
Números oficiais recém-divulgados pela Prefeitura de São Francisco, nos Estados Unidos, apontam a existência de 8.011 sem-teto na cidade de 800 mil pessoas, um crescimento de 17% nos últimos dois anos e agora atinge um em cada cem habitantes.
Embora o número seja muito inferior ao de Los Angeles, com 50 mil pessoas desabrigadas, ou Nova Iorque, com 75 mil – conforme dados de 2017 do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA – proporcionalmente São Francisco é quem registra as maiores altas e onde a situação tem se agravado, como registra Pablo Ximenes de Sandoval em reportagem publicada pelo El País.
Diante do caos, que já deixou milhares de vítimas colaterais, a Prefeitura anunciou que vai construir lugares de serviços integrais para os sem-teto, os chamados Navigation Centers, enquanto o governo do estado da Califórnia prometeu uma injeção de recursos contra a pobreza aguda.
O grande nó da questão em São Francisco é a forte oposição dos moradores da cidade onde o custo médio de uma casa é de US$ 1,6 milhão (R$ 6,4 milhões de reais), “e ninguém quer que a sua própria seja desvalorizada”. “Pelas ruas, veem-se os novos banheiros portáteis instalados pela Prefeitura, pois a situação nas calçadas é também um problema sanitário. É normal observar seringas, fezes e preservativos a poucos passos das ruas mais turísticas da cidade”, descreve o artigo. De acordo com a encarregada da comunicação do São Francisco Tourist Board, o lobby turístico da cidade, esta situação de miséria extrema, bastante visível na península, é a “principal preocupação expressa pelas pessoas que visitam São Francisco”.
O diagnóstico da reportagem é claro: “a miséria é vista em toda esquina, incluindo nas zonas mais turísticas”. “São duas a tarde de um dia de maio e, na esquina das ruas Mission e 16, dois jovens enchem uma seringa agachados contra uma parede. Não se escondem, estão na calçada, e ao lado deles a vida continua normal – passam estudantes e até bebês em carrinhos. Do outro lado do quarteirão há uma escola primária e, a poucos passos dali, bares e restaurantes que estão na moda. A cerca de 20 minutos a pé ficam a sede do Uber e a Prefeitura, na rua Market, a artéria de São Francisco por onde passam ao redor de 25 milhões de turistas por ano”.
Um dos muitos sem-teto ouvidos foi Orlando Webb, “um homem que leva todos os seus pertences num cesto de lixo, improvisa um sanduíche e encolhe os ombros quando lhe perguntam por seus vizinhos de calçada”. Com 56 anos, Webb perdeu sua mãe, único familiar que lhe restava, e o emprego de supervisor na empresa ferroviária. Após ter gasto US$ 9.000 (R$ 36.000) em hotéis modestos, foi parar na rua, onde já perdeu vários dentes. Diz que nenhuma esmola vai tirá-lo das calçadas. “Não se trata de dinheiro. Basta ter uma oportunidade”, diz Webb.
Para Ruth Núñez, diretora de serviços prestados aos sem-teto pelo Centro de Saúde do Bairro da Missão e Vizinhança (Mission Neighborhood Health Center), instituição onde os sem-teto podem descansar e lavar a roupa de dia, e que ajuda a providenciar lugares onde possam comer e dormir, o perfil de grande parte dos que procuram ajuda não é de marginalizados ou com problemas mentais, que também existem, mas “pessoas que viveram aqui a vida toda e passaram por algo em determinado momento”, terminando na rua. “Vemos famílias e adolescentes nos albergues.” Nem sequer seriam pobres em outro lugar. “Muitos dos que vêm aqui têm trabalho, mas não têm casa”, diz Núñez. Em outras cidades eles teriam algum lugar para onde se mudar. Em São Francisco, não.
É comum nesta bela cidade um proprietário expulsar os inquilinos da vida inteira para multiplicar sua renda ou vender o edifício e fazer apartamentos novos onde o aluguel mensal de um quarto gira em torno de 3.600 dólares (14.400 reais), forçando as pessoas a se mudarem para 80 quilômetros dali.
“O problema dos sem-teto em São Francisco não é novo”, afirma a diretora. O que acontece, avalia Núñez, é que já não restam edifícios de aluguel baixo para morar, nem praticamente nenhum lugar sem urbanizar. “Nos lugares onde antes ninguém queria viver agora há apartamentos que custam milhões de dólares”, informa. Não apenas há mais pessoas sem casa; elas “já não têm onde se esconder. Acredito que seja uma crise de todo o país, onde as pessoas que têm dinheiro estão bem e as demais podem ficar sem casa a qualquer momento”.