“Lula tem que se livrar das armadilhas ou ficará sem defesas diante de crise à vista. O crédito e os recursos do Estado podem ser direcionados não a financiar empresas privadas – mas a um grande programa de realização de objetivos nacionais”, assinalou Antônio Martins
Em artigo publicado nesta sexta-feira (3) em “Outras Palavras”, intitulado “A Síndrome de Estocolmo espreita o governo”, o editor do site, Antônio Martins, alerta para a tentativa do chamado mercado em chantagear e aprisionar o governo Lula. “O neoliberalismo é um tempo de crimes silenciosos”, adverte o autor. Ele afirma que o presidente Lula tem que se livrar dessas armadilhas ou ficará “sem defesas diante de crise à vista”.
“O neoliberalismo é um tempo de crimes silenciosos”, adverte o autor.
“A insistência do Banco Central em manter taxas de juros elevadíssimas está produzindo efeitos desastrosos. Os investimentos do setor privado estão na lona. Ninguém se dá ao trabalho e aos riscos de produzir quando pode, em vez disso, multiplicar seu capital às custas do Tesouro – e a um ritmo de 8,5% ao ano acima da inflação (maior que o crescimento do PIB chinês…)”, denuncia o articulista.
Ele lembrou que “o Conselho de Administração da Petrobrás decidiu na quarta-feira (1º/3) que nada sobrará, para a empresa ou a reconstrução nacional, do gigantesco lucro obtido em 2022, graças à exploração do petróleo brasileiro. Foram R$ 188,3 bilhões, duas vezes mais que o alcançado no mesmo ano por Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil, somados. Mas a fortuna será, mais uma vez, desviada”.
“Assim como faziam sob Bolsonaro, os conselheiros – nomeados em sua maioria pelo ex-presidente – decidiram distribuir, aos rentistas que possuem ações da empresa (em sua maioria privados e estrangeiros), os ganhos relativos ao quarto trimestre. Serão R$ 37,8 bilhões. O engenheiro Ildo Sauer nota: o dinheiro seria suficiente para construir uma refinaria capaz de processar 1 milhão de barris de petróleo por dia, gerar milhares de empregos e tornar o Brasil, de novo, autossuficiente na produção de combustíveis”, prossegue Martins.
“O dinheiro dos dividendos seria suficiente para construir uma refinaria capaz de processar 1 milhão de barris de petróleo por dia, gerar milhares de empregos e tornar o Brasil, de novo, autossuficiente na produção de combustíveis”
“Ao longo dos últimos doze meses, os acionistas-rentistas terão recebido R$ 215,8 bilhões. A soma permitiria multiplicar por vinte o orçamento do Minha Casa Minha em 2023; e por 21 o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia. Também equivale a 22 vezes todo investimento da própria Petrobrás ao longo do ano passado. Hoje, o Estado brasileiro oferece a cada três dias, aos especuladores que sugam a Petrobrás, tudo o que o ministro Sílvio Almeida poderá gastar em quatro anos para defender os Direitos Humanos e a Cidadania dos brasileiros”, denuncia o autor.
“Para piorar”, prossegue ele, “a quebra das Americanas espalhou pânico nos circuitos de crédito e tornou ainda mais penosa a rolagem das dívidas das empresas. Se não houver reviravolta, explica o economista Paulo Nogueira Baptista Jr., a expectativa é de que, na melhor das hipóteses, o ano termine com crescimento zero. Uma recessão não está descartada e teria consequências políticas nefastas”.
“Uma recessão não está descartada e teria consequências políticas nefastas”
Para Antônio Martins, “o Estado tem meios para agir – desde que supere a tendência a se acomodar aos limites institucionais e às chantagens do fisiologismo. Economistas como André Lara Resende e grandes conhecedores do Orçamento e das contas públicas, como a procuradora Élida Graziane, têm sugerido ao governo repensar as duas prioridades que está estabelecendo em sua pauta no Congresso”, defende o autor.
“A ‘reforma’ tributária em tramitação não avançará rumo à justiça fiscal, nem ampliará as receitas públicas. Por afetar interesses menores, é de difícil aprovação, tendendo a consumir capital político do Executivo. E o “novo arcabouço fiscal” em que trabalha o ministro Fernando Haddad é, por definição, uma lei que limita os gastos e a ação econômica do Estado – quando o necessário agora é expandi-los fortemente”, argumenta Martins.
“As crises têm, às vezes, o poder de despertar”
O autor afirma que “as crises têm, às vezes, o poder de despertar”. Ele lembra que “em 2008, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, respondeu ao derretimento dos mercados financeiros globais com um conjunto de estímulos à economia que se mostrou altamente eficaz”. “Ele deveria inspirar atitude semelhante agora, inclusive com correção dos erros da época. O crédito e os recursos do Estado poderiam ser direcionados não a financiar empresas privadas – mas a um grande programa de realização de objetivos nacionais”, assinalou.
Antônio Martins deu alguns exemplos de pontos de um programa de reconstrução nacional que poderiam nortear a atuação do governo na área econômica. Ele citou ações para universalizar o acesso à água e saneamento, para despoluir os rios urbanos e áreas costeiras, para iniciar a transição energética, para multiplicar o transporte público, garantir a excelência do SUS e reconstruir a escola pública. “Cada uma destas ações é capaz de gerar centenas de milhares de ocupações dignas, de todos os níveis; e de abrir, por tabela, um vastíssimo leque de oportunidades para investimento privado produtivo”, argumentou.
“Universalizar o acesso à água e saneamento, despoluir os rios urbanos e áreas costeiras, iniciar a transição energética, multiplicar o transporte público, garantir a excelência do SUS e reconstruir a escola pública. “Cada uma destas ações é capaz de gerar centenas de milhares de ocupações dignas, de todos os níveis; e de abrir, por tabela, um vastíssimo leque de oportunidades para investimento privado produtivo”
“Resgatar o Brasil da mediocridade a que se acostumou é tarefa muito árdua. Ninguém melhor que Lula – com sua imensa capacidade de politização didática e comunicação popular – para liderar esta virada. Ela exigirá mobilizar o que a sociedade tem de melhor. Mas requer um governo liberto da Síndrome de Estocolmo”, disse Antônio Martins, ao colocar no título de seu artigo que esta síndrome espreita o governo.
Fonte Outras Palavras