A Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) divulgou uma nota contestando a decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anulou todas as provas colhidas no acordo de leniência com a Odebrecht.
A ANPR afirmou que Toffoli ignorou documentos e distorceu fatos para embasar sua decisão.
O ministro disse que os sistemas de pagamento de propina (“Drousys” e “My Web Day”) tinham que ter passado por um acordo de cooperação internacional, o que os procuradores rechaçam.
“Não é correta a afirmação de que o acesso aos sistemas Drousys e Mywebday, mantidos pela Odebrecht para registrar o pagamento de propina, descumpriu o procedimento formal de cooperação internacional. Em razão do acordo de leniência, a Odebrecht entregou uma cópia dos sistemas diretamente ao MPF [Ministério Público Federal] no Brasil”, diz a nota.
O acordo de leniência com a Odebrecht “não é um acordo internacional. Estados Unidos e Suíça não são partes do acordo brasileiro, e vice-versa, pois cada um dos países atuou em sua esfera de jurisdição, assinando acordos em separado e absolutamente independentes com a empresa”, continua a nota.
A ANPR apontou que “não é razoável, a partir de afirmação de vícios processuais (…) pretender-se imputar a agentes públicos, sem qualquer elemento mínimo, a prática do crime de tortura ou mesmo a intenção deliberada de causar prejuízo ao Estado brasileiro”.
O trecho responde à afirmação de Toffoli, que disse que os agentes da Lava Jato “valeram-se de uma verdadeira tortura psicológica, UM PAU DE ARARA DO SÉCULO XXI [destaque do ministro], para obter ‘provas’ contra inocentes”.
Os procuradores lembram que a Corregedoria-Geral do MPF e a Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do MPF, “após vasta análise de provas e informações”, reconheceram a legalidade do acordo com a Odebrecht.
“Encerrada a apuração, a conclusão da Corregedoria-Geral do MPF foi comunicada ao STF, mas tais documentos não foram mencionados na decisão proferida e precisam ser expressamente analisados”.
Por fim, a nota publicada pelos procuradores registra que a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) “não têm atribuição para investigar membros do Ministério Público e do Judiciário (…) e tal proceder não é adequado no estado democrático de direito, justamente para afastar qualquer tentativa de fazer cessar a atuação de órgãos cujas atribuições estão previstas na Constituição Federal”.
O ministro Dias Toffoli determinou em seu despacho que a AGU, o TCU e outros órgãos identificassem os agentes envolvidos no acordo de leniência e tomassem medidas administrativas e criminais contra eles.
Leia a nota da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) na íntegra:
A Associação Nacional dos Procuradores da República vem, em razão da decisão proferida no Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação 43007, ressaltar a necessidade de que a discussão sobre os fatos envolvendo a Operação Lava Jato seja pautada por uma análise técnica, objetiva, que preserve as instituições e não se renda ao ambiente de polarização e de retórica que impede a compreensão da realidade.
Não é razoável, a partir de afirmação de vícios processuais decorrentes da suspeição do juízo ou da sua incompetência, pretender-se imputar a agentes públicos, sem qualquer elemento mínimo, a prática do crime de tortura ou mesmo a intenção deliberada de causar prejuízo ao Estado brasileiro.
O acordo de leniência firmado pelo Ministério Público Federal com a Odebrecht resultou de negociação válida, devidamente homologada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, com a participação de vários agentes públicos, pautados em atividade regular.
Não é correta a afirmação de que o acesso aos sistemas Drousys e Mywebday, mantidos pela Odebrecht para registrar o pagamento de propina, descumpriu o procedimento formal de cooperação internacional.
Em razão do acordo de leniência, a Odebrecht entregou uma cópia dos sistemas diretamente ao MPF no Brasil.
Adicionalmente, para confirmar a integridade dos sistemas, o MPF solicitou à Suíça, por meio de regular procedimento de cooperação jurídica internacional, no qual atuou o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça (DRCI/MJ), cópia integral dos sistemas que haviam sido apreendidos em autônoma investigação suíça.
O pedido, formulado em 17 de maio de 2016, foi encaminhado pelo DRCI para as autoridades suíças em 3 de junho de 2016, por meio da Official Letter 3300/2016/CGRA-SNJ-MJ, e, em 28 de setembro de 2017, o DRCI encaminhou ao MPF a resposta à solicitação (Ofício 7676/2017/CGRA-DRCI-SNJ-MJ).
Todo o procedimento de entrega e recebimento dos discos rígidos contendo os sistemas está documentado e foi atestado por relatórios técnicos elaborados pela Secretaria de Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República (SPPEA/MPF) e por laudo pericial elaborado pela Polícia Federal (LAUDO No 0335/2018 – SETEC/SR/PF/PR), ressaltando-se, inclusive, as menções feitas nesses laudos à tramitação das mídias recebidas de autoridades estrangeiras por intermédio do DRCI.
O acordo celebrado pela empresa Odebrecht com o MPF não é um acordo internacional. Estados Unidos e Suíça não são partes do acordo brasileiro, e vice-versa, pois cada um dos países atuou em sua esfera de jurisdição, assinando acordos em separado e absolutamente independentes com a empresa. A menção a EUA e Suíça indica, apenas, ter havido coordenação entre as diferentes jurisdições, para evitar duplicidade de punições à empresa, já que os valores pagos no Brasil seriam abatidos dos valores a pagar nos Estados Unidos, procedimento este que é recomendado em manuais e convenções internacionais de combate à corrupção. Por essa razão, inclusive, os acordos celebrados pelos EUA e Suíça com a empresa Odebrecht continuam válidos e não são afetados pela decisão do Supremo Tribunal Federal.
Esse mesmo procedimento – celebração de acordos de leniência com empresas no Brasil, de forma concomitante à celebração de acordos por autoridades estrangeiras com a mesma empresa – já foi utilizado em diversos outros casos. Menciona-se que há registros de múltiplos acordos celebrados pelo MPF e pela própria Advocacia-Geral da União (AGU), em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU), utilizando o mesmo procedimento, sem que fosse necessária a tramitação de cooperação jurídica internacional especificamente para que cada autoridade pudesse celebrar seus acordos com validade interna. Da mesma forma, os diversos países que já assinaram acordos semelhantes com empresas investigadas na Lava Jato – incluindo Reino Unido, França, Singapura, além de EUA e Suíça – jamais precisaram transmitir pedidos de cooperação internacional ao Brasil para viabilizar a assinatura de seus próprios acordos.
Quando se fez necessária a transmissão e o recebimento de quaisquer provas, informações ou valores, entre autoridades nacionais e estrangeiras, o MPF sempre seguiu precisamente o procedimento determinado na legislação, fazendo os requerimentos em juízo e transmitindo-os por intermédio do DRCI/MJ.
Os acordos de colaboração premiada celebrados com diretores e empregados da Odebrecht, que se valeram também de provas extraídas dos sistemas da companhia e que foram entregues voluntariamente, foram firmados pela Procuradoria-Geral da República e homologados pelo próprio Supremo Tribunal Federal, que, na época, reconheceu sua validade. Já o acordo de leniência foi homologado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, assim como por juízo federal.
As questões suscitadas pelo Exmo. Min. Dias Toffoli já haviam sido remetidas pelo Min. Ricardo Lewandowski às esferas competentes para apuração – a Corregedoria-Geral do MPF e a Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público. Após vasta análise de provas e informações, foi reconhecida a legalidade do procedimento adotado pelo MPF nos acordos envolvendo a Odebrecht e seus diretores e empregados. Encerrada a apuração, a conclusão da Corregedoria-Geral do MPF foi comunicada ao STF, mas tais documentos não foram mencionados na decisão proferida e precisam ser expressamente analisados.
As Leis Orgânicas do Ministério Público e da magistratura delimitam as autoridades competentes para a investigação da atuação funcional de seus membros, o que é uma garantia ao livre exercício de suas funções constitucionais, a fim de evitar pressões e ameaças advindas de poderes externos. A AGU e o TCU não têm atribuição para investigar membros do Ministério Público e do Judiciário, no exercício de suas atividades finalísticas, e tal proceder não é adequado no estado democrático de direito, justamente para afastar qualquer tentativa de fazer cessar a atuação de órgãos cujas atribuições estão previstas na Constituição Federal.
Por fim, é necessário respeitar-se o trabalho de dezenas de membros do Ministério Público Federal que atuaram no acordo de leniência firmado com a empresa Odebrecht, magistrados de diversas instâncias, policiais federais, agentes públicos da CGU e Receita Federal, dentre outros que agiram no estrito exercício de suas atribuições funcionais, com resultados financeiros concretos, revertidos aos cofres públicos.