A OIT (Organização Internacional do Trabalho), criada em 1919, sofre uma tremenda crise de identidade. Parida no pós-revolução soviética (1917), foi constituída na sua esteira para ser uma baliza liberal à avalanche da luta por direitos trabalhistas que brotavam e floresciam por todo canto. Composta por governos, empresários e o sindicalismo, tem se esforçado para cumprir o papel de proteção aos trabalhadores, (embora não se tenha conhecimento de algum direito que os trabalhadores digam “esse aqui devemos à OIT”), temperado com a ingratidão de um anticomunismo enrustido.
O seu espírito é, desde a sua criação, o tripartismo, o estabelecimento “de consensos a serem alcançados através da negociação coletiva”, ou a busca permanente do entendimento, incessantemente perseguido e raramente alcançado.
O fato é que o espírito da OIT, nesta última Conferência (112ª), foi para o brejo. A iminente quebra da hegemonia norte-americana no cenário mundial instigou sua agressividade (a previsão de gastos para armamentos e bases militares é de 4 trilhões de dólares), tendo em vista a ascensão da aliança entre a China e a Rússia, que do ponto de vista objetivo vem se tornando um contraponto na geopolítica do planeta, com a criação dos BRICS (com pedido de adesão de 59 países na conferência de São Petersburgo), um sistema mais humano de financiamento.
Afinal de contas o mar não está para peixe. Os ianques concentraram gigantescos arsenais em torno da China. Na Ucrânia, provocaram e financiaram o fascismo, cujo resultado foi o golpe de 2014 que provocou o assassinato de milhares de integrantes da população russa do Donbass e, em 2022, a guerra entre Rússia e Ucrânia. Na Palestina, tentam naturalizar o genocídio em Gaza para manter o apoio e o financiamento dos crimes de Israel e o extermínio do povo palestino.
Essa fissura também se refletiu na cúpula da OIT. E, ao mesmo tempo que ampliou o espaço para a aspiração pela autodeterminação, gerou uma latente tensão, consequência da crise que se espalha, além do império norte-americano, pela Europa, o que, por sua vez, cria mais espaço para a unidade internacional do movimento sindical.
Com o fim da URSS, a OIT perde sua principal função de proteger os direitos e começa a eliminar convenções importantes para criar normas genéricas que atendem muito mais aos interesses dos EUA/União Europeia & Otan. Diversas Convenções que protegiam os direitos trabalhistas foram eliminadas e substituídas pelas hoje denominadas “10 Convenções Fundamentais”. Acabaram, por exemplo, com o Convênio que impedia o trabalho infantil e o substituíram por outro que impede apenas as “Piores Formas de Trabalho Infantil”, os quais, segundo eles, seriam aceitos por mais países.
Além disso, a OIT vem sendo instrumentalizada pelo imperialismo para pressionar os países e propor sanções às nações que não se submetem. Com algumas “convenções”, como a de “Liberdade Sindical”, “Direito de Sindicalização” ou “Trabalho Forçoso”, a Comissão de Normas tem sido o palco mais usado contra Cuba, contra o Iraque e a Venezuela após a tentativa de golpe contra Chávez em 2002; contra o Zimbábue para não devolverem as terras roubadas que eram parte dos acordos de paz; ou contra o Sudão cuja denúncia apresentada pela CSI (Confederação Sindical Internacional) estava baseada nos informes do Departamento de Estado dos EUA, mas o objetivo real era o petróleo.
No entanto, a OIT pode e deve ser, para os trabalhadores, um importante espaço de luta e de construção da unidade. Como ocorreu em 2002, quando a FSM (Federação Sindical Mundial) articulou de maneira ampla uma chapa com um representante da Federação de Sindicatos da China para o Conselho de Administração da OIT e consegue, pela 1ª vez, eleger seu vice-presidente Xu Xicheng.
O mais explícito exemplo da crise de identidade foi o debate em torno da proposta da cúpula da OIT de recomendar sanções econômicas à Bielorrússia, nação que ao lado da Rússia resiste ao cerco da Otan. O debate foi realizado na 112ª Reunião Genebra 2024, em 5 de junho de 2024.
Abaixo, trechos das intervenções dos delegados representantes do governo e dos trabalhadores da Bielorrússia contra as sanções econômicas ao país:
Governo da Bielorrússia
“O governo criticou severamente a resolução do artigo 33*, como uma punição por termos um rumo independente. As sanções ocidentais visam prejudicar não só as empresas de nosso país, mas também as pessoas, privando-as de trabalho, rendimentos, garantias sociais e, em última análise, criando tensão na sociedade.
Estou convencido de que a existência de uma resolução tão injusta com referência a um membro de pleno direito da OIT causa danos irreparáveis à autoridade desta Organização. Mostra claramente ao mundo inteiro que um determinado grupo de países tem a capacidade de manipular a posição da OIT à sua própria discrição.
O BKDP [entidade sindical ligada à CSI e à OIT com atividade na Bielorrússia] nunca representou qualquer força sindical significativa no nosso país. Sob sua bandeira, um punhado de políticos se uniram, recebendo convenientemente financiamento ocidental por meio de subvenções, seminários e viagens internacionais.”
Trabalhadores da Bielorrússia
“Falo em nome dos 15 Sindicatos da Indústria que formam a Federação dos Sindicatos da Bielorrússia (FTUB), que abrange quase 4 milhões de trabalhadores de nossa Federação em todos os setores da economia. A FTUB inclui 24.000 organizações sindicais de base que assinaram cerca de 18 mil acordos coletivos.
Uma carta aberta assinada pelos trabalhadores da Bielorrússia foi endereçada à OIT apelando para o fim da pressão sobre nosso país e sobre empregadores e trabalhadores da Bielorrússia. Mais de mil vídeos foram enviados onde as pessoas falam sobre a situação no país e, com muita honestidade, deram uma imagem clara de qual é a situação em nosso país. Infelizmente, até esta data, não obtivemos resposta da OIT. E foram os representantes desses países que arrastaram a OIT nesta situação em que trabalham contra os interesses dos trabalhadores de Bielorrússia.”
Sr. Xu, delegado dos trabalhadores chineses, em intervenção contra as sanções
“Caros delegados, os sindicatos chineses notaram que a Bielorrússia alcançou um progresso estável em áreas relevantes.
A FTUB é uma entidade legítima de organização que representa 4 milhões de trabalhadores de todos os setores do país e, como acabam de mencionar os delegados dos trabalhadores na Bielorrússia, têm mais de 24.000 organizações de base e celebraram mais de 18.000 acordos coletivos e o conteúdo foi colocado em prática o que mais importantes”.
Trechos da intervenção de Antonio de Lisboa, da CSI e da CUT (Central Única dos Trabalhadores) do Brasil, a favor das sanções
“A falta de resposta aos pedidos impede uma melhor compreensão dos fatos e indica, no mínimo, o desinteresse do Governo em demonstrar que cumpre os acordos desta Organização.
Responder às solicitações do Comitê de Peritos, para nós, é uma obrigação dos Estados democráticos comprometidos com os princípios e propósitos da OIT.
É também obrigação dos Estados garantir que a liberdade de associação, princípio fundamental desta Organização, seja garantida na lei e na prática de forma permanente.
Além disso, gostaria também de realçar a estreita relação entre os direitos civis e políticos, a liberdade de associação e a democracia.
Um Estado que não permite, garante ou defende o pleno exercício de tais direitos não pode ser considerado democrático. A democracia pressupõe divergência, valoriza as diferenças com vista a garantir os direitos fundamentais de todos. Somente nas ditaduras as pessoas são presas ou detidas por se oporem ao governo estabelecido.”
Governo da Federação Russa contra as sanções à Bielorrússia
“Compartilhamos plenamente a avaliação da situação aqui fornecida pelo Governo da Bielorrússia, face à sessão especial de hoje.
A posição russa com relação às medidas adotadas contra a Bielorrússia é bem conhecida. Isto é algo que dissemos repetidamente e que explicamos na 111ª Sessão da Conferência da OIT e em diversas reuniões do Conselho de Administração. Não tenho muito tempo agora, então vou apenas destacar os pontos principais.
Se olhamos a resolução da 111ª Sessão, o artigo 33 em relação à Bielorrússia, vemos que é algo muito discriminatório e politizado por sua natureza. Na verdade, num curto período de tempo, vemos que o Governo da Bielorrússia tem sido capaz de progredir e desenvolver a sua cooperação desde longa data, especialmente para dar efeito às recomendações da Comissão de Inquérito. As medidas tomadas pelo Governo têm sido repetidamente elogiadas por representantes da OIT ao longo dos anos, e a maioria das recomendações da Comissão de Inquérito, tal como as coisas estão hoje, já foi adotada. Assim sendo, a base para qualquer tipo de sanções a adotar de acordo com os termos do artigo 33 simplesmente não existe, pois o Governo se demonstrou disposto a ter uma interação construtiva com a OIT sobre as questões em pauta.
As alegações contra a Bielorrússia de que assedia representantes sindicais; que ataca a liberdade de associação e outros direitos, baseiam-se simplesmente nas informações do BKDP que é uma estrutura extinta por decisão do Supremo Tribunal da Bielorrússia. Não representa os trabalhadores da Bielorrússia.
Portanto, vemos agora que se tornou uma organização política que procura de fato operar de uma forma que é hostil aos interesses do país do Estado da Bielorrússia hoje.
Consideramos, portanto, que o que aconteceu em 2022 foi uma decisão puramente política e pretendia exercer pressão sobre o Governo da Bielorrússia como resultado de ação no país e eventos políticos lá.
Somos contra a politização do trabalho da OIT. Somos categoricamente contra isso
e somos, portanto, contra o plano de ação para dar execução à recomendação adotada
na 111ª Conferência, nos termos do artigo 33.
Em particular, se olharmos para a sessão especial de hoje e, na verdade, para a mesa redonda que teve lugar na semana passada, vimos mais uma vez que se trata simplesmente de uma tentativa de exercer pressão política sobre a Bielorrússia.
Por isso, rejeitamos categoricamente estas medidas anti-Bielorrússia que têm sido utilizadas como pretexto para esta sessão especial e apelamos à votação de qualquer decisão a tomar sobre esta matéria.”
*Artigo 33 da Constituição da OIT: Se um Estado-Membro não se conformar com as recomendações contidas eventualmente no relatório da Comissão de Inquérito ou na decisão da Corte Internacional de Justiça, no prazo prescrito, o Conselho de Administração poderá recomendar à Conferência a adoção de qualquer medida que lhe pareça conveniente para assegurar a execução das mesmas recomendações.
Fonte: Informe Internacional da Executiva da CTB, por Maria Pimentel
CARLOS PEREIRA