O médico sanitarista Eduardo Costa, professor da Fundação Oswaldo Cruz e ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro, no governo Leonel Brizola, afirmou em entrevista ao HP que o Brasil precisa intensificar a montagem de uma estrutura de serviços de saúde capaz de fazer frente à pandemia da Covid-19 que, somente nesta quinta-feira (23), provocou a morte de 407 pessoas, um número recorde de óbitos em 24 horas.
“Numa situação grave como esta, com um ministro da Saúde enfraquecido depois dos episódios envolvendo a saída de Henrique Mandetta, aumenta em muito a responsabilidade dos governos estaduais na condução das ações de combate ao vírus”, avalia Eduardo Costa.
“Será preciso uma maior coordenação e ajuda entre eles. É lá no estado onde serão feitos os atendimentos à população acometida pela doença e é onde também aparecerão os mortos da epidemia”, assinalou.
Segundo o especialista, “vindo da saúde privada, com experiência exclusiva em gestão de serviços deste setor, e, além disso, adotando uma postura bastante submissa em relação ao Planalto, o ministro terá muita dificuldade para atuar no enfrentamento efetivo dos graves problemas criados por um quadro tão complexo da saúde pública como este vivido pelo Brasil e o mundo”.
“Até agora não se vê uma movimentação importante do novo chefe da pasta. Na verdade, ele ainda não se moveu”, prosseguiu Eduardo Costa. “O ministro diz que adotará critérios técnicos para a condução dos trabalhos, mas o alinhamento às diretivas de Jair Bolsonaro, anunciado na posse, e o seu comportamento posterior apontam na direção de uma participação frágil e inexpressiva no combate à pandemia”, avalia Costa.
“O Brasil tem características diferentes dos países europeus, onde os focos surgiram localizados. Aqui foram vários os focos da infecção ocorrendo simultaneamente”, explicou o sanitarista.
Isso, segundo Eduardo Costa, pode explicar o dado divulgado nesta quinta-feira (23), pelo Observatório Covid-19, da Fundação Osvaldo Cruz, que reúne pesquisadores de várias universidades, de que o Brasil está dobrando o número de mortos mais rapidamente do que a Espanha, quando são comparados esses índices no 28º dia de pandemia.
No Brasil o número de mortes dobrou a cada 9,6 dias e na Espanha isso ocorria num intervalo de 12,3 dias no mesmo estágio da curva, mostrou o estudo.
“Além disto”, acrescentou Costa, ainda sobre as diferenças de características com os países europeus, “há as comunidades carentes no país onde o distanciamento social tem mais dificuldades para se concretizar”. “Esta é uma situação que tende a agravar a expansão da doença no Brasil”, assinalou o professor da Fiocruz.
Eduardo Costa destaca ainda que é numa hora grave como esta da pandemia que ficam mais evidentes as insuficiências do Sistema Único de Saúde provocadas pelas políticas neoliberais de Estado mínimo.
“Houve uma desestruturação dos serviços e uma desvalorização intensa dos servidores públicos do setor. O SUS que já não era um sistema com uma estruturação nacional, uma coordenação real das ações de saúde no conjunto do país, foi perdendo capacidade de atuação. Nem mesmo há uma carreira de estado de seus profissionais. O Ministério da Saúde, na realidade, tornou-se no SUS, apenas um órgão financiador das atividades”, denunciou. “Suas ‘orientações’ podiam ou não ser seguidas pelos entes executores da política de Saúde”, observou Costa.
“São duas as prioridades neste momento em que a epidemia ainda está em sua fase de aceleração no país”, apontou o sanitarista. “A primeira, como já dissemos, é a estruturação de leitos e de pessoas capacitadas a fazer o atendimento à população acometida da doença. Intensificar muito a criação de leitos de UTI. A outra é a testagem em massa da população para se poder atuar com mais informações e mais agilidade nas áreas de maior risco. É como se fossemos apagar incêndios localizados. Temos que fazer vigilância nas comunidades e agir conforme a necessidade”, afirmou.
“Com estes instrumentos poderíamos tomar medidas diferentes em determinadas regiões, com características específicas”, assinalou o ex-secretário de Saúde do Rio. “A referência que podemos seguir, em termos de medidas a serem tomadas, poderia ser, na medida do possível, o exemplo da Coreia do Sul”, destacou Costa. O país asiático conseguiu uma quarentena rigorosa acoplada a uma testagem massiva de sua população. “Todas essas medidas são necessárias para que o país possa apontar as estratégias de saída da quarentena”, assinalou o médico sanitarista.
Costa observou que há uma pressão natural da população pelo fim da quarentena, tanto por parte de quem pode suportar financeiramente essa situação, como pela parcela da população mais carente, como os autônomos e os trabalhadores informais.
Ele reforçou a necessidade de se pressionar o governo para que seja agilizada a liberação do apoio financeiro emergencial aprovado pelo Congresso Nacional.
Eduardo Costa chegou lembrar que o tempo médio que se suportou durante o isolamento na gripe espanhola, em 1918, foi de seis semanas. Naquela pandemia morreram cerca de 30 mil brasileiros e 50 milhões em todo o mundo.
SÉRGIO CRUZ