
O estudante brasileiro de ensino médio em Massachusetts, Marcelo Gomes da Silva, de 18 anos, da Milford High School, que havia sido arbitrariamente preso pela milícia anti-imigração norte-americana (ICE) quando levava três colegas para o treino de vôlei do time da escola, foi solto no dia 5, depois de seis dias em um centro de detenção improvisado, dormindo no chão de cimento, após audiência e pagamento de fiança de US$ 2.000.
Milford é uma cidadezinha de 30 mil habitantes, a cerca de 60 km de Boston, onde Marcelo vive com a família desde que tinha cinco anos de idade. A libertação de Marcelo vinha sendo exigida por estudantes e professores da Milford High School, que realizaram uma manifestação no dia seguinte à sua prisão, protesto que recebeu o apoio da governadora Maura Healey.
Os estudantes da turma de 2025 marcharam de beca direto da cerimônia de formatura, à qual Marcelo, que estava escalado para tocar bateria, foi impedido de estar presente.
Sua namorada, Julianys Rentas, que se formou, disse que Marcelo “é um bom garoto e não fez absolutamente nada de errado”. “Muitos estudantes estão vivendo com medo do ICE. Não há um padrão, então ninguém sabe quem será o próximo”, ela acrescentou.
“Esse aluno deveria estar em um treino de vôlei com os colegas”, disse Nick Molinari, presidente da Associação de Professores de Milford.
“Em vez disso, agentes do ICE o transformaram em alvo, num ato deliberado de crueldade, traumatizando sua família, amigos e colegas. Isso é imoral, desnecessário e deve ser amplamente condenado. Não vamos ficar calados enquanto os direitos e a humanidade dos nossos estudantes são violados.”
“Estou exigindo que o ICE forneça informações imediatas sobre porque ele foi preso, onde ele está e como seu devido processo está sendo protegido. Meu coração está com a comunidade de Milford em um dia que deveria ser de celebração. A administração Trump continua a espalhar medo em nossas comunidades e isso nos torna todos menos seguros.”, disse a governadora, logo após tomar conhecimento da prisão.
“Devastador isso estar acontecendo em nossa comunidade com crianças boas, que vão à escola e fazem a coisa certa”, afirmou Laurie Cunningham, mãe de um estudante. Ela agradeceu a presença de “tantas pessoas por Marcelo”. Motoristas que passavam pelo local demonstraram apoio buzinando durante o protesto.
Segundo um estudante que estava no carro com Marcelo rumo ao treino, eles foram abordados por 3 veículos sem identificação e revistados, e apenas Marcelo, que dirigia, foi capturado. Segundo ele, o grupo não cometeu nenhuma infração de trânsito.
Marcelo chegou legalmente aos Estados Unidos em 2012 com um visto de visitante que posteriormente se transformou em visto de estudante, disseram seus advogados. Não está claro quando esse visto expirou. Ele não tem antecedentes criminais.
Entre fevereiro e maio, cerca de 800 brasileiros foram deportados, sendo 293 em três voos fretados pelo governo dos EUA.
DORMINDO NO CHÃO DE CIMENTO
A advogada de Marcelo, Robin Nice, detalhou as condições às quais o adolescente foi submetido no centro do ICE improvisado em um prédio comercial de Burlington, Massachusetts. “A unidade de Burlington (Massachusetts) não é um centro de detenção, é uma cela de detenção”, disse Nice ao USA Today após uma audiência em 5 de junho.
“Ele está detido em condições horríveis às quais ninguém deveria ser submetido: dormindo no chão de cimento apenas algumas horas por noite”, disse Nice, mas foi interrompida pela juíza de imigração Jenny Beverly, que afirmou que a audiência não era o local adequado para levantar tais questões.
Ao ser liberado da custódia, Marcelo descreveu suas condições. “Não quero chorar, mas quero dizer que aquele lugar não é bom”, disse o adolescente de Milford em uma coletiva de imprensa.
Ele relatou ter sido mantido em confinamento fechado com vários homens adultos, com pouca comida e acesso a higiene. “Não tomo banho há seis dias”, disse Marcelo. “Às vezes, nosso almoço e jantar eram biscoitos. E eu dividia com as pessoas de lá, porque eles são como todos os homens de 35 anos que têm filhos e, obviamente, eles comem mais do que eu, então eu dava comida a eles, eu dividia com eles”.
No dia da audiência, dezenas de estudantes e amigos se manifestaram, junto da corte, pela liberdade para Marcelo. Como procedimento padrão da Homeland, o garoto terá de usar tornozeleira até decisão final sobre seu status nos EUA.
SEQUESTROS “COLATERAIS”
A arbitrariedade de que Marcelo foi vítima é o que o governo Trump vem chamando de “prisões colaterais” das batidas realizadas pela milícia de fronteira fortemente armada. Eles supostamente buscam alguém, mas pegam qualquer um sob qualquer pretexto.
“Acho ofensivo chamar a prisão de um jovem de 18 anos sem antecedentes criminais de prisão colateral”, disse a advogada de Marcelo, em uma coletiva de imprensa em 5 de junho. “Isoo não é uma prisão colateral. Ele é um jovem.”
Como visto nos últimos dias em Los Angeles, trata-se virtualmente de sequestros de pessoas contra as quais não há mandatos nem qualquer acusação, servindo para cumprir a estatística de ‘3.000 imigrantes por dia’, determinada pela Casa Branca, em sua cruzada xenófoba contra os latinos e outros não-brancos que entram pela fronteira sul.
No caso, estavam em busca do pai de Marcelo, João Paulo Gomes-Pereira, supostamente um imigrante sem documentos mas sem qualquer problema com a justiça.
Prisões “colaterais” cuja culpa o czar da fronteira de Trump, Tom Homan, atribui às cidades-santuário, aquelas que aprovaram legislação proibindo a caça indiscriminada a imigrantes. Segundo ele, as cidades-santuário os obrigam a “ir ao bairro” para “encontrar bandidos” e muitas vezes eles “estão com outras pessoas”. Registre-se o esforço de “moderação” de Homan sobre os alvos, aos quais seu chefe na Casa Branca descreve cotidianamente como “assassinos e estupradores”.
O Homeland alegou que o pai de Marcelo é uma “ameaça à segurança pública”. No entanto, os registros do tribunal distrital não mostram acusações criminais contra Gomes-Pereira, apenas acusação retirada por um juiz após ele pagar uma multa por uma infração de trânsito.
Por orientação da advogada, os familiares não estavam presentes na audiência, para evitar serem presos, como tem ocorrido repetidamente desde a posse de Trump. Marcelo participou por videoconferência.