
O livro “Produção versus rentismo – Trabalhadores e Empresários pela reindustrialização do Brasil” foi lançado na última terça-feira (27), na Câmara dos Deputados, em um encontro que reuniu parlamentares, economistas, lideranças sindicais, empresariais e trabalhadores.
No centro do debate, a urgência da mudança na condução econômica do país, no sentido da retomada do papel da indústria no desenvolvimento nacional, e a denúncia contra os juros aviltantes praticados pelo Banco Central e da política de déficit zero, que limita os investimentos públicos, reprime a renda dos brasileiros e contém o consumo.
INTERESSE NACIONAL
Em mensagem ao encontro, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos, afirmou que este é “um tema urgente”, destacando que “não restam dúvidas de que a reindustrialização é necessária para que o nosso país tenha um crescimento econômico sólido e sustentável. E o governo do presidente Lula tem apostado nisso, a partir da Nova Indústria Brasil, a NIB. E essa coletânea de entrevistas, com os principais dirigentes sindicais do Brasil e líderes empresariais, é uma excelente iniciativa para contribuir com essa compreensão e com essas discussões”.
“A articulação entre trabalhadores e empresários, aliás, é imprescindível para fortalecer a retomada da indústria brasileira, que já chegou a representar 30% do PIB do nosso país. Nesse contexto, a atividade na Câmara, reunindo tanta gente de peso, é muito importante, porque essa é uma matéria de interesse nacional e precisamos envolver os parlamentares nesse debate, ampliando os consensos em torno de uma questão chave para o país”, afirmou Luciana.

Carlos Pereira, organizador do livro, destacou que passou da hora de superarmos a cartilha do neoliberalismo, do Estado mínimo, câmbio livre, metas inflacionárias subestimadas, privatização selvagem, juros nas nuvens e superávit primário. “Dogmas que só beneficiaram a especulação financeira e os monopólios estrangeiros. É uma aberração”, afirma.
Confira, a seguir, os principais trechos das intervenções durante o lançamento.
Renildo Calheiros, deputado federal
“O Lula, o nosso presidente, tem uma posição muito desconfortável com essa questão dos juros. Todos conhecemos, ele sabe, que a taxa de juros alta prejudica muito o país, prejudica muito a economia, prejudica muito o nosso desenvolvimento.
Quantas vezes ele falou sobre isso? E veja que mesmo com a vontade dele de enfrentar essa questão, nós, até agora, não temos tido sucesso. Não obtivemos sucesso. São seis subidas na taxa de juros, que já era alta, e mesmo quando o [Gabriel] Galípolo chegou ao Banco Central, até agora também ele não mostrou a que veio.
A taxa de juros continua subindo. O Brasil está sempre entre os cinco países com maior taxa de juros no mundo. É evidente, e também foi fortemente falado aqui, o prejuízo que isso traz ao setor produtivo, porque produzir tem riscos.
Quem já abre um negócio sabe, mesmo que seja um negócio simples, mesmo que seja até mesmo na área de serviço, que seja um restaurante, que seja uma lanchonete, seja o que for, quem já mexeu com a atividade produtiva sabe como é complicado. E quantas vezes isso dá errado? Quantas vezes você quebra? Agora, com a taxa de juros nesse patamar que existe no Brasil, e não é novidade, é há muito tempo, você faz uma forte pressão contrária ao que o Brasil precisa, que é de fortes investimentos, seja investimento público, seja investimento privado. Você contém o investimento e o país não se desenvolve.”

Paulo Kliass, economista
“Nas últimas décadas, tivemos uma redução significativa da capacidade de produção da indústria, do produto industrial, e uma elevação mais do que proporcional e perversa, nociva, da atividade do rentismo.
E onde é que está a atividade do rentismo, do financismo? A gente não pega, a gente não vê, a gente não identifica. E isso é fruto, basicamente, desse processo em que você tem, ao longo das décadas, a chamada hegemonia do sistema financeiro. A atividade produtiva, a atividade do setor real, foi cada vez mais perdendo espaço, perdendo importância, econômica, política, social.
No Brasil, a desindustrialização acabou reforçando um aspecto muito nocivo na nossa história, que é aquilo que algumas pessoas já colocaram aqui da tendência ao fazendão, quer dizer, o Brasil vive um processo neocolonial de retorno a ser uma economia basicamente produtora de produtos agrícolas e de extrativismo mineral, que é o que a gente fazia em 1500, 1600, 1700, 1800, e que conseguiu superar a partir de meados do século XX, justamente com o avanço da industrialização.”
Jandira Feghali, deputada federal
“O BNDES já colocou R$ 206 bilhões de investimentos nesse período de dois anos. Isso não é pouca coisa. O BNDES não servia mais para isso no governo anterior.
A Nova Indústria Brasil, que tem seis eixos estratégicos, também tem muito recurso investido na indústria, muito recurso colocado. Seja no Ministério de Ciência e Tecnologia, seja a partir do BNDES, a gente está conseguindo colocar bilhões para tentar desenvolver uma política industrial. Com esses juros, obviamente, é um obstáculo absurdo, porque produzir fica menos importante do que apostar no dinheiro sobre dinheiro, rodar dinheiro em Bolsa, rodar dinheiro no sistema financeiro.
Então, os juros achatam a nossa perspectiva. Mas tem luta, tem tentativa, tem investimento, tem milhões investidos nisso, a partir da eleição do presidente Lula. Então, nós estamos refém numa política monetária, mas estamos tentando, ao mesmo tempo, fazer valer os instrumentos estratégicos que a gente tem na mão.”

Denise Gentil, economista e professora da UFRJ
“Essas taxas de juros, praticadas hoje por um Banco Central independente — ou seja, independente das necessidades da população, independente e alheio ao seu dever para com o seu país — precisam, numa política combinada, fazer com que, na Fazenda, se pratique um arrocho fiscal imenso.
Não basta ela [a taxa de juros] ser alta, ela tem que ser verossímil. A Fazenda tem que confirmar que os gastos financeiros por juros serão honrados, e para isso tem que dar como contrapartida superávit, para que o mercado fique sossegado.
E isso implica o quê para nós? Implica cortes em gastos com os pobres do país, com o BPC, com o Bolsa Família, com a saúde pública, com a educação, com aqueles que são os mais vulneráveis, e cortes no investimento público também.
É uma austeridade que não é para todos, é uma austeridade seletiva, que não atinge os ricos, mas apenas os pobres. O que é gigantesco e vergonhosamente para nós são os gastos financeiros com juros, os gastos com a elite financeira desse país.”

Maria Lucia Fatorelli, auditora-fiscal aposentada da Receita Federal e fundadora da organização Auditoria Cidadã
“O Brasil está amarrado nesse sistema da dívida. E aplicando um modelo econômico que produz escassez. […] É um modelo produzido para que a imensa maioria fique na escassez. Porque no estado de escassez, aceitam salários baixos, ou é salário baixo ou é nenhum.
Esse sistema da dívida, que para sobreviver, para abocanhar quase metade do orçamento todo ano, coloca aí um ajuste fiscal, um marcador fiscal. A política monetária suicida no Banco Central. Esse juro altíssimo é suicida. Mata a indústria. Como investir com juros nas alturas? É impossível. Por isso que temos um processo drástico de desindustrialização.
Os bancos podem depositar no Banco Central voluntariamente toda essa bolada. […] E são remunerados com base na Selic ou mais. Aí eu pergunto a vocês: a troco de quê que os bancos vão emprestar para a sociedade a juros baixos? Se com um clique eles têm a Selic diária, sem esforço nenhum. Isso impede que o juro caia. Tem que acabar a ‘bolsa banqueiro’ para que o juro caia.”
José Reginaldo, presidente da CNTI
“Se a gente quer de fato atacar as causas estruturais do rentismo, tem que combater juros altos, câmbio desfavorável, tributação e reconstruir a lógica de proteção social em que o comum prevaleça, em que o bem público esteja a serviço da sociedade, e não efetivamente a sustentação do sistema bancário brasileiro.”
Ubiraci Dantas, vice-presidente da CTB e representante da Fitmetal
“No final de 2024, fomos surpreendidos por um novo pacote de ajuste fiscal. Esse tipo de medida, que inclui contenção de gastos em áreas essenciais como saúde, educação e programas sociais, tem sido justificada pela necessidade de equilíbrio das contas públicas. No entanto, na prática, o que vemos é uma lógica de submissão ao sistema financeiro: corta-se onde o povo precisa, enquanto se mantém a farra dos juros altos. Essa política não é apenas injusta — ela compromete o próprio projeto de desenvolvimento do país. Sem recursos para investimento público, sem valorização do salário mínimo, sem fortalecer o BPC e programas como o Bolsa Família, não há como garantir bem-estar à população. E sem bem-estar, não há democracia sustentável.
Para que o governo Lula tenha êxito, é urgente enfrentar essa estrutura que privilegia o rentismo. É preciso retomar uma grande campanha nacional pela redução das taxas de juros e pela ampliação dos investimentos públicos. Não há soberania com a indústria sucateada e com os bancos ditando os rumos do orçamento. Se não virarmos essa roda, 2026 pode ser uma tragédia: com o retorno daqueles que querem destruir o Estado, privatizar tudo e transformar o Brasil numa colônia. É hora de unir trabalhadores, empresários comprometidos com o país e os movimentos sociais para ocupar as ruas e pressionar por um novo rumo econômico — um rumo que coloque o povo, a produção e a soberania nacional no centro do projeto de nação.”
Flauzino Antunes, presidente do Sindicato dos Economistas do DF
“O debate da disputa entre produção e o rentismo, que são duas decisões econômicas antagônicas, se dá justamente no momento em que discutimos geração de emprego, desenvolvimento, qualidade de vida. Um momento em que o trabalhador, hoje, tem que escolher entre emprego e direitos. Mas sabemos que o Brasil sempre cresceu gerando emprego e direitos. E o que isso tem de fundo? É a disputa entre o reitismo, que são aqueles que especulam com a desgraça do povo brasileiro, que ficam mais ricos a cada a alta da taxa Selic, enquanto o povo mais pobre. Essa é a nossa discussão hoje.”
Raimundo Salvador, dirigente da CONTRICOM (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Construção e no Ramo da Indústria da Construção)
“O Brasil tem hoje uma das maiores taxas de juros do mundo! Você vai para uma mesa de negociação — acabei de sair dali para fechar uma convenção coletiva que representa uma canetada de 200 milhões, mais ou menos, na economia do Distrito Federal — e a gente sai da mesa, já há alguns anos, com a sensação de que perdeu. Olha que horroroso isso!
O capital, o rentismo, está tão forte que até nisso nos tira o poder de mobilização. E tudo isso é fruto das políticas econômicas que vêm sendo implementadas no país, ano após ano. Especialmente a partir de 2015, com a queda do governo Dilma, os governos que vieram depois impuseram reformas que aprofundaram ainda mais o desequilíbrio entre capital e trabalho.
Esses dias eu estava conversando com um companheiro, e falei para ele: ‘Companheiro, abriu uma vaga de trabalho lá no local tal, salário tal, justamente na sua função’. E ele respondeu: ‘Não, meu irmão, agora eu sou Uber. Eu prefiro ficar de Uber, porque é melhor do que estar com carteira assinada’. Olha o ponto a que chegamos!
Isso tudo que está acontecendo — essa pejotização, essa uberização — é reflexo direto de uma política econômica que favorece o capital especulativo. O Banco Central, com essa taxa de juros altíssima, inviabiliza qualquer investimento produtivo. Só vale a pena aplicar no mercado financeiro. Isso destrói empregos com direitos, empurra milhões para a informalidade e corrói as possibilidades de uma reindustrialização séria no país. E quem sofre somos nós, trabalhadores, que estamos no meio disso tudo, tentando resistir.”