
“Comparar Lula a Getúlio não tem o menor cabimento. Além da industrialização do país, Getúlio construiu o arcabouço institucional do Brasil moderno, as leis trabalhistas, os direitos, Lula deixou o Bolsa Família, que nem na Constituição está. Pode ser abolido por qualquer governo”, advertiu o professor
O sociólogo Chico de Oliveira, professor da USP, e um dos fundadores do PT, nos deixou em julho de 2019 aos 85 anos, depois de passar boa parte de sua vida a estudar a sociedade brasileira e participar da luta acadêmica e politica para transformá-la. Preso e torturado pela ditadura, ele nos brindou com muitas obras sobre o Brasil e disse, em uma de suas entrevistas, que suas últimas pesquisas buscavam desvendar o que ele chamou do “caráter do povo brasileiro”. O que, de particular, os brasileiros teriam acrescentado ao patrimônio comum da Humanidade.
Em 2012, já em plena crise que atingia os principais centros financeiros do mundo, quando de sua participação no programa Roda Viva, ele desenvolveu um balanço da primeira década dos governos do chamado campo progressista brasileiro. Ele fez uma análise crítica dos oito anos do governo Lula e os dois primeiros da administração Dilma Rousseff.
Pela importância de suas impressões sobre as limitações e desvios dos governos petistas, e pela atualidade de alguns problemas identificados à época por ele, nós reproduzimos aqui o debate ocorrido na TV Cultura, sob o comando de Mário Sérgio Conti.
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Chico relativizou a importância do PT na derrubada da ditadura e fez um resgate importante do papel desempenhado pelo movimento democrático, pelas forças que constituíram a frente democrática, para que o movimento sindical, que renascia nas lutas contra o arrocho salarial imposto pelo regime, se aproximasse da esquerda no final da década de 70 e ajudasse a derrotar o governo ditatorial que se instalara em 1964. “Quem mobilizava as passeatas pela democracia era Ulisses Guimarães”, destacou ele, lembrando que nesta época “pouquíssimos sindicalistas eram de esquerda”.
Ele também fez questão de destacar que Getúlio Vargas foi o maior estadista criado pelo Brasil em 200 anos de história e que, comparar Lula a Getúlio “não tem o menor cabimento”. “Além da industrialização do país, Getúlio construiu o arcabouço institucional do Brasil moderno, as leis trabalhistas, os direitos, Lula deixou o Bolsa Família, que nem na Constituição está. Pode ser abolido por qualquer governo”, advertiu.
“E, convenhamos, esses programas não começaram com o PT, eles vinham do ‘leite do Sarney’, do FHC e dos programas implantados por Cristovam Buarque no governo de Brasília”, afirmou Chico de Oliveira, destacando ainda que “Dilma não está fazendo um governo de esquerda”.
Mesmo estando filiado ao PSOl, Chico de Oliveira não poupou críticas ao seu próprio partido. Disse que ele não conseguiu ser uma alternativa ao PT. “O PSOL nasceu para fazer uma crítica pela esquerda ao PT, mas ele não tem conseguido fazer isso. Não faz essa crítica porque o PSOL de alguma maneira pensa refazer o caminho do PT”, disse ele.
Já naquela época Chico alertava que os desvios do PT estavam levando o país ao mau caminho e que, no lugar dos sonhos, o que estava surgindo eram “pesadelos”. “E, com as armas e os instrumentos que a minha ciência social me fornece, até onde ela pode apontar no horizonte, a gente não vê modificação possível que reverta essa situação”, acrescentou o professor.
Chico de Oliveira comentou alguns comportamentos do ex-presidente Lula e demonstrou, já em 2012, não ter expectativas no petista. Ele voltou a dizer “que muitas pessoas não conhecem verdadeiramente quem é ele”. “Uma pessoa que não tem caráter. Sei sei que isso é forte, mas o Lula não tem caráter”, prosseguiu Chico de Oliveira.
“O Lula é um oportunista que a sociedade brasileira, e eu particularmente, como membro da esquerda brasileira, sou responsável. Porque nós fizemos de conta que o operário é igual à classe e não é”, acrescentou.
“Como Marx disse há 150 anos que a libertação da classe operária só será obra da própria classe operária, nós confundimos as duas coisas. A gente achou que tinha chegado ao paraíso”, destacou Oliveira, minimizando a popularidade de Lula nesta época. “Tio Adolfo também tinha grande popularidade e deu no que deu”, advertiu o estudioso.
SÉRGIO CRUZ