“A Suécia tem um total de mortos maior do que o de todos os países nórdicos em conjunto”, denuncia o chileno Marcello Ferrada de Noli, professor emérito na cátedra de Epidemiologia na Universidade de Gävle, Suécia, e ex-pesquisador na Faculdade de Medicina de Harvard, em seu artigo “O defeituoso plano de batalha sueco contra o coronavírus atinge os pobres e idosos, resultando na pior contagem de mortes entre os países nórdicos”, originalmente publicado no portal Russia Today. No artigo, o professor detalha os resultados fatais das recomendações tardias e das medidas insuficientes para o estabelecimento da quarentena na Suécia. Segue o artigo do professor Noli
N.B.
MARCELLO FERRADA DE NOLI
Em apenas três dias, o total de fatalidades na Suécia devido à epidemia em curso aumentou de 477 para 881. Enquanto que o problema começou a grosso modo ao mesmo tempo em todos os países escandinavos, as estatísticas suecas estão entre as piores.
A Suécia não apenas tem o índice mais elevado de fatalidades per capita, mas também a contagem de mortos mais elevada do que todos os outros países nórdicos juntos. No dia 10 de abril, a Suécia chegara a 86 fatalidades por cada milhão de integrantes de sua população, enquanto que a Finlândia tinha 9, Noruega 20, Dinamarca 43 (os Estados Unidos têm 47 e a Rússia 0,5 fatalidades por Covid-19 a cada milhão).
Nossa quarentena era supostamente para proteger os mais vulneráveis, os idosos, da Covid-19, mas estamos alcançando precisamente o oposto.
IDOSOS E POBRES
As autoridades têm repetido há semanas que o anseio destacado de sua estratégia é proteger os mais idosos. Mas 40% de todas as vítimas estavam infectadas nas casas que os abrigavam. E, enquanto não se providenciava testes para o pessoal que cuidava destes idosos, o vírus chegou a um terço das casas de repouso de Estocolmo. A vasta maioria das mortes por Covid-19 na Suécia corresponde a pessoas de idade acima dos 70.
Além disso, as áreas em regiões de Estocolmo habitadas principalmente por imigrantes com status socioeconômico mais baixo estão mais intensamente presentes entre as infectadas pelo vírus.
A pior estatística aponta para Rinkeby-Kista (o subúrbio ao qual Trump se referiu ao destacar “Vejam o que aconteceu na noite passada na Suécia”) com a maior taxa per capita (48 por 10.000).
Nas áreas socialmente privilegiadas, a exemplo de Kungsholmen, o nível de contágio é de nove casos a cada 10.000 habitantes. Em 16 de março, uma organização somali de médicos revelou que pelo menos seis das 15 fatalidades ocorridas até aquela data em Estocolmo eram de origem somali.
Mais medidas em detrimento dos idosos consistem de instruções aos médicos sobre como priorizar na seleção de pacientes na UTIs. Elas deixam claro que pacientes com idade de 80 acima não devem ser prioridade. Da mesma forma, não devem ser prioritárias pessoas de 70 a 80 anos que apresentem doenças preexistentes com dano significativo a mais de dois órgãos.
Estas regras devem se aplicar em situações nas quais não haja leitos suficientes para casos críticos. No entanto, mesmo com o esforço atual das autoridades para prover mais leitos, a Suécia é, de acordo com as estatísticas da União Europeia o país europeu com o menor número de leitos para tratamento intensivo em seus hospitais.
A mídia local informa que, durante os anos 1990, a Suécia desmontou a maior parte de seus hospitais de campanha que haviam sido mantidos até ali para o caso de catástrofes.
OS SUECOS NÃO SÃO INERENTEMENTE ESPECIAIS
Como declarado pelo governo e autoridades públicas de Saúde, um componente chave da estratégia sueca seria baseada em algum tipo de fator idiossincrásico nacional que faria dos suecos obedientes à liderança destas autoridades, exemplo: “as autoridades precisam apenas recomendar que as pessoas seguem”. A ministra do Exterior, Ann Linde, explicou no dia 30 de março que os suecos têm “muita confiança” uns nos outros e nas autoridades e políticos, e que o público segue as decisões e tomam responsabilidade pessoal. Ela repetiu em 9 de abril: “Acreditamos que as pessoas assumem a responsabilidade”.
Mesmo que deixemos de lado a explicação da autora sueca Elisabeth Asbrink, que dizia que a tal “confiança” poderia, de forma contrária refletir “ingenuidade, ou passividade, ou preguiça, ou até menosprezo pelos idosos”, o que a ministra Linde disse é empiricamente questionável no contexto dessa epidemia.
O jornal sueco Dagens Nyheter, publicou os resultados de uma pesquisa levada a cabo em 9 de abril entre os suecos que enfocou as atitudes do público com relação à quarentena – questão angular nas recomendações das autoridades. Os resultados da pesquisa mostram que – paradoxalmente – apesar das conclamações das autoridades para “distanciamento” entre as pessoas ter sido mais enfatizado, entre os entrevistados, ao longo dos últimos dias, cada vez menor número de pessoas se colocavam a favor de obedecer a estas recomendações.
O estudo conclui que há a tendência de “quebra das recomendações da Agência de Saúde Pública” e que este “comportamento nacional indica que – com grande probabilidade – o nível de infecção deve crescer nos próximos dias”.
Também é difícil se ter acesso às consequências epidemiológicas da estratégia sueca devido a estatísticas não confiáveis. Por um lado, os casos reportados de “infectados” são com base apenas nos testados, que são realizados quase que inteiramente em hospitais; o número real de casos suecos segue desconhecido. Por outro lado, o número de mortos informado diariamente não representa o real número de fatalidades de cada dia, uma vez que a Agência de Saúde Pública recebe dados sobre mortes dias após suas ocorrências.
A isso se soma a informação do professor em anestesiologia e tratamento intensivo, Dr. Mats Eriksson: “Numerosos pacientes saem dos hospitais para morrer em casa e recebem o diagnóstico de pneumonia não especificada”.
Ele também notou que há uma “instrução em Estocolmo de que mortes suspeitas causadas pelo Covid-19 não devem ser testadas a posteriori e, portanto, não são incluídas nas estatísticas.
O experimento sueco é falho. Ou não é verdade a enfatizada obediência voluntária dos suecos, ou as recomendações das autoridades são consideravelmente insuficientes – além de serem não coercitivas. O aumento drástico no número de mortes em comparação com o dos países vizinhos fala a alto volume…