O pesquisador e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Carlos Nobre, afirmou na terça-feira (19), em entrevista ao site UOL, que o aumento no desmatamento revelado pelo INPE não se deve a ajustes da própria natureza, mas a ações humanas que encontram um “ambiente político favorável” este ano. Entre os fatores, ele menciona a grilagem de terras e o avanço da pecuária sobre a Amazônia.
Nobre também critica o garimpo — cuja legalização é defendida pelo governo Jair Bolsonaro (PSL). “Legal ou ilegal, garimpo é também um vetor de desmatamento”. O INPE afirma que o desmatamento anual na Amazônia, medido entre 1º de agosto de 2018 a 31 de julho de 2019, foi o maior para o período nos últimos dez anos e cresceu 29,5% em relação ao período anterior. “A estação seca na maior parte da Amazônia foi normal em 2019. Portanto o grande salto no número de queimadas e desmatamento não pode ser atribuído a questões climáticas”, diz o cientista à reportagem.
Ele afirma ainda que os números divulgados acendem um alerta em relação à “savanização” da floresta. Nobre e outros estudiosos defendem que o bioma está se aproximando de um “ponto sem retorno”, e que, caso o desmatamento ultrapasse de 20% de sua formação original, mais da metade da floresta pode se transformar em uma “savana degradada.”
“Os desmatamentos vêm aumentando desde 2015, com alguns altos e baixos. 2019, no entanto, marca um salto significativo. De agosto de 2018 até julho de 2019, quase 10 mil quilômetros quadrados [foram desmatados], quase 30% de aumento em relação aos 12 meses anteriores. Climaticamente, a estação seca na maior parte da Amazônia foi normal em 2019. Portanto o grande salto nas queimadas e no desmatamento não pode ser atribuído às questões climáticas. À guisa de explicação, o aumento do desmatamento se deve à tendência histórica de grilagem de terra e expansão da pecuária, fatores que encontraram um ambiente político bastante favorável neste ano, ainda que este ambiente já vinha se consolidando desde 2015”, explica.
Sobre os ataques do governo ao INPE e ao sistema de de prevenção de queimadas (Deter) do órgão o especialista rebateu. “Não há dúvida de que o sistema Deter é um excelente indicador das tendências de desmatamento quando se tomam médias de 3 meses ou superiores. Quanto aos totais anuais, o Deter captura entre 60% e 70% dos desmatamentos totais revelados pelo Prodes, este que tem entre 94 e 95% de margem de acerto. Entretanto, o Deter não foi feito para ser somente um previsor antecipado do Prodes. Seu objetivo primário é enviar diariamente aos órgãos de fiscalização informações de onde os desmatamentos estão ocorrendo, informações essenciais para ações de fiscalização que podem conter mais de 80% de desmatamentos ilegais, sendo que cerca de 40% são de pura grilarem de terras”.
Nobre ressaltou que apesar de estarem crescendo desde 2015, os desmatamentos aceleram em junho deste ano. “Os desmatamentos de fato começaram a explodir em junho deste ano, ainda que venham crescendo desde 2015 em ritmo bem mais lento do que neste ano. O Deter mostra uma altíssima taxa de desmatamento em agosto a outubro deste ano, sinalizando que as forças anacrônicas apoiando a expansão permanente da fronteira agrícola sentem-se empoderadas e sem temor de punição por cometerem crimes ambientais”, afirma o cientista.
Para Nobre, o garimpo, tanto legal como ilegal acelera o desmatamento. “Legal ou ilegal, garimpo é também um vetor de desmatamento. O garimpo ilegal de ouro é fonte de enorme poluição de rios por mercúrio, desagregação social, violência e crime. A história da mineração na Amazônia não traz exemplos de real desenvolvimento [com a prática do garimpo], com crescimento do bem-estar humano para a população como um todo”.
A Amazônia corre risco de savanização, diz o professor. “Os riscos da “savanização” de 50 a 60% da floresta Amazônica são reais e têm se intensificado nos últimos anos, comprovado pelas observações de que a estação seca está ficando mais longa, mais seca e mais quente. São todos sinais evidentes e extremamente preocupantes de que estamos na “beira do precipício” de “savanização” da floresta. No ritmo atual, entre 15 e 30 anos e teremos ultrapassado o ponto de não retorno e esse processo vai se tornar irreversível”, denuncia.
Para o cientista, as duas coisas agem em prejuízo da floresta. “Queimadas e desmatamentos estão correlacionados, ainda que numericamente o maior número de queimadas é para limpeza de pastos e de áreas agrícolas. Acontece que os satélites que detectam focos de incêndios detectaram este ano que a temperatura das chamas esteve mais alta do que em anos anteriores. Isto significa que o fogo tinha origem na queima da floresta derrubada mais do que nos anos anteriores, dado confirmado agora com os números do Prodes”, concluiu Carlos Nobre.