‘Ela se desesperou quando foi algemada’, relatou marido de Barbara Marques, que é estadunidense
A prisão da cineasta brasileira Barbara Marques, de 38 anos, expôs mais uma face sombria do sistema migratório norte-americano. Detida há cerca de duas semanas por agentes do ICE (Serviço de Imigração e Controle de Alfândega dos EUA), a capixaba enfrenta agora uma batalha jurídica para impedir a deportação — mesmo vivendo legalmente no país desde 2018 e estando em pleno processo de regularização do green card.
Segundo familiares e o marido, a brasileira foi vítima de um engano cruel e submetida a “tratamento desumano”. O caso ocorreu no dia 16 de setembro, em Los Angeles, durante uma entrevista de imigração que, até então, transcorria sem problemas. Ao final, um dos funcionários teria afirmado que “uma impressora estava quebrada”, pedindo que Barbara se afastasse de seu advogado. Nesse instante, foi surpreendida e presa por agentes do ICE, que a levaram sob custódia.
O motivo oficial da detenção, conforme as autoridades americanas, é uma audiência de regularização de visto à qual ela teria faltado em 2019. Contudo, o marido, Tucker May, que denunciou o sequestro da esposa pelos agentes do ICE, afirma que “ela não havia nem sido notificada do compromisso”. A defesa contesta a decisão, apontando falhas de comunicação e ausência de antecedentes criminais, o que deveria, pela praxe, garantir prazo para regularização, e não prisão imediata.
O advogado Marcelo Gondim, especialista em imigração, informou que entrou com pedido na Justiça para suspender qualquer tentativa de transferência ou deportação, garantindo que Barbara permaneça na Louisiana, onde está atualmente detida. O caso aguarda decisão judicial que pode definir seu destino nos próximos dias.
A prisão chocou a comunidade brasileira nos Estados Unidos e gerou ampla repercussão internacional. Daily Mail, Newsweek, CBS News e Hindustan Times noticiaram o caso, destacando o absurdo da detenção durante um processo legal. O tabloide britânico afirmou que Barbara teria sido “enganada” pelos agentes, enquanto o jornal indiano estampou: “Quem é Barbara Marques? ICE detém diretora de cinema durante entrevista de green card”.
Casada desde abril com o americano Tucker May, Barbara vive em Pasadena, na Califórnia. Natural de Vitória (ES), é formada em Cinema pela Universidade Estácio de Sá, com especialização em atuação na Amda, renomada escola de artes cênicas de Los Angeles.
Entre seus trabalhos mais conhecidos estão os curtas “Cartaxo” (2020) — sobre a homenagem à atriz Marcélia Cartaxo no Los Angeles Brazilian Film Festival —, “Amor” (2018), um retrato sensível sobre o diagnóstico de Alzheimer de seu avô, e “Basement” (2021), um suspense rodado com elenco americano.
Mas o destaque de sua trajetória profissional foi rapidamente substituído pelo pesadelo vivido nas últimas semanas. Após ser presa, Barbara foi transferida sucessivamente entre centros de detenção em três estados: Califórnia, Arizona e Louisiana. Segundo o marido, essa movimentação frequente é um procedimento tático utilizado pelo ICE para dificultar a defesa e intimidar imigrantes.
Além da violência institucional, relatos de abuso vieram à tona. Tucker denuncia que “ela contou que quando foi algemada, se desesperou, e o agente riu da cara dela e tirou uma selfie com ela chorando”. O marido acrescenta que a cineasta ficou mais de 12 horas sem alimentação após a prisão. “Quando recebeu, era pão com queijo”, relatou.
Tucker disse que conseguiu falar com a esposa algumas vezes. No sábado, dia 27, ela tinha sido transferida para o Arkansas e hoje está na Louisiana.
“Ela está completamente aterrorizada. Ela me contou que ficaram mais de 12 horas sem nenhuma comida e, quando receberam, era pão com queijo. É uma combinação de tratamento desumano, de desrespeito ao Estado de direito e do aparente prazer que esses agentes do ICE parecem sentir ao atormentar as pessoas que deveriam estar sob seus cuidados”, disse Tucker.
CONDIÇÕES DEGRADANTES
A família também denuncia condições degradantes nos centros de detenção. “É uma estrutura fria, insalubre, superlotada, onde as pessoas ficam incomunicáveis e sem acesso digno à defesa”, descreveu um parente próximo.
A atriz Elisa Lucinda, tia da cineasta, vem usando suas redes sociais para mobilizar apoio e denunciar a arbitrariedade da prisão. Segundo ela, um juiz deve se manifestar nos próximos dias sobre a petição que pede o retorno de Barbara a Los Angeles, cidade onde construiu sua carreira e mantém residência fixa há mais de seis anos.
Enquanto aguarda a decisão, a solidariedade se amplia. Um financiamento coletivo lançado para arcar com os custos legais da defesa já arrecadou US$ 43 mil (R$ 228 mil), de uma meta de US$ 55 mil, revelando o engajamento de colegas, artistas e ativistas dos direitos dos imigrantes.
O Itamaraty, por meio do Consulado do Brasil em Los Angeles, confirmou estar prestando assistência consular à brasileira, embora tenha afirmado que não pode divulgar detalhes do processo por questões de sigilo. Já a ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis) incluiu o caso em uma ação coletiva contra o governo americano, acusando o ICE de negar o devido processo legal e de usar detenções arbitrárias como instrumento de coerção.
A história de Barbara, que buscava apenas regularizar sua permanência no país onde construiu vida e carreira, revela um cenário de arbitrariedades e abusos sistemáticos contra imigrantes latino-americanos. Seu caso expõe, de forma contundente, como a política migratória dos EUA segue pautada pela desumanização e pela burocracia punitiva, mesmo quando se trata de profissionais qualificados, sem antecedentes e plenamente integrados à sociedade americana.
Enquanto o processo se arrasta, a cineasta segue presa, longe do marido, da família e do trabalho, tornando-se símbolo involuntário da luta por dignidade e justiça no sistema migratório dos Estados Unidos.