A pandemia de coronavírus reduziu a expectativa de vida no Brasil em 1,94 ano, segundo o estudo “Redução na expectativa de vida no Brasil em 2020 após a Covid-19” feito em parceria de pesquisadores da Universidade Harvard e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A pesquisa publicada em versão preliminar, sem revisão de outros especialistas da área, observou que o impacto da pandemia na expectativa de vida no nascimento e aos 65 anos, já que idosos são as maiores vítimas da Covid-19.
“O número de mortos por covid-19 no Brasil em 2020 foi catastrófico. Nos Estados, os ganhos de longevidade alcançados ao longo de anos ou mesmo décadas foram revertidos pela pandemia”, afirmam os cientistas.
O decréscimo que a Covid-19 causou na esperança de vida brasileira em 2020 foi 72% maior que o observado nos Estados Unidos, líder de mortes pela doença no planeta.
O trabalho indica que, nos últimos 20 anos, o Brasil havia ganhado cerca de 6,94 anos em expectativa de vida ao nascer. A alta mortalidade causada pela pandemia fez com que a expectativa de vida ao nascer caísse 28%, fazendo com que o país retornasse aos níveis registrados em 2013.
A queda na expectativa de vida foi registrada de forma mais acentuada entre os homens (1,98 ano) do que entre mulheres (1,82 ano). O resultado aumentou em 2,3% e 5,4% a lacuna entre homens e mulheres na expectativa de vida ao nascer e aos 65 anos, respectivamente.
O Distrito Federal foi a unidade federativa que mais teve queda na expectativa de vida ao nascer (3,68 anos), seguido por Amapá (3,62 anos), Roraima (3,43 anos) e Amazonas (3,28 anos).
Antes da pandemia, a diferença entre a maior e a menor expectativa de vida nos Estados era de 8,54 anos. Com a pandemia, aumentou para 9,15 anos. No cálculo dos cientistas, Santa Catarina tem a maior expectativa (78 anos), e Roraima, a menor (69 anos).
O estudo afirma que a ação do governo federal na pandemia contribuiu para o cenário: “A falta de uma resposta coordenada, rápida e equitativa informada pela ciência, bem como a promoção de desinformação, têm sido a marca registrada da atual administração”.
INDICADORES
A esperança de vida ao nascer é um indicador que reflete o potencial de sobrevivência da população, dadas as características demográficas. Serve para responder a uma pergunta hipotética: se uma pessoa que nasceu em um dado ano fosse submetida, ao longo da vida, às condições de mortalidade observadas naquele mesmo ano, por quanto tempo ela sobreviveria?
Para calcular a esperança de vida, os pesquisadores coletam informações sobre a mortalidade do país em um ano específico – número de mortes, idade e sexo dos mortos. Depois, a curva de mortes é padronizada e os pesquisadores chegam a um número.
Os pesquisadores explicam que isso não significa que todas as pessoas vão observar essas taxas na vida real. Ou seja, os nascidos em 2020 não vão necessariamente morrer aos 75 anos.
Mas essa é a melhor maneira que os especialistas encontraram para acompanhar a evolução da mortalidade no mundo e comparar indicadores de saúde em vários locais diferentes.
A expectativa de vida também tem aplicações práticas importantes: é um dos parâmetros usados para calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
É normal que crises sanitárias e humanitárias reduzam os índices vitais. A pandemia de gripe espanhola, no início do século XX, reduziu a expectativa nos Estados Unidos entre 7 e 12 anos. Assim que essas crises são superadas, geralmente há um repique que logo corrige a esperança de vida perdida.
Mas, no caso da Covid-19 no Brasil, os pesquisadores argumentam que a situação não vai se estabilizar rapidamente. Primeiro porque o país atualmente atravessa o pior momento da pandemia. Com o sistema de saúde em colapso, a atenção básica não é capaz de diagnosticar e tratar outras doenças – e essa paralisia cobra um preço.
Os pesquisadores estimam que só a redução dos tratamentos de tuberculose e HIV pode aumentar a mortalidade pelos próximos cinco anos. Em 2020, 20% das crianças deixaram de se vacinar contra hepatite B, poliomielite e outras enfermidades.
Além disso, relatos de sequelas deixadas pela Covid-19 nos pacientes que sobrevivem continuam crescendo. Isso inclui fadiga, complicações neurológicas, pulmonares e cardiovasculares que podem trazer complicações a longo prazo.
A crise econômica, que eleva os níveis de pobreza e desigualdade, também pode afetar os indicadores de saúde no Brasil nos próximos anos. O fim do auxílio emergencial aumentou o número de pessoas abaixo da linha da pobreza. Atualmente, cerca de 27 milhões de brasileiros estão nessa situação – o que corresponde a 12,8% da população.
Os pesquisadores lembram que a perda de renda pode reduzir o acesso aos serviços de saúde e aumentar os índices de mortalidade infantil. “O que vai acontecer no longo prazo depende de como o cenário da Covid-19 vai se desenrolar nos próximos meses. No ano passado, quando as mortes estavam em declínio, não fizemos nada para conter a segunda onda”, afirmaram.
“Se continuarmos sujeitos a isso, sem impedir a transmissão do vírus, podemos ter esses efeitos se arrastando por um período cada vez mais longo.”
MAIS ÓBITOS QUE NASCIMENTOS
Pela primeira vez na história, o Brasil pode registrar mais óbitos que nascimentos. Em abril deste ano, até o dia 13, a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) registrou 61.540 óbitos no país e 63.760 nascimentos – um saldo positivo de apenas 2.220 vidas.
Os dados para esse período ainda não estão consolidados, mas indicam uma tendência perigosa. “Demograficamente, isso não é normal para o Brasil e está diretamente ligado ao excesso de mortalidade que estamos tendo por causa da pandemia”, explicam.
A estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) era que esse cenário só aconteceria em 2047, com a progressiva mudança na pirâmide etária brasileira. O choque demográfico causado pela Covid-19 pode antecipar esse processo de maneira brusca. “Não era para isso acontecer agora”, concluem os pesquisadores.
Em algumas cidades, o saldo negativo de vidas já é uma realidade. No ano passado, Rio de Janeiro e Porto Alegre registraram mais mortes que nascimentos, um cenário inédito nos registros da Arpen, o que os especialistas chamam de crescimento vegetativo negativo.
A capital carioca, já com dados consolidados, fechou 2020 com saldo negativo de 4,6 mil habitantes e bateu recorde de mortes registradas no portal da Arpen – consequência direta da pandemia de Covid-19.
O Rio de Janeiro chegou a ser a capital com a maior taxa de mortes pela doença a cada 100 mil habitantes no Brasil. Atualmente, todas as regiões da cidade estão sob risco muito alto de infecção e a tendência é que o morticínio prossiga em 2021.
No mês de abril, até o dia 13, 19,4 mil óbitos foram registrados no município, e apenas 17,5 mil nascimentos.
Veja o estudo na íntegra (em inglês):