Quatro deputados equatorianos já foram confirmados como solicitantes de asilo na embaixada do México em Quito. Três deles com seus respectivos cônjuges.
A deputada Gabriela Rivadeneira, ex-presidente da Assembleia Nacional e líder do Movimento Revolução Cidadã, está na embaixada desde o sábado, dia 12. Os demais deputados que se abrigaram lá são Luis Fernando Molina, Soledad Buendía e Carlos Viteri.
Em material que divulgou, ela denuncia o recrudescimento de ameaças a ela, família e filhos durante os dias do levante popular que acabou dobrando o presidente Moreno e fazendo-o recuar da aplicação das medidas impostas pelo FMI ao povo (aí se inclui o estopim da revolta: corte no subsídio dos combustíveis, elevando os preços em 123%).
No dia 15, assessores informam que o marido da deputada, Luis Flores, veio se juntar a Gabriela na embaixada mexicana.
A decisão pelo exílio, tomada pelos deputados opositores ao neoliberalismo defendido e aplicado por Moreno acontece em um clima de perseguição crescente aos integrantes do Movimento Revolução Cidadã, que apoiaram o levante popular e suas reivindicações, em especial a revogação do decreto 883.
A PERSEGUIÇÃO
Ainda no domingo, dia 13, dia marcado para as negociações entre os líderes indígenas que encabeçaram a sublevação e o governo, em torno de uma “Mesa de Diálogo”, com características “pacificadoras”, segundo o presidente do Equador, foi presa Alexandra Arce, ex-prefeita do município litorâneo de Durán, vizinho a Guayaquil, e militante do movimento.
A acusam de organizar saques em Durán. “Não tomei parte em nenhum delito. Tenho sempre trabalhado pela minha cidade, para protegê-la. Isto não é mais que uma montagem, uma clara perseguição”, declarou.
Poucas horas depois do acordo, já com o recuo governamental e promessa de revogação do decreto 883 anunciados, na madrugada do dia 14, a casa de Paola Pabón, governadora de Pichincha, principal província (equivalente a nosso Estado) do Equador, onde está localizada a capital do país, Quito, foi invadida e ela foi levada presa.
“Deixem o mundo saber. Eles entraram, quebraram a porta, chutaram”, conseguiu ainda denunciar a prefeita Paola Pabón, acrescentando: “Hoje entraram na minha casa de madrugada, derrubaram a porta enquanto eu dormia. Me levaram presa sem provas. Ser oposição em uma democracia não pode ser delito. Não é democracia quando se persegue os opositores políticos desta forma”, escreveu por twitter.
Matéria com os detalhes da agressão à governadora pode sem vista no link: https://horadopovo.com.br/derrotado-por-levante-moreno-retalia-e-prende-governadora-da-oposicao-equatoriana/
A deputada Rivadeneira escreveu uma “Carta Pública” repudiando a intensa pressão que sofreu e a levou a tomar a decisão de se refugiar na embaixada:
“No âmbito pessoal, tenho padecido ao ser seguida de forma extrajudicial nos últimos dias com a presença de agentes da DGI (Dirección General de Inteligencia), carros de polícia, militares e civis diante de minha residência, meu escritório e meus espaços de militância, um verdadeiro cerco e amedrontamento ao qual se somam outros anteriores que denunciei oportuna e publicamente à ministra Romo (Interior) sem obter nenhuma resposta.
“No dia de hoje, 12 de outubro, em meio à militarização e toque de recolher da capital, ordenados pelo governo, e havendo recebido uma série de ameaças, não só a minha integridade, como a de minha família, incluindo meus dois filhos de 12 e 9 anos – o que é inadmissível em meu caso ou no de qualquer pessoa, dado que as diferenças políticas devem ser tratadas com argumentos e com altura, jamais com ameças e, o que é pior, contra os filhos, nem aos meus, nem aos de ninguém – me vi na obrigação de solicitar proteção na embaixada do México conforme o direito que assiste a qualquer pessoa sob perseguição política”.
Seguem os principais trechos da carta-denúncia na qual a deputada acusa Moreno de haver “traído seus eleitores” ao impor as determinações do FMI e de, para mantê-las, ter “rompido com seu compromisso com a democracia”:
“O país inteiro é cenário de uma rebelião indígena e popular, a mais importante das últimas décadas.
“O povo equatoriano protagoniza um levante histórico e massivo frente a um governo que traiu a vontade popular e se converteu em instrumento das corporações de poder econômico e financeiro, rompendo, desde o início, com seu compromisso democrático com a cidadania ao abjurar o programa vencedor e abraçar um único compromisso: levar até as últimas consequências as medidas antipopulares e antinacionais requeridas pelo punhado de interesses que representa.
“O ataque desavergonhado aos direitos dos trabalhadores, com o golpe perpetrado contra a economia das famílias equatorianas, através do anúncio do plano econômico do FMI, foi a gota d’água. O povo disse “Basta!”
Como tantas outras vezes em nossa história, as comunidades se converteram em recurso fundamental de uma resistência legítima e justa. Esse incalculavelmente valioso tecido, composto de memórias de luta e dignidade empreendidas ao longo dos séculos, se reativou para se converter novamente em ponta de lança de todo um povo que não se resigna ao ver seus direitos pisoteados e seu futuro negado.
“Junto aos povos e nacionalidades do Equador que, através de suas organizações comunitárias e sociais, tomaram a dianteira nesta resistência popular, estão também fazendo história trabalhadores e trabalhadoras, jovens e estudantes.
“A rebelião que atravessa todo o Equador vem da base mesma de nosso povo, não responde a nenhuma agenda particular ou plano “golpista”, como, de maneira ridícula e maliciosa, o governo tem se empenhado em apresentar.
Diante dos acontecimentos, a resposta do governo foi desconhecer o verdadeiro caráter do levante e fabricar um relato de negação da realidade que atribui, além de uma disparatada busca de bodes expiatórios, a uma força política [referindo-se ao Movimento Revolução Cidadã, do qual é uma das líderes], a responsabilidade por tais eventos.
“No marco de seu exercício de criminalização da política, o governo voltou-se também contra a oposição com representação parlamentar, com uma estratégia que combina estigmatização com diversas formas de perseguição.
“Com o objetivo de tornar proscrita a participação política do Movimento Revolução Cidadã, nossa direção tem sido alvo, nas últimas horas, de um recrudescimento destas operações persecutórias que, junto ao “regime de exceção” e seu rastro de arbitrariedades e violência, deram as estocadas finais na democracia aparente que vigia até há dez dias.
“No contexto dessa intimidação, assistimos a uma campanha que expõe os rostos dos mais representativos integrantes da Revolução Cidadã como se fossem criminosos, uma campanha feroz de ódio desatada através de cadeias nacionais midiáticas governamentais com a finalidade de nos demonizar e deslegitimar a massiva rebelião do povo equatoriano.
“No âmbito pessoal, tenho padecido ao ser seguida de forma extrajudicial nos últimos dias, com agentes da DGI (Dirección General de Inteligencia), carros de polícia, militares e civis diante de minha residência, meu escritório e meus espaços de militância, um verdadeiro cerco e amedrontamento ao qual se somam outros fatos anteriores que denunciei oportuna e publicamente à ministra Romo (Interior), sem obter nenhuma resposta.
“No dia de hoje, 12 de outubro, em meio à militarização e toque de recolher da capital, ordenados pelo governo, e havendo recebido uma série de ameaças, não só à minha integridade, como a de minha família, incluindo meus dois filhos de 12 e 9 anos – o que é inadmissível em meu caso ou no de qualquer pessoa, dado que as diferenças políticas devem ser tratadas com argumentos e com altura, jamais com ameças e, o que é pior, contra os filhos, nem aos meus, nem aos de ninguém – me vi na obrigação de solicitar proteção na embaixada do México conforme o direito que assiste a qualquer pessoa sob perseguição política”.
A deputada prossegue, agradecendo às amplas manifestações de solidariedade vindas de equatorianos, assim como de lideranças do continente sul-americano e de diversas partes do mundo e declara que “o império do terror, a arbitrariedade, e a mentira devem terminar. O império da prepotência dos poderosos e que creem ser donos do país, das riquezas e das vidas de todos os equatorianos não pode definir nosso futuro enquanto povo”.
“O país merece uma saída democrática que é o que temos proposto, enquanto bancada, desde o início do conflito. Uma saída apegada aos interesses das grandes maiorias sociais e que esteja à altura da dignidade, da solidariedade e do patriotismo demonstrados pelo povo equatoriano nestas jornadas que ficaram na história, porque estão fazendo história”, declara ainda a carta.
Ao final, alerta: “O Equador não quer uma saída pactuada pelo punhado de interesses que nos conduziram a este ponto. A saída vem de baixo, com o povo e a democracia. É a partir da gesta popular que estamos vivendo enquanto país que seguiremos trabalhando para que brote novamente a esperança em uma Pátria que seja abrigo de todo o povo equatoriano.
“Um abraço muito fraterno, Gabriela Rivadeneira Burbano, ex-presidente da Assembleia Nacional do Equador e deputada da bancada da Revolução Cidadã”.