O governo Bolsonaro decidiu alterar o regimento interno da Comissão de Mortos e Desaparecidos com o objetivo de enfraquecer o órgão.
Uma das mudanças revoga a Resolução nº 2 de 2017, que estabelece os procedimentos “para emissão de atestados para fins de retificação de assentos de óbito das pessoas reconhecidas como mortas ou desaparecidas políticas”.
Cerca de 100 famílias de desaparecidos ainda aguardam a emissão destes documentos.
“As famílias nos procuravam muito para isso, porque tinham atestados que não informavam nem como, nem quando a pessoa morreu. E este foi o estopim da crise que levou à minha demissão. Bolsonaro me demitiu porque falou que Fernando Santa Cruz não foi demitido pelo estado, já que tem isso de recontar a história e negar os fatos”, lembrou Eugênia Gonzaga, ex-presidente da comissão, que foi exonerada após emitir um atestado informando que a morte do pai do presidente da OAB se deu “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”.
A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos foi criada por lei em 1995 e, desde então, tem atuado em três frentes diferentes: a ratificação dos atestados de óbitos dos mortos políticos da ditadura, a busca dos corpos que seguem desaparecidos e a realização de atividades que relembram os impactos do governo militar sobre os direitos humanos no Brasil. São atividades que, no entendimento da procuradora Eugênia Gonzaga, ficam prejudicadas com as novas normas publicadas na quinta-feira (16) no Diário Oficial da União.
A ex-presidente da comissão também afirma que o novo regimento interno não dispõe sobre medidas de memória e verdade ou qualquer outra forma de reparação imaterial aos danos eventualmente causados pelo Estado à sociedade, relativos ao período da ditadura militar.
Substituída pelo atual presidente da Comissão, Marcos Vinicius Pereira de Carvalho, após decreto do presidente Jair Bolsonaro de agosto do ano passado, Eugênia explica que o novo regimento também revogou resolução que obrigava a emissão dos atestados de óbito desses mortos e desaparecidos políticos.
Este regimento apresentado agora começou a ser elaborado em setembro. Ele passa a dispor, por exemplo, que a busca de corpos de desaparecidos políticos será feita apenas mediante requerimento expresso de cada família.
Segundo Eugênia, o entendimento da cúpula do colegiado sempre foi o de que é “dever do Estado entregar o corpo”. “A gente considera que é um direito humanitário da família. Nunca se considerou que depende de pedido da família, porque é dever do Estado entregar o corpo. A gente está falando de um dever. Isso realmente é muito grave. Eles precisam dizer quem vai fazer essa busca”, afirma.