Além de ameaçar cortar a cabeça do ministro Alexandre de Moraes e colocá-la numa lata de lixo, Daniel Silveira foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, por 10 votos a 1, por atacar a Constituição e o Estado de Direito. “Decreto é inconstitucional e deverá ser reavaliado pela própria Corte”, diz professor de Direito Constitucional da UFF
A Rede entrou com uma ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), na manhã desta sexta-feira (22), no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar o perdão presidencial concedido por Jair Bolsonaro (PL) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado à prisão por ameaçar e incitar à violência contra ministros da Corte e atentar contra a Constituição e as instituições da República. O partido considerou a decisão de Bolsonaro um “atentado institucional”.
A Rede afirma que há “claro desvio de finalidade” na concessão do perdão ao deputado. “Ao exercer sua misericórdia com um dos seus mais fervorosos apoiadores, certamente o presidente da República não está munido pela bússola do interesse público, mas do seu mais vil e torpe interesse egoístico”, afirma a ação. A legenda ainda argumenta que Bolsonaro passa a incentivar ataques às instituições, “na certeza de que o presidente da República concederá o indulto ou a graça a todos os envolvidos no cenário de delinquência criminosa”.
“O Presidente da República, com a edição do decreto, transmite uma mensagem absolutamente temerária à população brasileira: trata-se de um verdadeiro e puro incentivo ao crime. Uma carta branca. Um salvo-conduto apriorístico. Uma garantia de impunidade. A certeza de que, do ponto de vista sistêmico, decisões judiciais que afetarem os seus círculos próximos não subsistirão”, diz o texto da ação.
O partido argumenta que o que está em jogo é um ataque à Constituição e ao Estado Democrático de Direito. “Admitir o contrário seria consentir com a possibilidade de líderes autoritários incitarem atos atentatórios contra as instituições, reconfortando-os com o prêmio da impunidade”, diz a ação.
“Como já se enunciou preambularmente, essa cláusula de garantia implícita do sistema é essencial, notadamente à luz das ameaças do Presidente de plantão ao pleito eleitoral deste ano. Admitir a graça constitucional em casos tais seria um incentivo adicional ao atentando institucional prometido veladamente pelo presidente às eleições deste exercício”, acrescentou a Rede.
O professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense, Gustavo Sampaio, argumentou que o presidente “não está usando seu poder discricionário na concessão do indulto, ao invocar o inciso 12 do artigo 84 da Constituição que rege as atribuições do Presidente da República, como ele alega no decreto”. O decreto, ao perdoar um crime de atentado contra a Constituição deverá, segundo o jurista, ser analisado pela própria Corte.
Segundo Conrado Gontijo, advogado criminalista e doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP), a medida tomada por Bolsonaro é “flagrantemente inconstitucional”.
“Trata-se de grave afronta ao Supremo Tribunal Federal, que, com absoluto acerto técnico, condenou Daniel Silveira pela prática de crimes graves. Ainda que o presidente da República tenha a prerrogativa de conceder graça, não pode fazê-lo de forma abusiva, deturpando a lógica que justificou a criação desse instituto. E, no caso concreto, o que se nota é Jair Bolsonaro, mais uma vez, atacando as instituições, atacando a democracia e tomando uma decisão manifestamente incompatível com o Estado de Direito”, afirmou.
No mesmo sentido foi impetrada ação pelo PDT. Segundo o partido, “constata-se o nítido desvio de finalidade na edição de um ato eminentemente autoritário, na medida em que questiona a decisão encaminhada por este Supremo Tribunal fora da ambiência dialógica do processo, que tem os meios recursais e processuais de insurgência próprios”.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos, que também é professor de Direito Constitucional, afirmou que “Bolsonaro sabe que o decreto é absolutamente inconstitucional. Não cabe indulto para anular processo que não transitou em julgado. Só quer mobilizar os minions e desviar a atenção do que ele é a incapaz de dar respostas: a fome, o desemprego, a inflação e a corrupção no governo dele”, disse.
Já a ação do senador Renan Calheiros, na mesma direção, é uma reclamação constitucional à Corte e pede a suspensão do decreto de Bolsonaro. Além disso, conforme explica o processo, a reclamação constitucional é distribuída ao relator da ação original — isto é, da condenação de Daniel Silveira. Neste caso, a ação movida pelo senador ficará com o ministro Alexandre de Moraes.
De acordo com o projeto, o indulto concedido usurpou da competência da Suprema Corte e não teria motivação real. “A finalidade simulada não é beneficiar o condenado agraciado, mas atacar o Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal e seus Ministros, outrossim o Estado Democrático de Direito e o próprio ideal de Direito e de Justiça.”
“Em conclusão, além da imoralidade que o Decreto representa, das ilegalidades e incompatibilidades com a Constituição da República contra os quais a concessão da graça se debate, reitera-se que aquela norma viola a competência precípua do Supremo Tribunal Federal e, também de maneira desrespeitosa, rasga e substitui a decisão condenatória contra o Deputado Federal Daniel Silveira, usurpando as atribuições da Corte de Cúpula do Poder Judiciário”, diz a ação.
O que a Rede e os senadores Randolfe Rodrigues e Renan Calheiros questionam a constitucionalidade de um ato do presidente que perdoa não apenas o crime de ameaçar com uma invasão do Supremo Tribunal Federal para “cortar a cabeça de Alexandre de Moraes e depositá-la numa lata de lixo”, crime previsto no artigo 344 do Código Penal Brasileiro como grave ameaça e violência com o fim de favorecer interesse próprio, bem como imputar ao parlamentar crime contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito.
Silveira foi condenado, na quarta-feira, a oito anos e nove meses de prisão por ameaças e incitação à violência contra ministros da Corte. O indulto, que foi dado menos de 24 horas após a sentença, funciona como um perdão ao crimes cometidos. Como foi protocolado nesta manhã, o ministro que será o relator do processo ainda não foi sorteado.