No último dia 10 de agosto, um grupo de pesquisadores da área da saúde coletiva lançaram um livro em que discutem a importância dos consórcios públicos de Saúde como alternativa para maximizar a regionalização, cobertura e acesso à saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
O livro, intitulado “Consórcios Públicos de Saúde”, propõe uma discussão desse modelo de gestão se apresentando como um guia prático para entender a função e a importância dos consórcios públicos para a gestão da atenção especializada nas micro e macro regiões de saúde do SUS.
O lançamento nacional foi feito em live no Youtube com a presença dos organizadores: Carlos Eduardo Siqueira, Fabiano Tonaco Borges, Brunna Raphaelly Amaral da Silva, Raimundo José Arruda Bastos e além do debatedor convidado, Nelson Rodrigues dos Santos, líder histórico da luta pela democracia bem como da Reforma Sanitária.
Nelson, professor aposentado do departamento de Saúde Coletiva da Unicamp, destacou que o atual SUS e o modelo que foi pensado na 8ª Conferência Nacional de Saúde, e mesmo o texto que foi aprovado na Constituição Cidadã, são coisas completamente diferente devido ao longo processo de subfinanciamento a que o Sistema Único de Saúde brasileiro foi submetido nos últimos 30 anos.
“Nos Estados de Bem-Estar Social, surgidos até uns 15 anos após a Segunda Guerra, a regionalização se tornou uma das diretrizes essenciais para a consolidação de seus modelos universais de saúde. Nesses países, esses modelos se consolidaram entre 10 e 20 anos. Em todos esses países, sem exceção, as centrais sindicais lideraram os movimentos para garantia de saúde da população”, disse Nelson.
O movimento sanitário brasileiro também se desenvolveu pelo movimento social, a partir da transferência das populações mais pobres às periferias das grandes cidades, carentes de acesso e cuidado à saúde. “Foi então nos municípios que surgiu o movimento sanitário brasileiro, dos demais países, com a regionalização sendo mais discutida na 8ª Conferência de Saúde com as demais diretrizes do SUS (Universalidade, Integralidade e Equidade), mas logo abraçada por todo movimento sanitário brasileiro. Isso pela compreensão de que é na região [de saúde] que o direito à saúde se completa”, disse.
Os consórcios, então, são um modelo de gestão compartilhada pelos entes da Federação, fortalecendo a regionalização do SUS com a perspectiva de ampliação do acesso à saúde. Apresentam-se como entidades públicas sem fins lucrativos, instituídas por dois ou mais entes federados (União, estados e/ou municípios) para dar conta da oferta de determinado serviço público, no caso, a Saúde. Pode ser instituído como uma autarquia interfederativa; uma associação pública; ou como pessoa jurídica de direito privado.
Na sinopse do livro, os Doutores Nésio Fernandes e Arruda Bastos afirmam que “os Consórcios Públicos de Saúde são mais uma experiência exitosa de gestão interfederativa que o SUS produziu. Neste livro, as leitoras e os leitores encontrarão um guia prático para entender a função e a importância dos consórcios públicos para a gestão da atenção especializada nas micro e macro regiões de saúde do SUS”.
O livro se propõe a responder três perguntas: Os Consórcios Públicos de Saúde são uma alternativa viável para maximizar a regionalização da saúde no Brasil? Como estabelecer um consórcio? Quais os principais desafios enfrentados pelos consórcios?
Carlos Eduardo Gomes Siqueira, professor aposentado da Universidade de Massachusetts, destacou que “muita gente tem medo de falar que o SUS real não é o SUS ideal que a gente aprovou, e tem uma razão para isso. O que a gente observa é que, as deficiências que ele tem, é porque foi boicotado desde o princípio e tem uma razão para isso. No pós-guerra o que se teve foram as sociedades do bem-estar social. Depois da década de 1980 [ascensão do neoliberalismo como ideologia hegemônica] o que se teve foi as sociedades do mal-estar social. Tratando do ponto de vista dialético, o que vem predominando desde que o SUS se tornou uma política de Estado foi o boicote da sociedade de bem-estar social que o SUS representava”.
“Isso ficou evidente com o projeto de Teto de Gasto, fruto da ideia de se ter um SUS pobre para o pobre e um ‘SUS’ rico para o rico, centrado na saúde privada, separando a população em cidadãos de primeira e segunda classe. Mas o Brasil foi ousado. Enquanto outros países pensaram em serviços nacionais de saúde, como no modelo inglês, nós pensamos em um sistema nacional de saúde”.
Carlos Eduardo destacou, ainda, que desde a década de 1990 as sucessivas derrotas políticas do campo progressista e a consolidação do ideário neoliberal no Brasil venderam ao povo o falso discurso de que o privado é melhor. “Isso fez com o que um conjunto da classe trabalhadora não tivesse consciência de que esse SUS das empresas privadas não interessa ao conjunto da população porque ele se baseia, justamente, no modelo de países que não querem um sistema de saúde pública, como é o caso dos EUA. Acho que os consórcios são uma avanço nessa direção [de uma saúde pública integral]”, disse.
“A resistência à privatização do SUS existe e sempre existiu. Perdemos muito dos recursos nos últimos quatro anos, mas vamos recuperar. O SUS nunca esteve tão popular como agora, por conta de seu papel essencial durante a pandemia. Na hora que a classe trabalhadora realmente precisou, quem esteve lá foi o SUS. O SUS só vai ser o que precisamos quando o povo estiver convencido de que ele seja hegemonicamente público. O consórcio é uma ferramenta fundamental nesse processo”, completou.
Os autores destacam, entre outros pontos, a ação dos Consórcios como modelo de associação federativa. Entre os temas abordados estão: 1) o protagonismo científico e sanitário do Consórcio Nordeste; 2) a mobilização da Frente Nacional de Prefeitos. Mais de duas mil cidades de todas as regiões do país formaram o Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras: o Consórcio Conectar, que também é analisado no livro.