“O vírus replicante não foi detectado no Sputnik V por todos os controles de qualidade, o que corresponde aos padrões mais rígidos, incluindo FDA e outros. Que bom que a Anvisa está começando a esclarecer a confusão que criou”, diz o Instituto Gamaleya
O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, montou um evento na tarde desta quinta-feira (29), na sede da agência, em Brasília, para tentar justificar as afirmações feitas pelo órgão, na reunião do dia 26 de abril, de que a vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, possuía adenovírus replicante em seu interior.
Apesar de a Anvisa já ter admitido que fez essas afirmações sem que tenha realizado nenhum teste nas vacinas que estavam em análise pelo órgão, o presidente da Anvisa insistiu no pretexto usado para negar o pedido de importação do imunizante. O pretexto consiste em documentos do próprio Instituto Gamaleya que teriam informado que havia adenovírus replicante na vacina. Tais documentos chegaram até a ser exibidos, no entanto, não diziam nada disso.
Ao contrário, a informação é de que não havia vírus replicante no produto final. Ou seja, a decisão da Anvisa foi baseada em documentos que eles não entenderam e não na análise concreta das vacinas. Especialistas brasileiros, como o professor Eduardo Costa, da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), por exemplo, já alertavam que a discussão sobre a possibilidade de replicação viral na vacina Sputnik V era uma bobagem.
“Discutir o que o adenovírus poderia fazer, se ele vai voltar a se replicar é uma bobagem, porque, na verdade, o vetor viral não é usado completo, já está modificado”, explicou Eduardo. “Nesse caso é só um vetor (vírus) que foi modificado, inclusive com deleção da capacidade replicante, para levar uma proteína S do coronavírus. Esse é o processo básico que é usado nesta técnica de vetor viral, inclusive na da AstraZeneca que a ANVISA não questionou”, disse Costa.
Em vários documentos e oportunidades os pesquisadores russos explicaram que há no processo de fabricação de sua vacina um moderno sistema de quatro filtros que garante a ausência de vírus replicante no produto final, ou seja, no imunizante Sputnik V. O produto final desenvolvido pela Gamaleya, a Sputnik V não foi sequer analisado pelos técnicos a Anvisa.
Os pesquisadores do Instituto Gamaleya já haviam alertado que os técnicos e diretores da Anvisa fizeram uma grande confusão na análise dos documentos. Não entenderam nada do que fora dito e tiraram conclusões apressadas e equivocadas.
Mesmo numa reunião entre técnicos brasileiros e russos, que Barra Torres mostrou no evento para justificar sua posição, fica claro que os russos estavam tentando explicar que as normas gerais do Instituto sobre o número mínimo de vírus replicantes presentes no processo de fabricação da vacina não significava a presença do vírus no produto final.
Coincidentemente, porém, e não por acaso, as conclusões a que os diretores da Anvisa chegaram estavam em perfeita sintonia com a sabotagem que Jair Bolsonaro vem conduzindo contra as vacinas de forma geral e, também, com as pressões exercidas pelo governo dos EUA no sentido de que o Brasil não adquirisse a vacina da Rússia. Essas pressões tornaram-se públicas recentemente (leia mais).
Imediatamente após o comunicado da Anvisa, o Instituto Gamaleya, através de sua conta no twiter, emitiu uma nota com o seguinte teor. “Em entrevista coletiva hoje, a Anvisa confirmou que não encontrou nenhum adenovírus replicado (RCA) no Sputnik V, mas se preocupou com o limite regulatório teórico russo para esse parâmetro. Portanto, o RCA não foi detectado no Sputnik V por todos os controles de qualidade, o que corresponde aos padrões mais rígidos, incluindo FDA e outros. Que bom que a Anvisa está começando a esclarecer a confusão que criou”, diz a nota.
Elaboraram um laudo que vetou a vacina sem pesquisar. Um vexame. A direção da Anvisa preferiu se basear na FDA (agência americana) que também tem uma norma geral de presença de vírus replicantes em produtos modificados – não específico para vacinas – diferente da dos russos. Só que a análise tinha que ser feita na vacina e isso a Anvisa não fez. Os representantes russos repetiram várias vezes que a vacina passava por um sistema de quatro filtros e que o produto final não continha esses vírus replicantes.
Gustavo Santos, técnico responsável pelo laudo, já tinha admitido publicamente que esses testes não foram feitos. Mas, mesmo assim, Barra Torres insistiu no erro, chegando inclusive a agredir o Instituto Gamaleya durante a sua apresentação, pelo fato de ter anunciado que vai entrar na Justiça brasileira contra a Anvisa por divulgar informações falsas sobre a vacina.
O que ficou neste evento desastroso é que, para preservar o que resta da boa imagem da Anvisa nos meios científicos, é necessário que eles revejam o mais rapidamente possível o erro grosseiro que cometeram
Em comunicado anterior, que publicamos na íntegra, o Instituto de pesquisa russo já tentava convencer a direção da Anvisa de seus equívocos
1 – O Centro Gamaleya, que realiza um controle de qualidade rigoroso de todos os locais de produção da Sputnik V, confirmou que nenhum adenovírus competente para replicação (RCA) foi encontrado em qualquer um dos lotes de vacina Sputnik V que foram produzidos. Os controles de qualidade existentes garantem que nenhum RCA possa existir na vacina Sputnik V. Antes da inspeção a equipe da Anvisa recebeu ofício do Centro Gamaleya datado de 26 de março de 2021 que diz claramente: “Além disso, gostaríamos de informar que durante a liberação da vacina no local do Centro e no local do contrato do JBC Generium, nem um único lote contendo RCA foi registrado.”
2 – A qualidade e segurança da Sputnik V são, entre outras coisas, garantidas pelo fato de que, ao contrário de outras vacinas, ela usa uma tecnologia de purificação de 4 estágios que inclui dois estágios de cromatografia e dois estágios de filtração de fluxo tangencial. Esta tecnologia de purificação ajuda a obter um produto altamente purificado que passa pelo controle de qualidade obrigatório, incluindo controle de RCA ou de presença de qualquer aditivo. O controle para RCA é realizado não apenas para o produto acabado, mas também em todas as etapas da produção, incluindo a semente viral. A equipe da Sputnik V acredita que sua tecnologia de purificação é a melhor entre todas as vacinas e é um dos pilares para a segurança da vacina.
3 – Apenas os vetores adenovirais não replicantes do tipo E1 e E3, que são inofensivos para o corpo humano, são usados na produção da vacina Sputnik V.
4 – A equipe da Anvisa em Moscou teve pleno acesso a todos os documentos relevantes, bem como aos locais de pesquisa e produção. Todos os documentos e dados científicos pertinentes, bem como o acesso direto aos cientistas do Centro Gamaleya responsáveis pelo desenvolvimento das vacinas, foram disponibilizados para a equipe da Anvisa.
5 – Em resposta às dúvidas sobre a validação dos processos de esterilização, as unidades fabris que estavam sendo inspecionadas forneceram protocolos de avaliação de risco e também a carta oficial de compromisso que dizia claramente que a validação da filtração esterilizante será realizada e os resultados serão fornecidos à ANVISA.
6 – O escopo da inspeção incluiu apenas os dois locais de produção dos quais estão planejadas as entregas para o Brasil.
A segurança e eficácia da Sputnik V foram confirmadas por 61 reguladores em países onde a vacina foi autorizada com uma população total de mais de 3 bilhões de pessoas. O estudo do mundo real na Rússia após a vacinação de 3,8 milhões de pessoas demonstrou a eficácia da Sputnik V em 97,6%. Ao contrário de outras vacinas, não houve casos de trombose do seio venoso cerebral (CVST) durante o uso da Sputnik V.
Assista ao vídeo com as justificativas de Barra Torres