O ministro do Supremo defendeu que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido mesmo após a saída das funções
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira (29) para ampliar o conceito de foro privilegiado de autoridades na Corte. Mendes defendeu que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido mesmo após a saída das funções. Isso valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros motivos.
O ministro argumenta ainda no voto virtual que, no fim do mandato, o investigado deve perder o foro se os crimes foram praticados antes de assumir o cargo ou não possuírem relação com o exercício da função. Esta mudança é uma alteração do entendimento anterior, já que em 2018, o plenário do Supremo restringiu o foro privilegiado. Ficou definido que só devem ser investigados na Corte crimes praticados durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.
Mendes defende também que a prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício. “A compreensão anterior, que assegurava o foro privativo mesmo após o afastamento do cargo, era mais fiel ao objetivo de preservar a capacidade de decisão do seu ocupante. Essa orientação deve ser resgatada”, disse.
Na opinião do ministro, “o entendimento atual reduz indevidamente o alcance da prerrogativa de foro, distorcendo seus fundamentos e frustrando o atendimento dos fins perseguidos pelo legislador. Mas não é só. Ele também é contraproducente, por causar flutuações de competência no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade para o sistema de Justiça”.
Foro privilegiado, em sua opinião, é uma prerrogativa do cargo, e não um privilégio pessoal, portanto, deve permanecer mesmo com o fim da função. “Afinal, a saída do cargo não ofusca as razões que fomentaram a outorga de competência originária aos Tribunais. O que ocorre é justamente o contrário. É nesse instante que adversários do ex-titular da posição política possuem mais condições de exercer influências em seu desfavor, e a prerrogativa de foro se torna mais necessária para evitar perseguições e maledicências”, disse.
Segundo o ministro, “essa justificativa é ainda mais adequada no contexto atual. Numa sociedade altamente polarizada, marcada pela radicalização dos grupos políticos e pelo revanchismo de parte a parte, a prerrogativa de foro se torna ainda mais fundamental para a estabilidade das instituições democráticas”.
Ele deu como exemplos os julgamentos dos atentados de 8 de janeiro pelo STF. “As medidas implementadas produziram resultados tangíveis, como demonstram as ações penais sobre os ataques de 8 de janeiro, cuja instrução ocorreu num bom ritmo, sem sobressaltos e com rigorosa observância do direito de defesa. A experiência recente revela não somente que o Tribunal está preparado para instruir e julgar ações penais complexas, envolvendo detentores de prerrogativa de foro. Ela também comprova que o exercício dessa competência não engessa o funcionamento da Corte nem ofusca suas demais funções institucionais, como a jurisdição constitucional”, argumentou.
“A eficiência do Poder Judiciário deve ser fomentada não pela restrição de prerrogativas instituídas em benefício das instituições públicas, mas sim por alterações estruturais que tragam mais racionalidade para a tramitação dos processos. O Tribunal tem promovido constantes reformas regimentais para alcançar esse objetivo”, prosseguiu Mendes. Ele disse ainda que o objetivo do foro é “a proteção da dignidade de determinados cargos públicos, garantindo tranquilidade e autonomia ao seu titular”. Tenho para mim que argumentos pragmáticos, como a pretensão de maior eficiência, não autorizam que a previsão do foro especial seja esvaziada pela via interpretativa”, completou.