Os recursos de fiscalização e combate a incêndios do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), foram cortados em 19%. Os servidores do órgão estão a três meses sem chegar a um acordo com o governo federal, onde cobram reestruturação da carreira, melhores condições de trabalho e novo concurso. No entanto, o governo federal decidiu fazer cortes pesados de orçamento em ações cruciais de fiscalização ambiental, as quais ajudaram a derrubar os níveis de desmatamento na Amazônia no ano passado.
Segundo os dados levantados pelo portal Agência Pública, apontam que os recursos do Ibama previstos neste ano para serem usados, especificamente, na prevenção e controle do desmatamento e de incêndios florestais sofreram agora em março uma redução de 19,6%, em meio aos bloqueios gerais feitos no orçamento federal.
Dos R$ 62,5 milhões previstos inicialmente para serem aplicados nessas ações, foram cortados R$ 12,3 milhões. Restaram, portanto, R$ 50,2 milhões para lidar com incêndios e combate ao desmatamento, quando o valor ideal estimado internamente pelo próprio Ibama seria de R$ 120 milhões.
O arrocho nos valores destinados ao controle do desmatamento e incêndios florestais fica mais evidente quando comparados a anos anteriores. Em 2023, ano em que, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os alertas de desmatamento na Amazônia caíram 49,9%, o Ibama aplicou R$ 89,3 milhões nessas ações, ou seja, 70% a mais do que pretende gastar neste ano.
A cifra atual chega a ser menor, inclusive, que a liberada para essas mesmas ações em 2021 e 2022, quando as operações tiveram orçamento disponível de R$ 57,3 milhões e R$ 60 milhões, respectivamente, conforme os dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).
A medida ocorre no momento em que se aproxima o período de seca para a maior parte dos estados da Amazônia Legal (entre maio e novembro). Se considerada a redução geral de orçamento realizada em todas as áreas do órgão federal, o Ibama viu seu caixa cair de R$ 611 milhões previstos originalmente, para os R$ 559 milhões atuais, uma queda de R$ 51,8 milhões (8,5%).
Entre especialistas em meio ambiente e servidores do Ibama, a avaliação é de que o governo, depois de ter colhido bons resultados no ano passado, corre agora o risco de ver seus indicadores piorarem em meio ao corte generalizado do orçamento, mas principalmente pela falta de um acordo trabalhista com os servidores ambientais.
O impasse que envolve a reestruturação da carreira e pedido de reajuste salarial desses profissionais completa três meses neste fim de março, sem que haja uma sinalização efetiva de entendimento. Já se fala, inclusive, na possibilidade de a “operação padrão” atual descambar para uma paralisação generalizada no setor.
IMPACTOS
O Ibama tem mantido algumas operações mais urgentes em campo, como acontece no combate a incêndios em Roraima, mas muitas ações previstas pelo órgão ambiental estão completamente paralisadas.
Na área de licenciamento ambiental, dezenas de projetos de grande porte estão atrasados, muitos deles ligados à Petrobras. São empreendimentos que envolvem desde a instalação de infraestrutura em blocos do pré-sal até autorizações para prospecção dos poços e perfuração.
No setor de energia estão parados quatro processos de termelétricas que somam 5.970 megawatts de potência, além de três parques eólicos de mais 934,8 megawatts. Há ainda 13 processos de linhas de transmissão aguardando emissão de licenças ambientais, além de requerimentos para construção de gasodutos.
A mineração concentra projetos de grande porte que estão parados, como empreendimentos da Vale no Complexo Serra Norte de Carajás e seu plano de reprocessamento de rejeito da Barragem do Gelado, também no Pará.
Dados internos do Ibama apontam uma queda de 59% no volume de multas emitidas em janeiro e fevereiro deste ano, na comparação com o primeiro bimestre do ano passado. Há reflexos, também, na importação e exportação de bens nos principais portos do país.
Na queda de braço com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), ao qual cabe autorizar as demandas, os servidores do Ibama, do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), do Serviço Florestal Brasileiro e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) cobram a reestruturação da carreira do setor.
Um dos pontos principais da proposta é a equiparação salarial com a carreira da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), onde o teto salarial hoje é de R$ 21 mil. No Ibama, esse valor é de R$ 17 mil.
Eles pedem também medidas para diminuir a diferença salarial entre cargos de diferentes níveis de escolaridade (auxiliar, médio e superior) e a incorporação de uma gratificação por atividade de risco (GAR). Várias reuniões já foram realizadas, mas ainda não se chegou a um acordo.
“As medidas são imprescindíveis para promover a valorização da política ambiental federal, para reter servidores qualificados nesses órgãos públicos e para conter a evasão funcional. Até o momento, a proposta inicialmente apresentada pelo governo foi recusada pela categoria por unanimidade, uma vez que é muito distante do reivindicado e das prioridades apontadas”, afirmou à reportagem a Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef).
A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) declarou que ainda espera uma nova sinalização do governo. “Temos a expectativa de que o governo possa dar uma resposta à altura do que tem sido feito a respeito da retomada da governança ambiental, de diversos programas ambientais e a reconstrução das políticas públicas”, afirmou.
“Vimos a diminuição do desmatamento, o combate ao garimpo ilegal e diversas atividades que o governo retomou, graças também ao empenho dos servidores. Esperamos que o governo possa, minimamente, demonstrar que está valorizando os servidores ambientais”, complementou a entidade.
O Ibama, que hoje tem 2.900 servidores, tem cerca de mil funcionários previstos para se aposentar até 2026. O governo prometeu realizar concurso público no ano passado, para renovar o quadro, mas nada aconteceu, nem há previsão para isso.