
Primeira parte do voto do ministro questiona se o STF deveria julgar os réus e argumenta que o bando golpista não pode ser caracterizado como “organização criminosa”. Voto, que segue durante o dia, foi comemorado por Trump e seu grupo
O ministro Luiz Fux iniciou seu voto na sessão desta quarta-feira (10) do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga os réus da trama golpista de 2022/23, já dando sinais de que divergiria do voto do relator, que, junto com Flávio Dino, votou pela condenação dos réus. Fux insinuou parcialidade da Corte ao dizer que “não se pode confundir o papel de juiz com o de um agente político”.
“A Constituição da República, ao mesmo tempo que confere a este Supremo Tribunal Federal a posição de guardião da ordem constitucional, delimita de forma precisa e restrita as hipóteses que nos cabe atuar originariamente no processo penal”, argumentou o juiz, num esforço hercúleo para minimizar a gravidade dos crimes cometidos pelos réus. As argumentações de Fux agradaram Trump e seus seguidores, que chantageiam o país para dar impunidade aos golpistas.
Em seguida ele apontou que o Supremo Tribunal Federal não é o fórum adequado para julgar os criminosos em questão. Fux defendeu, primeiro que o julgamento deveria ser em primeira instância porque os réus não teriam prerrogativa de foro e, prosseguiu afirmando que não concorda que o julgamento seja realizado pela Primeira Turma. O ministro argumentou, apesar de ter sido voto vencido nessa questão, que seria mais adequado que o julgamento fosse realizado pelo plenário do STF.
Prosseguindo em sua linha de argumentação, o ministro Luiz Fux afirmou discordar da imputação do crime de formação de organização criminosa ao grupo que intentou derrubar a democracia, intervir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), anular as eleições, prender autoridades e oposicionistas e assassinar o presidente da República, o vice-presidente, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
“A primeira definição legal do crime de organização criminosa no Brasil, continuou Fux, é a lei 12.694, de 2012. “Considera-se organização criminosa associação de três ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter vantagem de qualquer tipo”, disse. O relatório apresentou farto material probatório mostrando a ação planejada e orquestrada pelo núcleo central do golpe, formado pelos oito réus em julgamento.
“Sempre que presente imputação de crimes a uma pluralidade de agentes e não esteja narrada a finalidade de praticar delitos indeterminados, bem como se não houver plano de praticar, de modo estável e permanente, crimes punidos com essa sanção, afasta a incidência do crime associativo autônomo, atraindo em tese as regras concernentes ao concurso de pessoas”, disse o juiz.
Fux também disse que não há descrição na denúncia que os réus tenham empregado arma de fogo em qualquer momento. Ele seguiu defendendo que não há descrição na denúncia que os réus tenham empregado arma de fogo em qualquer momento. “As alegações finais contêm uma única menção com arma de fogo, que não guarda relação alguma com os supostos membros da organização criminosa”, defendeu. Ou seja, para Fux, o crime de organização criminosa com o agravante de emprego de armas não procede no caso do núcleo crucial da trama golpista.
É verdade, o plano previa o envenenamento do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Já no assassinato de Alexandre de Moraes e do vice, Geraldo Alckmin, pelos integrantes das forças especiais que serviram ao núcleo golpista, poderia ser com utilização de arma de fogo ou não. Não há certeza sobre isso. Eles poderiam ser esfaqueados, por exemplo. Afinal o plano foi batizado com o sugestivo nome de “Punhal Verde e Amarelo”.
Fux seguiu aliviando os réus. “A denúncia não narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos reiterados de modo permanente, como exige o tipo de organização criminosa. As alegações finais do Ministério Público tampouco descreveram a permanência e a estabilidade da organização criminosa para a prática de delitos indeterminados”, afirmou Fux. Ao que tudo indica, pelo raciocínio do juiz, o bando só agiria até implantar a ditadura. Depois, quem sabe, o pessoal do Trump e da bandeira americana não se juntariam a eles.
O ministro também concordou com as defesas dos réus na argumentação de cerceamento de defesa. “Estou há 14 anos no Supremo Tribunal Federal. Julguei casos complexos, como o Mensalão. Cármen Lúcia, nossa decana, também esteve presente no processo. Foram dois anos para receber a denúncia, 5 anos para ser julgado. Um trabalho exaustivo do relatos, mas que diga-se a realidade de um trabalho que ninguém conhecia melhor do que ele. Procurei analisar cada detalhe do seu trabalho, um trabalho muito denso”, afirmou Fux.
Depois, o ministro disse que “salta aos olhos” a quantidade de material apreendido neste caso. “Foi nesse contexto que as defesas alegaram cerceamento de defesa, em razão dessa disponibilidade tardia que apelidei de um ‘tsunami de dados'”. “Eu não sou um expert nesse assunto, mas a quantidade chega a 70 terabytes. Nem acreditei. São bilhões de páginas”, argumentou, finalizando a primeira parte de seu voto desvinculando os réus das ações de vandalismo nas sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.