Reportagem do Fantástico da TV Globo veiculada no domingo (19) revelou como o acesso facilitado a CACs (colecionador, atirador e caçador) pelo governo de Jair Bolsonaro armou traficantes e garantiu porte ilegal a membros de clube de tiro.
A reportagem também mostrou como fuzis acabaram legalmente nas mãos de uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas do Brasil. E revelou ainda um esquema fraudulento que armou pessoas despreparada a ter porte de armas.
A atração dominical mostrou também a investigação que desarticulou uma das maiores quadrilhas de tráfico de drogas do Brasil, que pretendia enviar 350 kg de cocaína de navio para a Europa. O grupo era chefiado pelo ex-major da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul Sérgio Roberto de Carvalho, o major Carvalho, como é conhecido, preso na Hungria no ano passado.
Até ser detido, o major Carvalho, também chamado de Pablo Escobar brasileiro, enviou para a à Europa 50 toneladas de cocaína nos últimos 5 anos. Durante a interceptação, em 2021, em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, da droga que seria transportada para o continente europeu, a polícia identificou em poder de traficantes um farto arsenal de armas legalizadas.
“Chamou a atenção uma nota fiscal que nós encontramos da aquisição de um fuzil calibre 762. Essa arma foi comprada por um dos integrantes do grupo, o que tinha contato direto com o Major Carvalho, que era a liderança do grupo no Brasil”, conta Victor dos Santos Baptista, chefe da Delegacia de Repressão a Drogas da PF do estado. “Pelo menos cinco deles (traficantes) tinham várias armas registradas como CAC”, completa.
A droga, que seria transportada em um navio no Porto de Guarapari seria enviada para o Porto de Le Havre, na França. Com a quadrilha, a polícia encontrou 18 armas. Entre elas– um fuzil calibre 762 – que é capaz de atingir o alvo num raio de um quilômetro de distância, conforme o delegado.
Segundo a Polícia Civil que comandou as investigações na primeira etapa, além do fuzil, todo o armamento é de uso pesado, usado especialmente por unidades especializadas das Forças Armadas e das polícias Civil e Militar.
“Essa Operação Chapa Branca mostra claramente que traficantes de drogas estão tendo acesso a armas de guerra se passando por CAC”, afirma o superintendente da Polícia Federal do ES, Eugênio Ricas, que comandou a operação na segunda fase das investigações.
“Não estamos falando de pessoas que simplesmente frequentam clubes de tiros. Nós estamos falando de 17 armas apreendidas de traficantes internacionais de drogas e que tinham armas legais”, ressalta Rica. “Quase mil munições em posse desses traficantes”, reitera o delegado da Polícia Civil. Para o delegado da PF, “a legislação como tá, abre brecha para que criminosos […] tenham acesso a essas armas”.
Numa ponta o crime organizado e o acesso a armas de uso exclusivo das forças de segurança do Estado; na outra, os clubes de tiro que se espalharam pelo país graças ao afrouxamento da lei por parte do governo da morte de Jair Bolsonaro –e que jogam armas e munição nas mãos de traficantes.
Em Caruaru, no agreste pernambucano, o CTA Clube de Tiro, o maior do país, com 8 mil associados, é a chave para se tentar entender os caminhos que os criminosos percorrem para comprar armas e munição. Tendo como sócio o escrivão de polícia licenciado Diego de Almeida Soares, o estabelecimento atuou como um facilitador para espalhar armas nas mãos das quadrilhas. Além desse espaço, Diego também é proprietário do Shop do Atirador, loja que também funciona em Caruaru, e preside a Associação de Policiais Civis de Pernambuco.
O CTA – o maior do segmento no Brasil com 8 mil associados em todo o país, – artifício usado para facilitar que as pessoas possam circular armadas em qualquer parte do Brasil, também omitia do Exército informações sobre antecedentes criminais de candidatos a título de Colecionador, Atirador e Caçador, os CACs, conforme mostrou o Fantástico. Assim, qualquer indivíduo, independente do seu histórico criminal, poderia obter ali o documento que garante o direito a adquirir armamentos e munições.
O estabelecimento, que vendia pacotes de serviços –além do título de CAC – armas e treinamento e assistência jurídica, mantinha como armeiro (profissional especializado na manutenção de armas), uma pessoa que não tinha habilitação legal para exercer a função. O requisito é exigido pela legislação. Nos documentos emitidos pelo clube as assinaturas eram de outro armeiro.
“Havia ali um crime de falsidade ideológica. Havia ali também um crime por porte ilegal de arma de fogo”, diz o delegado da PF em Pernambuco Max Ribeiro. E no conserto (de armas) pelo fato da armaria não possuir um armeiro credenciado para atuar nessa atividade […] também incorre no crime que é equiparado ao comércio ilegal de armas de fogo”, completa o delegado.
Segundo ele, a “maciça” maioria dos títulos de CAC concedidos pelo clube em questão têm validade, uma vez que a maior parte das informações são “ideologicamente falsas, tanto para cadastro quanto para registro”.
As investigações da PF levaram ao fechamento do CTA Clube de Tiro e seu proprietário ficou presos por quatro meses. Diego de Almeida Soares é réu pelos processos de falsidade ideológica, documentos falsos e por comércio ilegal de armas de fogo. O policial licenciado planejava construir mais três clubes de tiros com a mesma “estrutura” do que já possuía, inclusive um para treinamento de tiros de fuzil.
Com o CTA Clube de Tiro a corporação realizou a maior apreensão de armas da sua história. O arsenal que foi armazenado em três contêineres da PF: 2.555 armas, 40 coletes e cerca de 690 mil munições.
A política armamentista de Bolsonaro possibilitou a Diego entra para o grupo de milionários. Segundo a PF, dos 390 mil em bens e contas bancárias, dinheiro obtido com a venda de armas e com o clube de tiros em 2018, ele alavancou seu patrimônio para R$ 60 milhões em 2021.