
Em entrevista ao repórter José Luiz Datena, no finalzinho do ano, Gilmar Mendes afirmou que a ação de inconstitucionalidade movida pela Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra partes do indulto de Natal do governo, considerados benevolentes demais e uma ameaça às investigações da Lava Jato, e o seu acolhimento pela ministra Carmem Lúcia, é coisa de quem “não tem preparo nenhum” e que, com essa discussão, estaria se “criando um baguncismo geral no país”.
Sem disfarçar que advoga para corruptos, ele chamou a contenda aberta pela Procuradora Geral contra a boa vontade seletiva de Temer de “Batalha de Itararé”, numa referência ao vexame que a contrarrevolução de 32 deu ao ver suas tropas se renderem sem disparar um só tiro contra o Exército de Getúlio, em Itararé. “Dizem que o indulto vai prejudicar a Lava Jato, mas não apontam quem vai se beneficiar com a medida”, disse Mendes. Para ele, “como não está explicitado quem vai se beneficiar ou vai se prejudicar com a medida, isso está mais para uma Batalha de Itararé”. Ora. Gilmar queria que Michel Temer colocasse os nomes de Geddel, Henrique Alves, Loures e outros ladrões no decreto de indulto para que alguém pudesse suspeitar das más intenções do Planalto.
O que alega Gilmar Mendes para criticar Dodge e Carmem Lúcia é uma falácia, aliás, as falácias são uma especialidade do ministro tucano. Tanto a Procuradora quanto a presidente do STF perceberam claramente que a redução do critério de tempo de cumprimento da pena de um quarto para um quinto para a obtenção do indulto abriria espaço para recursos de grande parte dos processados pela Lava Jato. Foi exatamente isso o que alertou a procuradora, em suas alegações. O país todo protestou contra o decreto de Temer, com raríssimas exceções, entre elas algumas hostes petistas, que aplaudiram Mendes e estão vendo nas arbitrariedades do ministro um caminho para tentar livrar o chefe.
Mas, não é só reduzir o tempo da pena para ser indultado que queria Temer. O perdão das multas que são impostas aos condenados, e que o Planalto embutiu em seu decreto, sinalizaria para a sociedade que o crime, afinal de contas, pode perfeitamente compensar. Aliás, também foi isso o que alertou Dodge, em sua ação. Além do mais, a medida de perdão de dividas traria prejuízos à recuperação de parte do que foi subtraído da população pelos corruptos indultados. O próprio Henrique Pizzolato, solto um dia após o decreto, não perdeu tempo e entrou com pedido para ser liberado do pagamento. A suspensão parcial do decreto pelo STF impediu que isso ocorresse.
E o mais cínico na defesa de Gilmar Mendes, foi o argumento de que a maioria dos assaltantes do erário investigados pela Lava Jato ainda não foram condenados e, portanto, segundo ele, não seriam os beneficiários do “indulto amigo”. Quem está tentando “bagunçar” a justiça e, principalmente, a luta contra a corrupção no Brasil é Gilmar Mendes e não a PGR e a presidência do STF como ele acusa. Afinal quem mente com a maior desfaçatez, como ele fez na entrevista, está querendo atropelar não só as leis, mas o país inteiro.
Gilmar escondeu solenemente dos ouvintes que havia no indulto de Temer uma cláusula – que também foi barrada pela ministra Carmem Lúcia – que permitiria a interrupção de processos em andamento no âmbito da justiça. Isso beneficiaria praticamente todos os envolvidos na Lava Jato. E mais, ele alega que é preciso o trânsito em julgado para que as pessoas respondam por seus crimes, mas ele mesmo é um dos responsáveis pela transformação do STF num cemitério de processos e num refúgio para corruptos. Afinal, Gilmar é mestre em protelar decisões que envolvam seus protegidos, mormente quando são bilionários. Por sua causa centenas de processos contra os larápios se arrastam no STF e não são concluídos. É por essas e outras que o ministro anda recebendo tomates por todo o lado onde anda.