“A CPI chega ao fim e não evidenciou os reais problemas do campo, pelo contrário, foi mais um palanque político para a direita bolsonarista”, critica MST em nota
Na última terça-feira (26), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada por bolsonaristas no Congresso para atacar o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) encerrou os seus trabalhos sem a votação do relatório final do deputado Ricardo Salles (PL-SP).
A oposição chegou a tentar um pedido de prorrogação até a próxima quinta-feira (28) ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que ignorou a movimentação para dar continuidade ao palanque bolsonarista. O adiamento de dois dias era necessário para que se cumpra o prazo regimental de duas sessões em virtude do pedido de vista ao relatório final.
Em nota, o MST considerou o encerramento da CPI como “derrota política da bancada agromilitar”. “Ao final, a extrema-direita não conseguiu nem ao menos colocar para votação o relatório construído por Ricardo Salles”, ressalta.
“A CPI omite os principais problemas agrários do Brasil provocados pelo agronegócio, como o crescente desmatamento e queimadas, a grilagem de terra, a violência no campo, a super exploração do trabalho, a partir do uso de mão de obra análoga à escravidão, a destruição e contaminação dos bens naturais pelo uso de agrotóxicos”, afirma o MST.
A CPI começou em maio e, durante suas atividades, passou por mudanças de integrantes, com trocas a favor e contra o governo. Com a reforma ministerial, os governistas voltaram a ser maioria na comissão e a aprovação do relatório de Salles era incerta.
A primeira diligência dos membros da CPI foi realizada em 29 de maio na região do Pontal do Paranapanema, oeste de São Paulo, com visitas a acampamentos que não pertencem ao MST. Na ocasião, uma comitiva formada por oito deputados federais visitou áreas que foram ocupadas no início do ano pela Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL).
Segundo dados do portal de transparência da Câmara foram gastos, pelo menos, R$ 66 mil com viagens, sendo passagens e diárias. Os valores são preliminares e ainda não passaram por análise de prestação de contas.
Eles incluem apenas três viagens: para o interior paulista, para Goiás e para Alagoas. Não constam no portal, por exemplo, gastos feitos com a diligência no sul da Bahia, local onde a atuação do MST é mais criticada por Salles em seu relatório.
No total, o relatório pedia o indiciamento de 11 pessoas, incluindo membros de movimentos sociais, como José Rainha, e o ex-ministro Gonçalves Dias.
O relatório ainda acusava o movimento de crimes como trabalho escravo e invasões de terra. “Há intensa doutrinação ideológica marxista sobre adultos e crianças.”
FRACASSOS
Parlamentares da bancada ruralista e de outros setores de centro e direita já tentaram incriminar integrantes do MST e criminalizar o movimento social.
Vinte anos atrás, com aval de parlamentares da oposição, o requerimento de instalação de uma CPI mista que mirava o MST foi lido um dia após Lula posar para fotos com um boné do movimento. Formada por 24 senadores e deputados federais, a comissão, chamada de CPMI da Terra, prometia investigar “ações ilícitas, com sucessivas e violentas invasões de terras”.
“Já devo ter tirado umas 200 fotos com chapéu do MST na cabeça: vou continuar pondo”, rebateu Lula à época, que cumpriu a promessa, posando com boné do MST inclusive durante a campanha eleitoral que lhe rendeu o terceiro mandato. O acessório, aliás, virou moda entre políticos e militantes de esquerda, além de fonte de renda para o movimento social.
A comissão visitou nove estados, realizou 43 audiências públicas, tomou 125 depoimentos, quebrou o sigilo bancário de 21 pessoas e reuniu uma documentação que chega a 75 mil páginas. Os trabalhos foram encerrados em 29 de novembro de 2005, dois anos após a sua instalação.
A maioria rejeitou o relatório do deputado João Alfredo (PSOL-CE), aliado ao movimento e do governo Lula, e aprovou o substitutivo do então deputado Abelardo Lupion, do antigo PFL, hoje DEM, que classificou a invasão de propriedade de “ato terrorista”. Posteriormente, o parlamentar recuou, mas manteve no texto uma série de projetos de lei que criminalizam os sem-terra. Contudo, ninguém acabou indiciado em função do documento aprovado.
Em 2009, o Congresso instalou a segunda comissão para investigar o MST. O autor do requerimento foi Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que nove anos depois seria ministro de Jair Bolsonaro (PL) – assim como o ex-presidente, Lorenzoni foi derrotado nas urnas em 2022, quando tentou ser governador do Rio Grande do Sul.
A comissão foi instalada com o objetivo de colocar uma lupa sobre os repasses de dinheiro público ao movimento social. Ao contrário da atual, essa CPI teve como relator um aliado de Lula e do MST, o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), Onix era o vice-presidente da comissão.
Ela foi encerrada após um ano e meio após a instalação, sem qualquer efeito prático e mesmo com mais de 100 requerimentos em pauta. Tatto alegou que a maioria dos requerimentos era ilegal e fugia ao objeto da CPI. Ele ainda acusou a oposição de ter abandonado a CPI e disse que a comissão não serviu nem como palanque para os integrantes.
Leia a nota do MST:
CPI contra o MST fracassa
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) chegou ao fim nesta quarta-feira (27) com uma derrota política da bancada agromilitar. Ao final, a extrema-direita não conseguiu nem ao menos colocar para votação o relatório construído por Ricardo Salles.
A CPI não evidenciou os reais problemas do campo, pelo contrário, foi mais um palanque político para a direita bolsonarista avançar no processo histórico de criminalização da luta em defesa da Reforma Agrária, buscando investigar as ocupações legítimas realizadas pelo MST ao longo deste ano. É neste contexto, que a CPI omite os principais problemas agrários do Brasil provocados pelo agronegócio, como o crescente desmatamento e queimadas, a grilagem de terra, a violência no campo, a super exploração do trabalho, a partir do uso de mão de obra análoga à escravidão, a destruição e contaminação dos bens naturais pelo uso de agrotóxicos.
Além disso, entendemos que a Comissão, tal qual as diligências realizadas e o próprio relatório, foram formas de intimidação e perseguição contra as lideranças Sem Terra que lutam pela democratização do acesso à terra e por um projeto popular no Brasil.
Em um país, onde brasileiros e brasileiras ainda passam fome, repudiamos o relatório final apresentado pela Comissão e apontamos a necessidade de posicionar a legitimidade da luta pela terra e da Reforma Agrária como elementos centrais para se discutir um projeto político para o campo, enfrentando de frente as desigualdades sociais e garantindo o direito de viver e produzir alimentos saudáveis.
Destacamos que o MST não esteve sozinho na luta contra a tentativa de criminalização impulsionada pela CPI. Foram meses de solidariedade de milhares de organizações sociais do Brasil, através da plataforma MST em Debate. Por ela, o Movimento recebeu quase 65 mil assinaturas de brasileiros, além de centenas de notas e moções de apoio. A nível internacional, com a plataforma “Tô com MST”, foram registradas quase mil assinaturas individuais, de mais de 400 representantes de organizações ou movimentos internacionais, de 93 países.
Superada mais uma tentativa de criminalização, seguiremos em luta. Esta CPI em nenhum momento intimidou a histórica bandeira da Reforma Agrária, pela qual marcharemos até que a terra seja um bem de todas e todos no Brasil. Não recuaremos da tarefa de alimentar o povo brasileiro com dignidade e justiça social.
Lutar! Construir Reforma Agrária Popular!
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
27 de setembro de 2023