Instituto Gamaleya diz que “replicação viral” falada pela Anvisa não é real

Local onde a Rússia produz vacina contra o coronavírus | Foto: Alexander Nemenov / AFP / CP

“Nunca encontramos esse vírus replicante”, disse Kirill Dmitriev, diretor do fundo patrocinador das pesquisas, que classificou a decisão da Anvisa de antiprofissional e mentirosa. Ele também disse que “pode ter havido pressão externa para não deixar a Sputnik entrar no Brasil”

A decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de impedir a importação da vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, com a alegação de que a vacina apresenta risco pela suposta presença de “um adenovírus replicante”, surpreendeu a comunidade científica mundial. Especialistas afirmam que a Anvisa está sustentando, sem ter condições para isso, que a vacina russa, que está sendo usada em mais de 60 países e é adotada pela OMS, é perigosa.

VÍRUS REPLICANTE

Gustavo Mendes, gerente-geral de medicamentos da Anvisa, órgão que não desenvolve pesquisas, afirmou em seu relatório que “um dos pontos críticos foi a presença de adenovírus replicante na vacina [que, por meio de modificação, não deveria se replicar]. É uma não conformidade grave”, disse o gerente-geral de medicamentos. Segundo ele, isso pode ter impactos na segurança da vacina. “O que esperamos de uma vacina de adenovírus vetor é que não tenha vírus replicante. E essa especificação [da empresa produtora] de permitir essa presença não foi justificada”, explica.

“Nunca encontramos esse vírus replicante”, disse Kirill Dmitriev, diretor de fundo russo patrocinador das pesquisa sobre a vacina, ressaltando, ainda, que muitos dos comentários técnicos da agência de regulação brasileira sobre a Sputnik contradizem os documentos apresentados pelo Instituto Gamaleya. Kirill Dmitriev, classificou a decisão da Anvisa de antiprofissional e mentirosa. Dmitriev também disse, em entrevista nesta terça-feira (27), que pode ter havido pressão externa para não deixar a Sputnik entrar no Brasil.

“ISSO FAZ PARTE DA POLÍTICA”

Para Dmitriev, as alegações da Anvisa não fazem sentido diante da capilaridade alcançada pela Sputnik até agora e pelos resultados demonstrados por ela em periódicos científicos — dados publicados na revista Lancet apontaram eficácia de 91,6% para a vacina a partir de informações preliminares de estudo com 20 mil voluntários. “Isso faz parte da política. O que ela [Anvisa] vem pedindo de documentação para nós é bem maior e diferente do que ela pede para outros órgãos reguladores e produtores de vacinas”, disse.

Na segunda-feira (26), o vice-diretor de pesquisa científica do Centro Gamaleya, Denis Logunov, destacou que a Federação da Rússia realiza o controle de série de tudo que é produzido pelo Centro Gamaleya e por outros fabricantes. Nenhum controle tem informação de que a vacina possui adenovírus replicante, e a Anvisa não solicitou protocolos de controle de qualidade consolidados, segundo autoridade do centro.

“Ou seja, não houve nenhuma discussão sobre […] conteúdo específico de partículas replicantes no medicamento. É importante dar atenção e dizer que a declaração que pelo menos eu vi na imprensa, com certeza, não tem nada a ver com a realidade”, afirmou Logunov. Por sua vez, o diretor do Centro Gamaleya, Aleksandr Gintsburg, declarou que a Anvisa, ao contrário do que divulgou, não solicitou visita às instalações de fabricação da vacina russa, afirmando que o centro não nega visita a ninguém, mas que há regras.

O governador do Piauí, Wellington Dias, presidente do Consorcio do Nordeste, que pretende importar as vacinas, chamou atenção de que “a Anvisa está dizendo que a vacina inteira não presta, que ela é perigosa e que representa um risco para o ser humano”. “O Brasil precisa alertar o planeta. O governo brasileiro tem que fazer comunicado aos outros países e à OMS sobre o risco que a Sputnik V representa para a humanidade, segundo a Anvisa”, segue ele. “A agência não é um centro de ciência e pesquisa. Mas apontou impurezas, falhas em regras de higiene e disse que não há monitoramento para comprovar a eficácia e a segurança da vacina. É grave”, diz o governador.

ALGUÉM ESTÁ MENTINDO

“A vacina é feita pelo maior e mais antigo centro de pesquisa do planeta, o Instituto Gamaleya. Foi aprovada pelas agências de 17 países, entre eles a Rússia, a Argentina e o México. Está sendo aplicada em mais de 60 países e a OMS deve incorporá-la ao consórcio mundial de vacinas. Mas a Anvisa diz que ela é extremamente arriscada. Alguém está mentindo”, adverte Wellington Dias.

Dias afirma que o Consórcio Nordeste já enviou o voto da Anvisa ao fundo soberano que financiou o desenvolvimento da Sputnik V. Ele viajou a Brasília e deve se reunir virtualmente com os russos e com a própria agência. Segundo o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB-MA), os governos que já firmaram contrato para a compra esperam uma contestação científica do Instituto Gamaleya para, se for o caso, contestar a decisão da Anvisa no STF (Supremo Tribunal Federal).

“Embora respeite a decisão da Anvisa de veto ao uso emergencial da Sputnik V neste momento, não posso deixar de expressar minha decepção e estranheza, pelo fato da mesma vacina já ser usada em muitos países, e com eficácia demonstrada”, afirmou o governador do Ceará, Camilo Santana (PT). “O próprio Comitê Científico do Nordeste se posicionou favorável ao uso da Sputnik V. Continuarei lutando por essa autorização, de forma segura e seguindo todas as regras, para podermos trazer a vacina para nossa população o mais rápido possível”, acrescentou Camilo.

Segundo ainda Kirill Dmitriev, a Sputnik passa por quatro sistemas de filtração, o que a deixa com alto grau de pureza ao final do processo. Sobre a análise do adenovírus, Dmitriev também disse que a Anvisa “não solicitou dados sobre o assunto”. “Temos os melhores sistemas de filtração de vacinas no mundo. Nossas análises apontam zero caso de trombose cerebral entre adultos que tomaram a Sputnik”, afirmou. Denis Logunov, diretor de pesquisa científica do Gamaleya, reforçou: “não iríamos colocar no organismo humano um produto não purificado”.

A Rússia, segundo Dmitriev, continuará a manter contato com os governadores brasileiros interessados na compra da Sputnik V. “Desde o começo, eles nos procuraram querendo saber mais da vacina. Apesar da posição dos burocratas, continuaremos com o nosso trabalho”. Mas, o próprio Dmitriev, afirmou que dependerá da Anvisa para as tratativas de importação avançarem, o que ajudaria o país, segundo ele, a alavancar sua imunização contra a Covid-19. “Dezenas de milhões de brasileiros foram afetados com atrasos que não são uma atitude profissional e ética por pessoas que tentam barrar a vacina russa no Brasil”.

VETOR VIRAL, UMA REVOLUÇÃO NA TÉCNICA

A crítica feita pelos servidores da Anvisa à vacina Sputnik V foi exatamente ao aspecto que representou um dos grandes avanços recentes da ciência mundial, que é a criação do chamado vetor viral. Os pesquisadores do Instituto Gamaleya se orgulham exatamente de terem criado o seu vetor viral, que são células mortas de adenovírus humanos inofensivos, conhecidos pelos cientistas há várias décadas.

Na Sputnik V, eles são usados ​​como um pacote de informações, através do qual partículas de dados sobre a Covid-19 são enviadas ao organismo humano. Alias, o orgulho especial dos cientistas russos é a segurança de seu método. “Não importa o que os brasileiros digam, é impossível ficar doente com gravidade após a vacinação”, disse Vladimir Gushchin, chefe do laboratório de mecanismos de variabilidade populacional de microrganismos patogênicos do Centro Gamaleya.

“O vírus que é usado na vacina só pode se multiplicar em condições biotecnológicas. Ou seja, em um biorreator podemos acumular o adenovírus, que é um componente da vacina. Se esse adenovírus entrar no corpo humano, nele simplesmente faltam vários genes, especificamente as proteínas E1 e E3, que são necessárias para sua reprodução ”, explicou Vladimir Gushchin.

“Não acreditam no estado russo. Nosso ensaio clínico foi feito em cinco países, incluindo a Índia. Algumas vacinas aprovadas no Brasil [sem citar nomes] não receberam esse selo no mundo”, afirmou o diretor do Instituto Gamaleya aos jornalistas.

Por outro lado , o Comitê Científico do Consórcio Nordeste após estudos, inclusive comparativos com outras vacinas, expediu, na segunda-feira (26), um documento que recomenda aos estados do Nordeste a importação da Vacina Sputnik V, mesmo após a rejeição de técnicos da Anvisa que alegam falta de documentação.

De acordo com o Comitê Científico Nordeste, “os estudos publicados de fase 2 da vacina Sputnik V testaram duas formulações baseadas em dois subtipos do adenovírus e todos os participantes produziram anticorpos contra a glicoproteína do Sars-CoV-2, com uma taxa de soroconversão de 100% após 42 dias da aplicação.

Também foi avaliada a resposta celular no 28º dia, com detecção de proliferação de linfócitos T CD4 e CD8 em todos os estudados e o estudo de fase 3 teve como desfecho primário analisar a proporção de participantes com Covid-19 confirmado por PCR a partir do dia 21 após receber a primeira dose, mostrou que dos 14.964 participantes no grupo da vacina, 16 (0,1%) tiveram a doença, comparando com 62 (1,3%) dos 4.902 no grupo do placebo”.

Apesar da decisão da Anvisa de não recomendar a importação excepcional da vacina Sputnik V, o governo russo disse que continuará o diálogo sobre o imunizante com o Brasil. Em declaração a jornalistas, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse nesta terça-feira (27): “Os contatos vão continuar. Se faltam alguns dados, eles serão entregues. Não deve haver dúvidas sobre isso.” Ao mesmo tempo, a autoridade ressaltou que a “demanda [de vacinas] é muito grande no mundo e, por isso, todos os que estão envolvidos na [sua] produção estão sobrecarregados, e os que possuem contatos internacionais também trabalham de forma intensa para estabelecer a produção no exterior”.

Reforçando a suspeita do governo russo de que estaria havendo pressões políticas para que o Brasil não adquira a vacina russa, vieram à tona recentemente documentos que comprovaram que o governo Trump exerceu pressões intensas para impedir a compra da vacina russa pelo governo brasileiro.

TRUMP PRESSIONOU CONTRA SPUTNIK V

Na terça-feira (27/04), após a decisão da Anvisa, os dirigentes dos centros de produção da Rússia publicaram em suas redes sociais: “Os atrasos da Anvisa na aprovação do Sputnik V são, infelizmente, de natureza política e não têm nada a ver com acesso à informação ou ciência. O Departamento de Saúde dos Estados Unidos, em seu relatório anual de 2020 há vários meses declarou publicamente que o adido de saúde dos Estados Unidos ‘persuadiu o Brasil a rejeitar a vacina russa Covid-19‘”.

O Departamento de Saúde e Serviços Humanos norte-americano (HHS, na sigla em inglês) confirmou que o governo Donald Trump, antes de sua saída do governo, havia pressionado o Brasil para não comprar a vacina russa contra a Covid-19, a Sputnik V, para “deter o aumento da influência maligna” da Rússia na América Latina e no Caribe.

O HHS, o ministério da Saúde dos EUA, admitiu, em item arrolado na página 48 do relatório anual de atividades de 2020, que a vacinação com o imunizante russo seria “em detrimento da segurança nacional dos EUA”. O documento atesta que essas pressões se estenderam a Cuba e, até mesmo, à Venezuela, e que o órgão usado nessa sabotagem foi o Escritório de Adidos de Saúde, (OGA, na sigla em inglês).

A Anvisa também chegou a basear sua “opinião” quanto a capacidade produtiva e as boas práticas das fábricas russas em organismos norte-americanos, sem terem visitado as empresas. Ela se baseou em pareceres fornecidos pelo desinteressado CDC norte-americano e a EMA, a agência europeia de medicamentos. O primeiro, como nós já vimos acima, já se posicionou politicamente contra a aquisição pelo Brasil da vacina russa, e, a segunda, coincidentemente, é onde estão localizadas as sedes das principais “big pharmas”, monopólios que não costumam permitir nenhuma concorrência. Não é à toa que a EMA, agência europeia, já começa a alardear, sem o menor fundamento, segundo o Financial Times, que os participantes das pesquisas da Sputnik V teriam sido forçados a participar dos estudos.

SÉRGIO CRUZ

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