutos à aprovação do Ministério, acompanhado de uma relação de todos os sócios…”, ou que as assembleias deveriam “contar com a presença de um delegado do Ministério do Trabalho […]”.
A Revolução de 30 desenvolveu o capitalismo, industrializou o país, forjou uma classe operária consistente, fez a lei que fixou o mínimo de ⅔ de trabalhadores brasileiros nas empresas, o que garantiu o trabalho assalariado para os negros.
O desenvolvimento da indústria nacional foi assentado, como toda revolução digna desse nome, na construção de uma poderosa rede de proteção ao trabalhador, com:
A) Os direitos trabalhistas, reunidos, em 1943, na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), com a instituição da jornada máxima de 8 horas, o salário mínimo suficiente a uma família de 4 pessoas, que o Dieese calcula em R$ 6 mil, as férias, o descanso remunerado, a Previdência. Um país, em que durante 300 anos a classe trabalhadora era essencialmente escrava, passou a contar, em uma década de revolução, com uma das legislações trabalhistas mais avançadas do mundo.
B) A Justiça do Trabalho, com o caráter protetor explícito de sentinela do cumprimento da legislação trabalhista. Tendo previsto a figura do Juiz Classista, eleito pelos sindicatos, federações e confederações – aliás, o livro concilia com a lógica esquerdista e, como todo esquerdismo, com o discurso neoliberal que extinguiu o Juiz Classista – além da intervenção aberta do Estado, através do Ministério do Trabalho, com uma participação protagonista não só na elaboração de legislação trabalhista como na fiscalização dos auditores fiscais do trabalho, no “chão de fábrica”.
C) A unicidade sindical, o sistema confederativo, a contribuição sindical compulsória de um dia de trabalho para custeio da estrutura sindical e a estabilidade no emprego para o dirigente sindical, com a finalidade de defender o cumprimento dos direitos, mas, principalmente, de ampliar o legislado através da negociação coletiva, ou seja, que para além do legislado os acordos coletivos também tenham valor de lei, Data Base e Convenção Coletiva para toda categoria. O mais importante (ou seja, o que dá qualidade à estrutura sindical) é que ela é uma instituição representativa como o é uma prefeitura ou um conselho profissional, com todos os direitos e deveres que cabem a uma instituição de representação de todos os trabalhadores, com prestação de contas ao poder público, eleições limpas e defesa da categoria, e não uma ONG que representa apenas uma parte. O fato da criação de sindicatos ter sido estimulada e contado, em sua organização, com uma decisão estatal é próprio de um estado revolucionário.
Portanto, não me parece correto avaliar que a urgência dos revolucionários de 30 em criar o Ministério do Trabalho e publicar o decreto regulamentando os sindicatos tinham como objetivo submeter ideologicamente a classe operária. Ao contrário, considero que o objetivo principal era fortalecer o poder de compra dos trabalhadores e melhorar suas condições de vida. Ainda mais com a fragilidade do PCB na época, “que não tinha participado ou sequer apoiado a Revolução de 30 e encontrava-se, de certa forma, isolado” (pág. 95).
O ESTADO NOVO
2 – Na pág. 97, o livro diz: “Muitos militares, católicos, socialistas e liberais, desiludidos com o rumo do processo político” inciado em 1930, organizados na ANL (Aliança Nacional Libertadora), “com adesão de milhares de simpatizantes, em julho de 1935”, continuaram realizando comícios e fazendo campanhas contra o governo. Diz que “em agosto, a organização intensificou os preparativos para um movimento armado, com objetivo de instalar um governo popular”. Segundo o livro, “a fundação da ANL é inspirada no modelo das frentes populares, que surgiram na Europa para impedir o avanço do nazifascismo”.
Em minha convicção, o “Estado Novo”, período de 1937 a 1945, não tem nada a ver com o nazifascismo. Ao contrário, foi, no essencial, a repressão organizada à contrarrevolução comandada pela oligarquia cafeeira e pelo integralismo. Exatamente por isso, foi o período mais rico da Revolução de 30, de maior apoio e mobilização dos trabalhadores – os atos do 1º de Maio organizados pelos sindicatos no Estádio de São Januário reuniam dezenas de milhares de trabalhadores para ouvir o presidente Getúlio.
Na pág. 100 o livro lembra, inclusive, que “em 29 e 30 de agosto de 1943, aconteceu a 2ª Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil, conhecida como Conferência da Mantiqueira”. “A Conferência aprovou apoio incondicional a Vargas”. “Seus principais organizadores foram Maurício Grabois, Amarílio Vasconcelos, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Pedro Pomar, Mário Alves e Júlio Sérgio de Oliveira” (PCdoB: 90 anos em defesa do Brasil, da democracia e do socialismo, pág. 20). O livro faz referência ainda ao discurso de João Amazonas na comemoração do 7 de Setembro de 1945, com a presença de Getúlio: “Senhor presidente, esta é uma sincera manifestação que os trabalhadores prestam a Vossa Excelência, que tem sabido ficar ao lado do povo nos momentos mais difíceis, saberá agora atender os mais caros anseios do povo e dos trabalhadores do Brasil”. “Convocando a Assembleia Nacional Constituinte […] e a mais ampla liberdade sindical […], Vargas estendeu a mão e afirmou: ‘apertando sua mão, quero apertar a mão de todos os trabalhadores presentes’” (pág. 103).
Foi no 1º de Maio 1943 que Getúlio anunciou a CLT. Foi o período de maior desenvolvimento da cultura nacional e apoio aos artistas. Segundo o maestro Marcus Vinícius, “de 1937 a 1944, o governo Getúlio foi o principal amparo do projeto de educação do compositor Villa-Lobos que levou às escolas públicas brasileiras o conhecimento do repertório brasileiro das obras musicais da nossa tradição popular”. Suspendeu o pagamento de juros e amortizações da dívida externa. Foi quando promoveu o maior desenvolvimento da indústria de base e iniciou a construção da CSN. Foi o período que Getúlio comandou a nação brasileira na guerra contra o nazismo.
O golpe que destituiu Vargas, em 1945, foi um tremendo retrocesso para a revolução em curso. Para quem considera que o caráter mais profundo da revolução brasileira é a questão nacional, é fácil concluir que o “Estado Novo” foi um avanço e o golpe de 1945 foi um atraso de vida. O governo Dutra, além de não fazer quase nada, o que foi o lado mais positivo do seu governo, pois não mexeu com a FNM, com a siderúrgica de Volta Redonda e a Cia Vale do Rio Doce, foi a mais completa submissão ao imperialismo norte-americano. Seu governo significou violenta repressão aos trabalhadores e arrocho salarial: não fez um único reajuste no salário mínimo e a inflação comeu 60% do seu valor real. Desperdiçou as reservas acumuladas durante a guerra, promovendo o importacionismo desvairado e até o pagamento antecipado de dívidas. Só estancado com a volta de Getúlio nos braços do povo nas eleições de 1950.
O CGT
3 – O livro não faz menção à formação do CGT, Comando Geral dos Trabalhadores, em 1962. O que diz é que “a ideia da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (dissolvida em 1955) foi revivida em 1962, quando veio a ser criado o Comando Geral dos Trabalhadores, união dos comunistas com os trabalhistas do PTB” (pág. 106).
Clodesmidt Riani, petebista, eletricitário, presidente da CNTI, como presidente do Comando, unificou as confederações, federações e sindicatos e comandou os trabalhadores em apoio às Reformas de Base, em plena crise revolucionária pela retomada do desenvolvimento nacional, interrompido com o martírio de Getúlio, em 1954.
O CGT organizou a greve geral vitoriosa pelo 13º salário, o comício do 13 de março, entre outras façanhas. A unificação com base na estrutura sindical foi um salto de qualidade que revolucionou a organização dos trabalhadores e fortaleceu a unicidade sindical. A maior resistência ao golpe veio das entidades sindicais. Em 1964, foram 456 intervenções e 358 em 1965.
METALÚRGICOS DE SÃO PAULO
4 – Pág. 170: “O rompimento com as oposições (sindicais) se deu durante as eleições do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, realizadas em 1981. Militantes comunistas lançaram chapa própria, encabeçada por Aurélio Peres. No primeiro turno ela ficaria em 3º lugar, atrás da chapa apoiada pelo PT. No segundo turno, a aliança das duas chapas de oposição não foi suficiente para vencer a chapa de Joaquinzão, que ocupava a presidência do sindicato como interventor por muitos anos, sendo o símbolo do peleguismo”.
A vitória da Chapa 1 nas eleições do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, maior e mais importante sindicato do país, por uma diferença mínima de votos, acelerou a transição da estrutura sindical para a oposição ao regime e consolidou a derrota ideológica do esquerdismo e do paralelismo no movimento operário. Eram três as chapas: a Chapa 1, aliança do Joaquinzão – principal liderança dos dirigentes sindicais que transitavam para a oposição ao regime – com o PCB e o MR8; a Chapa 2, aliança de trotskistas e Igreja, que pregavam o “sindicato paralelo”, fora da estrutura, e a Chapa 3, presidida pelo metalúrgico, dirigente do PCdoB, companheiro Aurélio Peres.
A virada da conjuntura, iniciada em 1978, abriu a discussão sobre o aspecto principal da tática: integrar os sindicatos, até então amortecidos pela repressão e por 13 anos de ditadura, nas greves espontâneas contra o arrocho, elevando à luta política contra a ditadura, pelas liberdades democráticas, em especial, pela anistia.
A direção do golpe principal era isolar o “paralelismo sindical” das tendências trotskistas em aliança com os círculos católicos.
A batalha decisiva foi a eleição nos metalúrgicos de São Paulo, principal categoria operária do país. A influência das correntes paralelistas se concentravam nos metalúrgicos de SP e já havia levado a categoria a uma aventura grevista em 1979, que além da derrota econômica, custou a vida de Santos Dias, metalúrgico da corrente católica, assassinado pela repressão. A greve acabou esvaziada, com o isolamento desta corrente no movimento sindical.
A história por vir de Joaquim dos Santos Andrade, a partir de 1978, é autoexplicativa. Transformou o sindicato numa máquina eficiente de combate e apoio ao trabalhador, exemplo para o movimento sindical; integrou o movimento sindical na luta pela anistia; comandou a solidariedade a São Bernardo, em São Paulo; foi, com Lula, José Francisco, da CONTAG, Hugo Peres, da Federação dos Eletricitários, as unidades sindicais do Rio e de SP, um dos principais pilares da CONCLAT; colocou a estrutura do sindicato na fundação da CGT; foi o principal dirigente da greve geral de 21 de julho de 1983 (a capa da revista Veja foi “A greve a la Joaquizão”). Visitei Joaquinzão, aposentado, e doente, em sua casa de operário ferramenteiro da Matarazzo, na Penha.
METALÚRGICOS DE SÃO BERNARDO
5 – João Batista Lemos, dirigente do PCdoB, uma das principais lideranças da greve de 1980, dos metalúrgicos de São Bernardo, considerou a decisão de concorrer separado da direção do sindicato “equivocada”. Segundo Batista, “os dirigentes comunistas que se envolveram naquela eleição fizeram autocrítica de sua posição abertamente oposicionista”. Para Batista, ela isolou o partido de setores importantes das massas operárias mais avançadas. ‘O momento era de unidade da luta metalúrgica’”.
Segundo relata o livro na pág. 170, “antes do processo eleitoral, militantes do PCdoB e outras organizações de esquerda clandestinas lançaram documento defendendo uma chapa unitária a partir das fábricas […]. O grupo que compunha a diretoria cassada, liderado por Lula, montou uma chapa excluindo os demais”.
Eu, que me envolvi bastante com a formação da chapa e com a campanha, considero heroica e motivo de orgulho a Chapa 2 em São Benardo, que não se submeteu à arrogância petista, à ingratidão e ao anticomunismo.
Em São Bernardo a coisa não era muito diferente de São Paulo. Assim como em São Paulo, a direção política do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernado expressava a aliança entre os dirigentes sindicais em trânsito para oposição à ditadura e os comunistas. Lula foi eleito presidente do sindicato, por indicação de Paulo Vidal (então presidente), em 1975, que, por sua vez, havia sucedido Afonso da Cruz, presidente indicado pelos interventores governamentais, de 1965 a 1969. Na greve de 1980, embaixo da liderança incontestável de Lula, estavam Alemão, da Villares, membro do Comitê Central do MR8, Batista, da Volks, membro do Comitê Central do PCdoB, e Osmarzinho, da Unidade Comunista.
Contrastando com Joaquim dos Santos Andrade, que levou à frente a unidade com os comunistas – em 1984, ampliou a aliança com o PCdoB, através dos companheiros Vital Nolasco e Neleu, que, por sinal, o livro não menciona –, Lula decidiu romper essa unidade nas eleições do sindicato e excluiu as lideranças comunistas da sua chapa.
A retomada do Estádio da Vila Euclides no 1º de Maio de 1980 por 100 mil trabalhadores foi uma espetacular vitória dos metalúrgicos em greve. O livro não menciona um fato interessante: com a diretoria e as principais lideranças presas, a orientação do sindicato de São Bernardo foi para que os metalúrgicos se reunissem nos bairros. Mas o povo acorreu de forma irresistível para o Paço Municipal, convocados inclusive pela Unidade Sindical de São Paulo, por matéria paga na imprensa.
CONCLAT
6 – “A escolha da comissão Pró-CUT foi tumultuada, mas afinal prevaleceu a unidade” (pág. 187).
Na minha opinião, não! O veto ao Joaquim à comissão Pró-CUT, presidente do maior sindicato da América Latina, corresponsável pela convocação da CONCLAT, esvaziou a comissão. Ao excluir os metalúrgicos de São Paulo e o Joaquinzão, principal liderança da grande maioria do movimento sindical, que tinha a unicidade como princípio, emascularam a comissão, que ficou sem capacidade para o que quer que seja, a não ser tirar notas “unitárias”, numa conjuntura revolucionária.
A Anampos (Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais) articulação das entidades petistas, financiada pelos “institutos” europeus e americanos, nasceu para defender o pluralismo sindical. A importação do modelo de pluralismo sindical, estranho às tradições brasileiras, promoveu a cizânia dos trabalhadores brasileiros, num momento decisivo da luta contra a ditadura, que exigia a mais plena unidade.
O grupo petista/pluralista era na CONCLAT comprovadamente minoritário, conforme relata o livro. “Na comissão que discutiu sindicalismo o interesse foi tanto que mais de mil delegados participaram […]” e “entre apupos, enterrou bem fundo a tese do pluralismo sindical e da divisão dos trabalhadores” (pág. 186). O representante da Confederação francesa foi vaiado pela maioria dos delegados por defender o pluralismo sindical e afirmar que a unidade é possível quando se respeita a pluralidade. A Anampos defendeu a Convenção 87 da OIT, sem vinculá-la ao pluralismo. Já a União Nacional dos Trabalhadores de Angola foi efusivamente aplaudida […] ao atacar o pluralismo. A resolução final critica sem rodeios a ideia de divisão dos trabalhadores” (pág. 186).
Apesar do esforço da maioria dos delegados, a CONCLAT acabou mais estreita que começou.
O movimento sindical seguia em ascenso. Joaquinzão completou a virada que havia iniciado com a vitória nas eleições dos metalúrgicos de SP, em 1981, ampliando a participação das federações e da CNTI. Metade das confederações e as federações de São Paulo se integram no movimento de unidade sindical, tomam a iniciativa, promovem uma significativa passeata pelo centro velho de SP contra o decreto-arrocho 2045 e convocam a greve geral do dia 21 de julho de 1983, que reunifica o movimento. Realizam o II CONCLAT, ainda em 1983 e, em 1986, o Congresso de fundação da CGT.
As organizações sindicais aglutinadas em torno da Anampos tentaram dividir o movimento antecipando a greve. Para eles, deu tudo errado. Se isolaram e aderiram ao 21 de julho.
II CONCLAT
7 – “Após não ter êxito na reunificação da Pró-CUT, os comunistas participam do CONCLAT realizado na Praia Grande, em novembro de 1983, com 4.248 delegados e 1.256 entidades sindicais. Os comunistas defenderam com outras forças que ainda se buscasse a unidade. [Evidentemente se juntaram nessa posição os que acreditavam poder sensibilizar a CUT e os que não queriam central alguma, nota minha]. Essa visão foi em parte vencedora, na medida em que o encontro não fundou uma central, como ocorreu em São Bernardo”.
As condições para fundar a CGT já estavam dadas em 1983. As ilusões na “social democracia brasileira” desarmaram o campo da unicidade sindical por três anos.
PLANO CRUZADO
8 – “No dia 25 de fevereiro de 1986, o governo anuncia uma nova moeda e decreta o congelamento de preços, salários e câmbio […]. O Plano Cruzado é uma tentativa de enfrentar a inflação, que no ano anterior chegou a 350% […]. Para garantir o congelamento, o presidente conclama à guerra contra a inflação e o povo a fiscalizar e denunciar quem descumprisse o congelamento de preços. Surgiram os ficais do Sarney […]. A inflação cedeu, o poder de compra aumentou. Mas alguns meses depois os produtos começaram a faltar […]. O governo lança o Plano Cruzado 2, liberando os preços de produtos e tarifas públicas […]. As mercadorias reaparecem, mas com elas volta a inflação. A expressão ‘estelionato eleitoral’ surge quando a população percebe que o problema foi adiado para depois das eleições […]”.
O Plano Cruzado foi muito mais que isso. Estava sob o comando de Dilson Funaro, a principal liderança da burguesia nacionalista. A equipe econômica era o pessoal da UNICAMP, o melhor do pensamento nacional desenvolvimentista que temos até hoje. Um brilhante Programa Nacional de Desenvolvimento, alinhavado pelo ministro do Planejamento João Sayad.
O Plano tinha como pressuposto aumentar o poder de compra dos trabalhadores, e apoiado na mobilização do povo para garantir o congelamento. Rompe com a tutela do FMI. Dá início à retomada acelerada do crescimento econômico – que foi de 8,3% em 1985, a melhoria dos níveis salariais e de emprego – que levaram a um crescimento de mais de 15% da massa salarial (Na Era do Cruzado, Nilson Araújo, pág. 13). Apesar de todas as providências, não foi atacado em tempo hábil o inimigo principal: a sangria de recursos via dívidas externa e pública, que entravavam o Estado a cumprir seu papel de alavanca do desenvolvimento. Perdemos a oportunidade de retomar o desenvolvimento nacional interrompido pelo golpe de 1964. O que nos custou mais de 30 anos de subdesenvolvimento.
CONGRESSO DA MULHER TRABALHADORA
9 – “O I Congresso da Mulher Trabalhadora aconteceu de 17 a 19 e janeiro de 1986, em São Paulo, no Palácio de Convenções do Anhembi e marcou a retomada da mobilização das trabalhadoras brasileiras. Reuniu 4.126 delegadas, representando 714 entidades”. […] “O Congresso foi um marco histórico, aprovou uma Declaração de princípios que sintetiza as principais reivindicações da mulher trabalhadora” (pág. 205).
Faltou o livro dizer que o Congresso foi gestado, bancado e organizado dentro e pelo Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, com supervisão cotidiana do presidente Rogério Magri e apoio irrestrito de Joaquim, que indicaram a secretária executiva, Marina, dos eletricitários, a companheira Gonçala, dos telefônicos, e, como coordenadoras, Maria Pimentel, da Federação dos Gráficos de SP e Mariazinha, dos metalúrgicos de SP. Segundo o livro, “o encontro contou com articulação ativa de uma destacada liderança comunista, a metalúrgica Lúcia Poço” (pág. 204). Faltou também dizer que contou com a articulação tão ou mais ativa de companheiras de outras organizações comunistas com funções executivas: em São Paulo, do Sindicato dos Metalúrgicos, Nair Goulart e Cida Malavazzi e, no Rio, do Sindicato das Indústrias Urbanas, Sônia Latgé, e Conceição Cassano, do Sindicato das Nutricionistas.
CGT
10 – “A CGT, criada em março de 1986, é resultado de uma ampla composição política, desde a direita, passando pelos pelegos e reformistas, até setores combativos. Pressionada pelos setores classistas, vê-se obrigada a participar de atividades e mobilizações e a desenvolver ações em aliança com a CUT” (pág. 222).
Já a CUT, “que até então desenvolvia uma prática sectária e exclusivista, começa a compreender a necessidade de ações unitárias com outros setores do movimento, para contrapor-se à política conservadora e de direita implementada a partir do núcleo de poder” (págs. 221/222).
Seguindo as considerações na pág. 223: “De um lado estavam os sindicalistas ligados ao PCdoB, principalmente, e identificados com posições progressistas, e de outro, os setores vinculados a Magri e Medeiros. Nesse confronto, significativo número de conservadores vinculados a Joaquim dos Santos Andrade, presidente da Central. E reformistas ligados ao PCB e ao MR8, na prática, contribuíram para o fortalecimento do sindicalismo de resultados” (pág. 223).
Em 1º lugar, na minha opinião, essas afirmações demonstram que a luta principal, na época dentro da CGT, era – e hoje, portanto, continua sendo – superar as ilusões com o petismo. Superar a confusão entre esquerdismo e combatividade. Superar a pouca autoestima, a tendência a achar que o centro dinâmico do movimento sindical está sempre na CUT.
Em 2º lugar, Joaquim, Medeiros e Magri (e a bandeira do sindicalismo de resultados), o MR8, as unidades sindicais estaduais, as confederações e as federações, incluindo o PCB, tiveram papel destacado durante quase toda a década de 80, tanto na CONCLAT, como na greve geral do 21 de julho de 1983; na vitória do Colégio Eleitoral com Tancredo em 1985 (que a CUT e o PT foram contra participar), em 1986; no apoio ao congelamento dos preços (CUT e PT não apoiaram); na organização do 1º Congresso da Mulher Trabalhadora, com mais de 4 mil delegadas, que antecedeu a convocação do Congresso de fundação da CGT; na Constituinte de 1988 (que o PT se recusou a assinar); e na significativa vitória nas eleições dos metalúrgicos de SP, em 1987, quando Medeiros assumiu a presidência e Bira (membro do Comitê Central do MR8) a secretaria-geral, numa eleição que, como em 81, mais uma vez os metalúrgicos do PCdoB perderam as eleições ombreando com petistas. As críticas mais intensas (e injustas) a Joaquim, Medeiros, Magri e ao MR8 se referem exatamente ao período em que mais foram efetivos no combate à ditadura e ao divisionismo da CUT.
Em terceiro lugar, o fato é que a ditadura desabou, fizemos uma Constituição nacionalista, democrática, assegurando os principais direitos reivindicados pelos trabalhadores e a afirmação da unicidade sindical. Esta fatura estava liquidada.
MAGRI E MEDEIROS
11 – Observação minha: Infelizmente Magri e Medeiros não aguentaram a barra e resolveram mudar de lado. A queda do socialismo na União Soviética, o Consenso de Washington, a dianteira de Collor nas eleições presidenciais eram demais para eles. Um virou ministro, o outro , articulou sua própria Central. Mas, não devemos jogar a criança fora com a água suja. Conseguiram chegar até onde chegaram e, por experiência, sabemos que quando se começa a recuar, é difícil parar ou quanto maior a escada maior o tombo.
Mas quando foi inevitável, estávamos lá para o bom combate. Houve quem resistisse, fosse com chapa de oposição no sindicato dos metalúrgicos de SP, fosse assumindo a direção da greve da categoria na campanha salarial que antecedeu a eleição, fosse enfrentando as tentativas de “sedução” dos delegados no Congresso da CGT de 1989.
FSM
12 – “De 25 a 28 de março de 2000, a CSC participou do 14º Congresso da Federação Sindical Mundial (FSM), em Nova Deli (Índia) com os observadores João Batista Lemos […]” (pág. 320). Se o enredo é sobre a participação dos comunistas no movimento sindical internacional, não foram incluídas as participações do MR8/PPL em congressos da FSM, nem na OIT, nem na I Conferência Mundial da ONU sobre a Mulher de 95 em Beijing, em que a CGTB coordenou a delegação oficial da FSM, e nem outros fóruns mundiais.
A incorporação do PPL ao PCdoB foi total, inclusive do passado (especialmente dos sucessos). É importante que o que era experiência de um passe a ser de todos. Em 1989, ano do desfecho da crise do socialismo, Paulo Sabóia, dirigente do MR8, participou como observador no Congresso de Moscou. No XIII Congresso da FSM, na Síria, em 1994, Antônio Neto, então presidente da CGTB e simpatizante do MR8, foi eleito para a presidência e seu mandato foi renovado no Conselho Presidencial do Chipre, em 1995. A CGTB patrocinou no Brasil a 2ª Conferência das Américas e do Caribe, em preparação ao Congresso da FSM na Síria. Na OIT, a experiência também é vasta: a companheira Maria Pimentel, membro do Comitê Central do MR8, ganhou fama pela defesa dos países sob cerco do imperialismo, na Comissão de Normas.
EPÍLOGO
13 – Destaquei apenas as questões centrais que não estou em acordo. Outras tantas me esclareceram, além das que tenho concordância. Quanto às questões mais recentes, temos nossos coletivos para discussão.
CARLOS PEREIRA
Setembro de 2022