
Com metáforas ou de maneira mais direta, o tom contra as injustiças sociais, contra os descalabros do atual comando do país, um chamamento à luta e à resistência também marcaram o último dia de desfiles na Sapucaí.
Nessa pegada, a homenagem que a Mocidade Independente de Padre Miguel fez à cantora Elza Soares, no alto dos seus quase noventa anos (a idade é incerta), não poderia ser mais pertinente.
Símbolo de resistência e luta em todos os seus matizes – mulher, negra, nascida e criada muito pobre na favela, filha de lavadeira, vítima de abusos e truculências machistas desde a infância, casada obrigada aos 13 anos, mãe de oito filhos, julgada pelo seu relacionamento com o jogador Garrincha, quando foi taxada de “destruidora de lares”, Elza Soares deu a volta por cima diante das adversidades e, com sua voz rasgada e interpretações únicas, muita garra e muita força, conquistou o Brasil e o mundo.

A representação de uma favela abriu o desfile da Mocidade dando início à trajetória da cantora, que passou orgulhosa e emocionada no alto do último carro.
Como muito bem diz a letra do samba-enredo de autoria de Sandra de Sá, Igor Viana e mais seis compositores : “Brasil, enfrenta o mal que te consome/ Que os filhos do ‘planeta fome’/ Não percam a esperança em seu cantar/ Ó, nega, ‘sou eu que te falo em nome daquela’/ Da batida mais quente, o som da favela/ É resistência em nosso chão”.
Já a São Clemente, primeira escola a desfilar, logo de cara, de maneira bem humorada e irreverente, falou de trambiques, de corrupção e das fake news que dominaram a última eleição presidencial.
Com samba-enredo assinado por Marcelo Adnet e mais sete parceiros, em sua estreia na avenida o humorista falou em “lobo em pele de cordeiro”, de laranjal, de um país que “caiu na fake news”, mas também anunciou que é preciso acreditar, que o povo chegou e que “a maré vai virar”.
O humorista desfilou em um carro alegórico e com fantasias que faziam referência a Bolsonaro, trazendo faixas com as frases “tá ok?”, “a culpa é do Leonardo di Caprio” e “acabou a mamata”, além de imitar o presidente fazendo gestos como se estivesse com uma arma na mão.

Outro destaque foi o Salgueiro, que transformou o Sambódromo em um grande picadeiro, resgatando a história do primeiro palhaço negro do Brasil, Benjamim de Oliveira. A escola, que tem tradição em resgatar e homenagear grandes figuras e heróis da cultura afro-brasileira – já levou para a avenida enredos sobre Chica da Silva e Zumbi dos Palmares, entre outros -, fez um desfile alegre e lúdico para falar do artista, praticamente desconhecido, que também era cantor, compositor e produtor. “Há esperança entre sinais e trampolins/ e a certeza que milhões de benjamins/ estão no palco sob luzes da ribalta/ Salta menino!/ A luta me fez majestade/ Na pele, o tom da coragem/ Pro que está por vir…/ Sorrir é resistir”, diz a letra do samba.

A Unidos da Tijuca veio para falar de sonhos e arquitetura, enredo um tanto confuso, mas que também falou de sustentabilidade e, de certa forma, do lugar do homem nesse Brasil de grandes obras, mas onde uma imensa maioria de pessoas moram em condições precárias e do sonho que todos têm de morar com dignidade.
A Vila Isabel foi outra que trouxe um enredo confuso, que junta uma lenda indígena para contar a história da construção de Brasília e de um índio chamado Brasil. Coisas de carnaval que, no entanto, encheu os olhos de todos com um belo espetáculo estético, de luzes e cores.