PAULO CÂMARA (*)
O governo federal prepara uma ampla reestruturação do setor elétrico. Mudanças vão da suspensão do regime de cotas de energia, implementado na administração anterior, à reformulação de todo o marco legal do setor, por projeto em vias de ser enviado ao Congresso. Passa também pela privatização da Eletrobras, anunciada em agosto em meio a queixas sobre a realidade da empresa, que seria um cabide de empregos sem utilidade.
Privatizações já não causam polêmica. Todas as forças políticas atuantes no país já promoveram desestatizações. No caso da Eletrobras, porém, é preciso examinar as motivações e contexto. E é preciso abrir o debate e dar visibilidade às implicações, que não são pequenas nem simples.
Foi por pensar assim que os governadores do Nordeste enviaram carta ao presidente Michel Temer (PMDB), no último dia 5. No documento, reconhecemos a gravidade do quadro fiscal e defendemos a busca de soluções. Alertamos, porém, que um setor com tamanho impacto sobre a economia não deve, em hipótese alguma, cobrir deficits no caixa do governo.
Pela política de cotas, cerca de 20% da energia hoje alocada no mercado regulado é vendida por valores entre R$ 40 e R$ 80/MWH. Após uma eventual privatização e a suspensão das cotas de energia, as operadoras que substituírem as empresas do grupo Eletrobras ofertarão a mesma energia a preço de mercado, hoje perto de R$ 200/MWH. Sem contar a insegurança jurídica, com quebra dos contratos em vigor.
Assim, embora o governo negue, a mera suspensão da política de cotas terá como consequência imediata um reajuste na conta de luz que pode variar de 7% a 17%, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
E a energia elétrica, é bom frisar, tem peso praticamente igual a transporte/combustível na composição do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Ou seja, o aumento da tarifa onera todas as cadeias produtivas e chega a ser cruel com os mais pobres.
Quanto à privatização da Eletrobras, mais importante do que os R$ 30 bilhões que se espera arrecadar é o que ocorrerá depois, inevitavelmente. Hidrelétricas são máquinas e água represada. Portanto, quem comprar a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) estará adquirindo, como contrapeso, o próprio São Francisco, o rio da integração nacional.
Contra isso já se insurgira o ex-governador Miguel Arraes (PE) por meio de carta ao presidente Fernando Henrique Cardoso (1995) e em artigo publicado nesta Folha (1999).
E contra isso nos posicionamos, mostrando que, consumada a privatização, outros usos da água do Velho Chico – como a irrigação e o abastecimento das cidades da região – estarão limitados por pelo menos 30 anos, mesmo que outras fontes energéticas, como eólica e solar, ganhem peso e permitam a liberação da vazão atualmente comprometida com a geração hidrelétrica.
Para não só criticar, mas também propor soluções, sugerimos a exclusão da Chesf do grupo Eletrobras, transformando-a numa empresa pública, vinculada ao Ministério da Integração Nacional, encarregada de coordenar uma política de desenvolvimento regional.
Sua atuação seria financiada com a manutenção da política de cotas e o ajustamento da tarifa em, no máximo, 1,5% -percentual que, segundo especialistas do setor, garantiria a conclusão do plano de obras já contratado com a Aneel os investimentos em fontes alternativas, além do plano de revitalização dos rios energéticos, elaborado pela ANA (Agência Nacional de Águas).
Mas, o mais importante: pedimos diálogo e transparência. É o mínimo antes que medidas tão extremas sejam implementadas.
(*) Governador de Pernambuco. O artigo foi originalmente publicado no jornal “Folha de S. Paulo”.