
Com a assinatura de um documento conjunto EUA-Coreia Popular de compromisso com a paz e desnuclearização da península coreana, declarações do líder Kim Jong Un e do presidente Donald Trump sobre uma “nova era” nas relações e anúncio, por Trump, de que os EUA “vão suspender os exercícios militares no sul”, encerrou-se nesta terça-feira (12) com enorme sucesso a histórica cúpula de Cingapura, que pode abrir caminho para a paz permanente na milenar Coreia e sua ansiada reunificação.
Conforme a agência de notícias Reuters, “tanto o governo sul-coreano quanto as forças dos EUA na região parecem ter sido surpreendidos pela suspensão de exercícios militares conjuntos feita por Trump”. A Reuters também caracterizou a suspensão dos exercícios militares como contrapartida ao compromisso de Kim de desnuclearização. Trump admitiu que os exercícios militares [que eram realizados duas vezes por ano há mais de meio século e ensaiavam ataque nuclear ao norte] eram “provocativos, inapropriados e muito caros”.
A concisa declaração conjunta EUA-Coreia Popular [ali citada pela sigla RPDC, República Popular Democrática da Coreia] afirma que Trump e Kim conduziram “uma troca de opiniões abrangente, profunda e sincera sobre as questões relacionadas ao estabelecimento de novas relações EUA-RPDC e a construção de um regime de paz duradouro e robusto na península coreana”.
Acrescenta que Trump “comprometeu-se a fornecer garantias de segurança à RPDC” e o líder Kim “reafirmou o seu firme compromisso em completar a desnuclearização da Península da Coreia”, e define quatro compromissos:
“1. Os Estados Unidos e a RPDC se comprometem a estabelecer novas relações EUA-RPDC de acordo com o desejo dos povos dos dois países pela paz e prosperidade.
- Os Estados Unidos e a RPDC unirão os seus esforços para construir um regime de paz duradouro e estável na Península da Coreia.
- Reafirmando a Declaração de Panmunjom de 27 de abril de 2018, a RPDC compromete-se a trabalhar para a desnuclearização completa da península coreana.
- Os Estados Unidos e a RPDC comprometem-se a recuperar os restos mortais de prisioneiros de guerra e refugiados permanentes, incluindo o repatriamento imediato daqueles já identificados”.
O documento assinala, ainda, que “a cúpula EUA-RPDC – a primeira da história – foi um evento memorável de grande significado e superando décadas de tensões e hostilidades entre os dois países e que, para a abertura de um novo futuro, o presidente Trump e o presidente Kim Jong Un se comprometem a implementar as estipulações nesta declaração conjunta de forma completa e expedita”.
Um aspecto que chamou a atenção da mídia imperial – entre esses o Guardian inglês e a CNN – foi o da cúpula ser “entre iguais”, pela postura de Kim e do próprio Trump, com o cuidado de que fosse o mesmo número de bandeiras nacionais alternadas e de assessores presentes. O que é um enorme contraste com o que costuma ser visto no relacionamento entre chefes de Estado subalternos e o Olimpo de Washington – e com os fatos presenciados no G7.
A conversa cara a cara, só com a presença dos tradutores, entre Trump e Kim durou 40 minutos e mais tarde o presidente norte-americano descreveria o líder coreano como “muito talentoso e duro na negociação e que ama muito seu país”. As discussões se estenderam por cinco horas.
Trump disse a Kim ser “uma honra” estar reunido com o líder coreano, que retrucou assinalando que houve “vários obstáculos, mas os superamos e estamos aqui”. Logo após a assinatura do documento, Trump disse a jornalistas que a cúpula estava sendo “melhor do que qualquer um poderia ter esperado”. Kim a chamou de “um bom prelúdio para a paz”.
O líder norte-coreano disse ainda que “tivemos hoje uma reunião histórica, decidimos deixar o passado para trás. O mundo verá uma grande mudança”.
Na coletiva de imprensa, o presidente norte-americano classificou o compromisso de Kim com a desnuclearização de “inabalável” e previu que uma desnuclearização “muito substancial” do arsenal norte-coreano, mas sem dar algum prazo. Ele revelou que Pyongyang, demonstrando seu compromisso, se prontificou a destruir um local de teste de motores de mísseis.
O sucesso da cúpula Kim-Trump também foi comemorado pelo presidente do sul, Moon Jae-in, com quem Kim já se reuniu duas vezes: “mal consegui dormir. Pode haver muitas dificuldades pela frente, mas nunca mais voltaremos ao passado”.
Também a China – que é signatária do acordo de armistício de 1953 – manifestou seu apreço pela cúpula e apontou que é necessário um mecanismo de paz “que resolva as preocupações de segurança razoáveis da Coreia do Norte”. A suspensão dos exercícios de guerra no sul em troca do fim dos testes nucleares e de mísseis no norte era o centro da proposta russo-chinesa para restabelecer o diálogo na península. Pequim pediu também que a comunidade internacional analise o alívio das sanções contra Pyongyang.
Ainda há muito chão pela frente, mas a crise evoluiu das ameaças nucleares para as mesas de negociação. Trump não disse, mas talvez saiba, que as últimas duas tentativas foram rompidas pelo lado americano, que não cumpriu o que assinara. Pior ainda, foi a ameaça de W. Bush de “ataque nuclear preventivo” à Coreia do Norte, que a obrigou, debaixo das mais drásticas sanções e dificuldades, a criar sua modesta, mas com bomba-H, força de dissuasão nuclear.
ANTONIO PIMENTA