
A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) se solidarizaram com o professor universitário que foi atacado por um grupo de bolsonaristas na formatura de seus alunos após dizer, como paraninfo, que Bolsonaro é inimigo da democracia e do jornalismo.
As entidades afirmaram que “repudiam toda e qualquer forma de ataque à liberdade de expressão e de pensamento”.
O professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Felipe Boff, foi paraninfo da turma de jornalismo e comunicação. Em seu discurso, disse que “a imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar”. Para a sua segurança, a Unisinos providenciou uma escolta na sua saída. Mas o professor garantiu que não houve mais problemas após o que aconteceu na formatura.
“Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece”, disse em seu discurso.
Um grupo de bolsonaristas presentes começou a vaiar e hostilizar o professor, que foi aplaudido de pé e defendido pelos colegas e alunos da Universidade. Para a Fenaj e o Sindjors, a atitude dos bolsonaristas presentes “representa uma intimidação à atividade profissional e é condenável”.
Boff lembrou dos ataques de Jair Bolsonaro contra a jornalista Patrícia Campos de Mello, da Folha de S. Paulo, que investigou o disparo em massa de mensagens durante as eleições de 2018.
Bolsonaro repetiu a história mentirosa de Hans River do Nascimento, funcionário de uma das agências que Patrícia investigou, na qual a jornalista teria se insinuado sexualmente para conseguir declarações.
A Folha de S. Paulo divulgou prints da conversa entre os dois, que mostram que foi Hans quem convidou Patrícia para um show, e que ela ignorou.
“Ela queria um furo. Ela queria dar um furo [pausa, pessoas riem] a qualquer preço contra mim”, disse Bolsonaro, referindo-se a Patrícia.
Outra vítima citada foi a jornalista Vera Magalhães, colunista do Estadão, que denunciou Bolsonaro por convocar a manifestação do dia 15 pelo seu WhatsApp. A partir daí, Bolsonaro insultou várias vezes a jornalista.
O professor citou o levantamento feito pela Fenaj que mostra que Bolsonaro atacou os jornalistas em média dez vezes por mês.
“O presidente incita esse tipo de atitude, de censurar, de tentar calar jornalistas na marra. Se a maior autoridade da nação se sente à vontade para xingar jornalistas, por que o seu apoiador não se sentiria?”, disse o Boff à Folha de S. Paulo.
O discurso, disse ele, “é para despertar as pessoas a também defenderem a imprensa, já que amanhã podem ser as novas vítimas”.
A reitoria da Unisinos divulgou nota apoiando o professor:
Como instituição suprapartidária e defensora dos princípios democráticos, a Unisinos, cumprindo seu papel de universidade, respeita as mais diversas posições, constituindo-se como um espaço em que se preserva e se estimula a pluralidade de ideias. Sendo assim, a Universidade esclarece que, nas cerimônias de colação de grau, os professores escolhidos pelos alunos para representá-los como paraninfos têm o direito de fazer uso da palavra e liberdade para se expressarem conforme suas convicções pessoais”.
Leia o discurso do professor na íntegra, que foi interrompido várias vezes pela claque bolsonarista:
A imprensa brasileira vive seus dias mais difíceis desde a ditadura militar. Entre 1964 e 1985, jornalistas foram censurados, perseguidos, presos, torturados e até assassinados, como Vladimir Herzog. Hoje, somos insultados nas redes e nas ruas; perseguidos por milícias virtuais e reais; cerceados e desrespeitados por autoridades que se sentem desobrigadas de prestar contas à sociedade. Todos sabem – mesmo aqueles que não acompanham as notícias – quem é o principal propagador dessa ameaça crescente à liberdade de imprensa. É o mesmo que também considera como inimigos os cientistas, professores, artistas, ambientalistas – como se vê, estamos bem acompanhados.
No ano passado, segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas, o presidente da República atacou a imprensa 116 vezes em postagens nas suas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas. Um ataque a cada 3 dias.Querem exemplos? “É só você fazer cocô dia sim, dia não.” “Você está falando da tua mãe?” “Você tem uma cara de homossexual terrível.” “Pergunta pra tua mãe o comprovante que ela deu para o teu pai.” É dessa forma chula e rasteira que o presidente da República, a maior autoridade do país, costuma responder aos jornalistas. Seus xingamentos tentam desviar a atenção das respostas que ele ainda deve à sociedade. Nos casos citados, explicações sobre o retrocesso da preservação ambiental no país, sobre os depósitos do ex-assessor Fabrício Queiroz na conta da hoje primeira-dama, sobre o esquema da “rachadinha” de salários no gabinete do filho hoje senador, sobre o envolvimento da família presidencial com milicianos.
O presidente das fake news, que bate na imprensa cada vez que ela informa um fato negativo sobre ele e seu governo, é o mesmo que deu 608 declarações falsas ou distorcidas – quase duas por dia – ao longo de 2019. O levantamento é da agência de checagem Aos Fatos. Querem exemplos? “O Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo.” “Leonardo Di Caprio tá dando dinheiro pra tacar fogo na Amazônia.” “O Brasil é o país que menos usa agrotóxicos.” “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira.” “Nunca teve ditadura no Brasil.”
Em 2020, depois de completar um ano de mandato com resultados pífios na economia e desastrosos na educação, na cultura, na saúde e na assistência social, o presidente não serenou. Redobrou os ataques à imprensa. Aplicou o duplo sentido mais tosco à expressão jornalística “furo” para caluniar a repórter que denunciou a manipulação massiva do WhatsApp na campanha eleitoral. Atacou outra jornalista, mentindo descaradamente, para negar a revelação de que compartilhou vídeos insuflando manifestações contra o Congresso e o STF.
E segue promovendo o boicote à imprensa, com exceção daqueles que aproveitam o negócio de ocasião para vender subserviência e silêncios estratégicos. Aos veículos que não se dobram ao seu despotismo, o presidente da República impinge pessoalmente retaliações financeiras diretas, pressão sobre anunciantes e difamação de seus profissionais. Pratica, enfim, toda sorte de manobras sórdidas para tentar asfixiar o jornalismo e alienar a população dos fatos. E já nem se preocupa em disfarçar suas intenções. Querem um último exemplo? Declaração de 6 de janeiro deste ano, dita pelo presidente aos jornalistas “Vocês são uma raça em extinção”.Não, presidente, não somos uma raça em extinção. Ao contrário. Somos uma raça cada dia mais forte, mais unida, mais corajosa, mais consciente. Basta olhar para estes 21 novos jornalistas que estamos formando hoje. Basta ler os dizeres na camiseta deles: “Não existe democracia sem jornalismo”.
Esta é a mensagem a ser destacada nesta noite: quando tenta calar e desacreditar a imprensa, o atual presidente da República ameaça não só o jornalismo e os jornalistas. Ameaça a democracia, a arte, a ciência, a educação, a natureza, a liberdade, o pensamento. Ameaça a todos, até aqueles que hoje apenas o aplaudem – estes, que experimentem deixar de bater palma para ver o que acontece.Para encerrar, gostaria de citar o exemplo e as palavras do grande escritor e jornalista argentino Rodolfo Walsh. Precursor da reportagem literária e investigativa e destemida voz contra o autoritarismo e o terrorismo de Estado, Walsh pregava que “Ou o jornalismo é livre, ou é uma farsa, sem meios-termos”. Dizia também que “um intelectual que não compreende o que acontece no seu tempo e no seu país é uma contradição ambulante; e aquele que compreende e não age, terá lugar na antologia do pranto, não na história viva de sua terra”.
Rodolfo Walsh foi sequestrado e assassinado pela ditadura argentina em 25 de março de 1977. Na véspera, publicara corajosamente uma “carta aberta à junta militar”, denunciando os crimes do sanguinário regime, que então completava apenas seu primeiro ano. Estas foram as últimas palavras que Walsh escreveu: “Sem esperança de ser escutado, com a certeza de ser perseguido, mas fiel ao compromisso que assumi, há muito tempo, de dar testemunho em momentos difíceis”.
Jornalistas, este é o nosso compromisso. Não deixaremos que a tirania nos cale mais uma vez.