Estreou no Festival de Cannes, nesta segunda-feira (12), “JFK revisited: through the looking glass” (JFK revisitado: através do espelho), duas horas instigantes e contundentes em que o cineasta Oliver Stone demonstra que a CIA e o FBI manipularam todas as provas sobre o magnicídio de John Fitzgerald Kennedy, ocorrido em 22 de novembro de 1963.
“Fiz isso porque é importante, porque aquele assassinato marcou uma geração. Kennedy foi o último presidente norte-americano que buscou a paz”, explicou o cineasta, diretor entre outros dos memoráveis Snowden, Platoon e Nascido em 4 de julho.
Passados 30 anos do lançamento do “JFK, a pergunta que não quer calar”, Stone apresenta novos documentos que põem por terra a versão oficial. Os avanços só foram possíveis graças ao fim do sigilo governamental sobre 2.800 relatórios secretos com mais de três milhões de documentos, aprovado em 2017, embora outros 200, considerados os mais decisivos, tenham sido mantidos inacessíveis por Donald Trump. E assim continuem.
Seu produtor, Rob Wilson, apontou que em outubro de 2017, “Trump prorrogou o sigilo oficial desses 200 documentos. E depois anunciou outros dois anos a mais… Continuamos na mesma. Tecnicamente, hoje o Governo está descumprindo a lei”.
“Kennedy avançou nas possíveis relações com Cuba, negociou com a URSS o tratado de não proliferação nuclear, começou a pensar em tirar os EUA da guerra do Vietnã. Era anticolonialista. O próprio Robert McNamara, seu secretário de Defesa, confirmou isso em suas memórias. “Insisto, Kennedy foi o último presidente que realmente tentou mudar as coisas, e isso se voltou contra si”, disse Stone.
No festival é exibida, dentro da seção Cannes Première, a versão reduzida, de duas horas (a qual será lançada na Espanha, onde já tem distribuição; nos EUA, enquanto isso, continua sem comprador), mas existe uma de quatro horas.
Conforme descrito, “JFK Revisited” é demolidor e esmiúça as inconsistências na autópsia de Kennedy, o manuseio das principais evidências e as ligações de Lee Harvey Oswald, o assassino de Kennedy, com a CIA. E suas suspeitas mais profundas -são em relação aos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Um general reformado recorda diante da câmera que “Kennedy tinha muitos inimigos”. E Stone explica: “Na verdade, não sei o que aconteceu, mas sim o que não aconteceu. E no documentário retrato também o ambiente daquela época. Duvido que hoje a Administração Biden faça algo a mais [para esclarecer o crime], suspeito que nem lhe passe pela cabeça”.
Na tela são analisadas as provas, com documentos oficiais e testemunho de historiadores. “Aí você tem as trajetórias das balas, a famosa bala mágica [que primeiro atravessou Kennedy e depois deu voltas pelo corpo do governador do Texas, John Connally], o rifle, as fotos, as relações de Oswald com a CIA”, descreveu Stone.
Depois de se centrar na investigação da comissão Warren, nomeada após o assassinato para distorcer, ignorar e manipular provas, Stone repassou o material fornecido pela investigação de 1975, feita por uma CPI da Câmara, assim como o trabalho do grupo que reavaliou os documentos desde 1992, para categorizá-los depois da estreia do longa-metragem de 1991, que se centrava no promotor Jim Garrison. Como exemplo da primeira comissão, um de seus integrantes, Gerald Ford, que chegou a ser presidente, até retocou o diagrama da autópsia para mover a entrada de um disparo; semanas depois, o buraco voltou ao seu lugar original.
Inúmeros especialistas e historiadores que tiveram acesso aos relatórios nos anos destacam as surpreendentes contradições, como os horários da cadeia de custódia das balas e cápsulas encontrados em Dallas. “Na autópsia foram feitas dezenas de manipulações, usou-se um cérebro que não era o do presidente, desapareceram fotos”, elencou Stone.
Especialista após especialista, todos apontam a CIA como a responsável pelo magnicídio por conduzir sua própria política externa. Entre os caminhos contrapostos, a agência buscava que Kennedy apoiasse um golpe de Estado contra Charles de Gaulle, assegurando a ele que todos os militares franceses estavam contra o seu presidente, por causa da sua intenção de acabar com a guerra da Argélia; e a CIA o enganou quando, desobedecendo suas ordens, os serviços secretos norte-americanos entregaram Patrice Lumumba —primeiro-ministro do Congo derrubado por Mobutu Sese Seko em um golpe militar— a seus inimigos para que o assassinassem, apesar de JFK ter lhe prometido proteção. Tudo está documentado e gravado.
“POR QUE DA HOSTILIDADE A RÚSSIA, CHINA, IRÃ, CUBA?”
“É mais importante sabermos por que Kennedy foi assassinado do que por quem. E foi por seu desejo de paz. Hoje, por que queremos inimigos? Por que mantemos uma política hostil contra Rússia, China, Irã ou Cuba? Precisamos de relações estáveis com esses países, porque a ameaça principal que sofremos atualmente é o aquecimento global. E é um problema mundial que exige soluções mundiais. Os países, as pessoas, estão acima de presidentes ou ditadores”, ressaltou o cineasta.
Em relação ao Stone de três décadas atrás, destacou que “era relativamente um novato quando o filme foi lançado, que não sabia que iriam me bater daquele jeito e foi difícil”. “Parecia que eu não era confiável. Em Hollywood fui rotulado de ‘teórico da conspiração’, que acho que é um termo de um documento da CIA de 1952, uma tentativa de desacreditar as pessoas. Mas o público gostou do filme”, frisou.