A CPI da Covid-19 ouve, nesta sexta-feira (18), os médicos Ricardo Ariel Zimerman e Francisco Eduardo Cardoso Alves. Eles defendem o chamado “tratamento” precoce para a Covid-19, ou seja, com o uso de cloroquina e outros medicamentos sem eficácia contra a Covid-19.
Zimerman foi convidado a partir de requerimentos dos senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Marcos Rogério (DEM-RO). Alves teve convite solicitado por Jorginho Mello (PL-SC), Ciro Nogueira (PP-PI) e Heinze. Esta demanda atendeu a interesses do Planalto e a narrativa negacionista contra vacinas e a favor de remédios comprovadamente ineficazes contra o vírus da Covid-19.
Estava também prevista para a reunião, a votação de ao menos 40 requerimentos de transferência de sigilo, convocação e pedidos de informação, mas a discussão e análise dos pedidos foi adiada pela mesa diretora da CPI.
MANUAL
Zimerman recebeu R$ 30 mil para produzir manual do “tratamento” precoce do Ministério da Saúde em novembro de 2020. Além do documento, que nunca foi publicado, ele está envolvido em outras “polêmicas” relacionadas ao currículo dele.
Foi revelado que Eduardo Pazuello encomendou manual do chamado “tratamento” precoce em novembro do ano passado, quando deveria estar em busca de vacinas contra a Covid-19.
O pedido foi feito à Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), pelo Ministério da Saúde, que escolheu o infectologista Ricardo Zimerman para fazer o tal material. Zimerman é bolsonarista, defensor do “kit Covid” (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina e outras drogas), e recebeu R$ 30 mil para produzir o documento.
Além do referido manual, que nunca foi divulgado, o portfólio do médico tem outras curiosidades.
Ele foi um dos responsáveis, com Flávio Cadegiani, pelo estudo da proxalutamida, bloqueador hormonal propagandeado como “nova cloroquina”.
RENAN, RANDOLFE E HUMBERTO COSTA DEIXAM REUNIÃO
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se recusou a fazer perguntas para os médicos infectologistas convidados para falar na comissão a favor da cloroquina e se retirou da reunião.
“Com todo respeito, mas eu me recuso a fazer qualquer pergunta aos depoentes. Não dá para continuar nesta situação. A CPI tem papel de dissuadir práticas criminosas, como essa do presidente da República”, disse, se referindo à transmissão na véspera feita por Jair Bolsonaro em sua conta no Facebook criticando vacinas contra o novo coronavírus.
“E ele continua a fazê-lo. Isso não pode continuar. Chegaremos sábado a meio milhão de mortes por Covid no Brasil. E ainda continuamos a ouvir esse tipo de irresponsabilidade. Precisamos dar um basta nisso tudo.”
Renan foi seguido pelo vice-presidente da comissão, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e por Humberto Costa (PT-PE).
CLOROQUINA
Nas declarações iniciais na CPI, o especialista em infectologia Francisco Eduardo Cardoso Alves disse que “sempre contribuiu” para governos brasileiros quando requisitado, independentemente da posição ideológica do ocupante do Palácio do Planalto.
“Quando se trata de ajudar o País e ajudar o povo brasileiro, não devemos jamais olhar para bandeiras políticas e, sim, fazer o que há de melhor para cumprir nossa missão”, afirmou.
Ele afirmou ainda que, no começo da pandemia, quando surgiram os primeiros estudos sobre o reposicionamento de fármacos para o tratamento da Covid-19, a cloroquina e a ‘prima’ dessa farmacológica, hidroxicloroquina, foram as que apresentaram melhor desempenho.
“Em medicina, a prática de utilizar fármacos homologados em tratamento para outras doenças se chama uso ‘off-label’, ou seja, fora da bula oficial. Em alguns casos o uso ‘off-label’ se torna tão benéfico que ele acaba sendo incorporado depois pelas agências”, disse o médico.
Ele disse que, ao contrário do que foi dito por pessoas “que se intitulam divulgadores, a ciência não é fruto de consenso”. “Isso não existe na ciência, em especial, na ciência de fronteira, que analisa o novo, o desconhecido. O dissenso, as diversas opiniões contrárias, os embates teóricos, são parte da essência da ciência, que nasce da observação.”
O médico também criticou o estudo realizado no Amazonas com cloroquina.
“O grupo de alta dosagem teve 40% de mortes (…) e, inacreditavelmente, foi aceito para publicação. Em comparação, os 14 ensaios clínicos randomizado sobre monoterapia com hidroxicloroquina não mostraram um caso sequer de arritmia fatal”, afirmou.
“MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS”
Na fala inicial na CPI, o infectologista Ricardo Ariel Zimerman defendeu a “medicina baseada em evidências”, que disse ser uma ferramenta “muito potente” que surgiu na década de 1980 no Canadá “como um novo paradigma de se encarar a ciência médica”.
“A medicina baseada em evidência não é tão simples quanto parece. Medicina baseada em evidências não é só ensaios clínicos, randomizados, duplo cego, controlados por placebo”, disse ele.
“Na verdade, esses estudos correspondem mais ou menos ao que seriam a Constituição [brasileira]: são extremamente robustos, mas eles têm um problema. Como esses estudos são difíceis de serem feitos, em geral, o número de pacientes arrolados é muito baixo e carecem de poder estatístico para mostrar diferença”, completou.
Ele afirmou que, por esse motivo, é preciso juntar esses ensaios para que sejam feitas meta-análises, que também teriam um grau elevado de evidências.
“Dizer que estudos observacionais não servem, quando bem corrigidos trazem a mesma resposta que os ensaios clínicos randomizados”, afirmou Zimerman, afirmando que em uma pandemia, quando se tem dificuldade em encontrar pacientes para estudos randomizados, os observacionais servem.
Mas se esquivou de mostrar a suposta serventia da cloroquina no combate à Covid-19.
M. V.
Com informações da Agência Senado