Nos últimos 10 anos, os Estados Unidos enviaram 111 milhões de toneladas de lixo plástico para o México, Peru, Colômbia, Chile e Equador. Seringas, carcaças de monitores antigos e baldes com lixo tóxico são os principais resíduos que o país norte-americano envia para o sul do continente.
De acordo com uma investigação realizada por uma equipe da Rede Investigativa Transfronteiriça do OjoPúblico e do PopLab, que durou mais de seis meses, verificou-se que milhares de toneladas desses resíduos chegam a países latino-americanos usando o argumento de que serão reciclados.
Além disso, acrescenta que o lixo entra graças a uma troca comercial feita de forma pouco transparente e que a deficiente vigilância das autoridades impede que se saiba o destino final destes resíduos.
O estudo expôs que esses resíduos plásticos são apenas alguns dos milhões de resíduos plásticos exportados principalmente por países ricos e que transformaram a América Latina em um depósito de lixo global.
Os acordos de compra e venda de resíduos plásticos são negociados apenas entre empresas privadas e, muitas vezes, os países não têm infraestrutura para processar os resíduos, nem o interesse em acompanhar as toneladas que entram em seus territórios. A rastreabilidade dos plásticos, dizem os especialistas, é nula.
Longe dos olhares do Estado, o negócio é gerido por empresas que se dedicam a áreas tão diversas como a produção de garrafas, a reciclagem ou a indústria têxtil, automóvel, cerâmica, entre outras.
Os especialistas ouvidos pelo OjoPúblico consideram que esse produto pode, por vezes, ser altamente poluente. Em teoria, os resíduos plásticos entram para serem reciclados, mas muitas vezes os produtos não estão em condições de enfrentar esse processo. Alguns possuem resíduos tóxicos altamente nocivos ao meio ambiente e à saúde. Em casos menos graves, devem ser lavados, o que implica desperdício de água e uso de outros produtos químicos poluentes.
“As empresas receptoras importam esses resíduos super barato porque para os países que os exportam é lixo, porque se realmente fosse um recurso reciclável lá, eles não iriam exportar. Os exportam como lixo e os governos não os fiscalizam”, explicou a ativista María Esther Briz, das entidades Campanha Plástico para a América Latina e Caribe liberte-se do Plástico, sobre o funcionamento do negócio.
A Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) alertou que essas omissões permitem o aumento do comércio ilegal de resíduos plásticos e seu tratamento inadequado, que às vezes envolve trabalho ilegal, lavagem de dinheiro, corrupção, evasão fiscal, entre outros crimes. A Interpol detectou o uso de documentos falsos para remessas que são declaradas como destinadas à recuperação ou como matéria-prima quando esse não é o seu destino.
O Grupo Autônomo para a Investigação Ambiental (GAIA), por sua vez, acusa as potências mundiais de manter suas políticas ambientais a um custo elevado para os países menos desenvolvidos. “Grande parte desse ‘paraíso sustentável’ alimenta-se graças ao envio para outros países de centenas de containers cheios de resíduos de plástico que, no melhor dos casos, são reciclados, mas que em muitos outros acabam em destinos impossíveis de rastrear, incinerados, enterrados ou mesmo reciclados em condições que jamais seriam aprovadas nos países exportadores”, afirma o relatório.
Globalmente, apenas 6% dos resíduos plásticos são reciclados. O material importado deveria ser usado para fabricar outros produtos plásticos de menor qualidade ou para fazer produtos têxteis, mas não se sabe quanto é usado e quanto vai para aterros, somando-se assim aos 225 milhões de toneladas de resíduos gerados a cada ano nas nações latino-americanas que recebem esses resíduos.
Apenas os cinco países analisados para esta investigação receberam resíduos plásticos no valor de 330,4 milhões de dólares na última década. Mas nem em todos os casos foi possível obter o valor arrecadado por meio das empresas com lixo plástico, já que existe uma lacuna de informação que tem sido apontada por especialistas da região como um dos principais problemas no dimensionamento do problema.
A deficiente fiscalização aduaneira permite a entrada, mas a falta de acompanhamento por parte das autoridades competentes impede a certeza absoluta da destinação desses resíduos. Por isso, várias organizações ambientais acreditam que os números podem ser maiores.