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“Nunca encontramos esse vírus replicante”, disse Kirill Dmitriev, diretor do fundo patrocinador das pesquisas, que classificou a decisão da Anvisa de antiprofissional e mentirosa. Ele também disse que “pode ter havido pressão externa para não deixar a Sputnik entrar no Brasil”
A decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de impedir a importação da vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, da Rússia, com a alegação de que a vacina apresenta risco pela suposta presença de “um adenovírus replicante”, surpreendeu a comunidade científica mundial. Especialistas afirmam que a Anvisa está sustentando, sem ter condições para isso, que a vacina russa, que está sendo usada em mais de 60 países e é adotada pela OMS, é perigosa.
VÍRUS REPLICANTE
Gustavo Mendes, gerente-geral de medicamentos da Anvisa, órgão que não desenvolve pesquisas, afirmou em seu relatório que “um dos pontos críticos foi a presença de adenovírus replicante na vacina [que, por meio de modificação, não deveria se replicar]. É uma não conformidade grave”, disse o gerente-geral de medicamentos. Segundo ele, isso pode ter impactos na segurança da vacina. “O que esperamos de uma vacina de adenovírus vetor é que não tenha vírus replicante. E essa especificação [da empresa produtora] de permitir essa presença não foi justificada”, explica.
“Nunca encontramos esse vírus replicante”, disse Kirill Dmitriev, diretor de fundo russo patrocinador das pesquisa sobre a vacina, ressaltando, ainda, que muitos dos comentários técnicos da agência de regulação brasileira sobre a Sputnik contradizem os documentos apresentados pelo Instituto Gamaleya. Kirill Dmitriev, classificou a decisão da Anvisa de antiprofissional e mentirosa. Dmitriev também disse, em entrevista nesta terça-feira (27), que pode ter havido pressão externa para não deixar a Sputnik entrar no Brasil.
“ISSO FAZ PARTE DA POLÍTICA”
Para Dmitriev, as alegações da Anvisa não fazem sentido diante da capilaridade alcançada pela Sputnik até agora e pelos resultados demonstrados por ela em periódicos científicos — dados publicados na revista Lancet apontaram eficácia de 91,6% para a vacina a partir de informações preliminares de estudo com 20 mil voluntários. “Isso faz parte da política. O que ela [Anvisa] vem pedindo de documentação para nós é bem maior e diferente do que ela pede para outros órgãos reguladores e produtores de vacinas”, disse.
Na segunda-feira (26), o vice-diretor de pesquisa científica do Centro Gamaleya, Denis Logunov, destacou que a Federação da Rússia realiza o controle de série de tudo que é produzido pelo Centro Gamaleya e por outros fabricantes. Nenhum controle tem informação de que a vacina possui adenovírus replicante, e a Anvisa não solicitou protocolos de controle de qualidade consolidados, segundo autoridade do centro.
“Ou seja, não houve nenhuma discussão sobre […] conteúdo específico de partículas replicantes no medicamento. É importante dar atenção e dizer que a declaração que pelo menos eu vi na imprensa, com certeza, não tem nada a ver com a realidade”, afirmou Logunov. Por sua vez, o diretor do Centro Gamaleya, Aleksandr Gintsburg, declarou que a Anvisa, ao contrário do que divulgou, não solicitou visita às instalações de fabricação da vacina russa, afirmando que o centro não nega visita a ninguém, mas que há regras.
O governador do Piauí, Wellington Dias, presidente do Consorcio do Nordeste, que pretende importar as vacinas, chamou atenção de que “a Anvisa está dizendo que a vacina inteira não presta, que ela é perigosa e que representa um risco para o ser humano”. “O Brasil precisa alertar o planeta. O governo brasileiro tem que fazer comunicado aos outros países e à OMS sobre o risco que a Sputnik V representa para a humanidade, segundo a Anvisa”, segue ele. “A agência não é um centro de ciência e pesquisa. Mas apontou impurezas, falhas em regras de higiene e disse que não há monitoramento para comprovar a eficácia e a segurança da vacina. É grave”, diz o governador.
ALGUÉM ESTÁ MENTINDO
“A vacina é feita pelo maior e mais antigo centro de pesquisa do planeta, o Instituto Gamaleya. Foi aprovada pelas agências de 17 países, entre eles a Rússia, a Argentina e o México. Está sendo aplicada em mais de 60 países e a OMS deve incorporá-la ao consórcio mundial de vacinas. Mas a Anvisa diz que ela é extremamente arriscada. Alguém está mentindo”, adverte Wellington Dias.
Dias afirma que o Consórcio Nordeste já enviou o voto da Anvisa ao fundo soberano que financiou o desenvolvimento da Sputnik V. Ele viajou a Brasília e deve se reunir virtualmente com os russos e com a própria agência. Segundo o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB-MA), os governos que já firmaram contrato para a compra esperam uma contestação científica do Instituto Gamaleya para, se for o caso, contestar a decisão da Anvisa no STF (Supremo Tribunal Federal).
“Embora respeite a decisão da Anvisa de veto ao uso emergencial da Sputnik V neste momento, não posso deixar de expressar minha decepção e estranheza, pelo fato da mesma vacina já ser usada em muitos países, e com eficácia demonstrada”, afirmou o governador do Ceará, Camilo Santana (PT). “O próprio Comitê Científico do Nordeste se posicionou favorável ao uso da Sputnik V. Continuarei lutando por essa autorização, de forma segura e seguindo todas as regras, para podermos trazer a vacina para nossa população o mais rápido possível”, acrescentou Camilo.
Segundo ainda Kirill Dmitriev, a Sputnik passa por quatro sistemas de filtração, o que a deixa com alto grau de pureza ao final do processo. Sobre a análise do adenovírus, Dmitriev também disse que a Anvisa “não solicitou dados sobre o assunto”. “Temos os melhores sistemas de filtração de vacinas no mundo. Nossas análises apontam zero caso de trombose cerebral entre adultos que tomaram a Sputnik”, afirmou. Denis Logunov, diretor de pesquisa científica do Gamaleya, reforçou: “não iríamos colocar no organismo humano um produto não purificado”.
A Rússia, segundo Dmitriev, continuará a manter contato com os governadores brasileiros interessados na compra da Sputnik V. “Desde o começo, eles nos procuraram querendo saber mais da vacina. Apesar da posição dos burocratas, continuaremos com o nosso trabalho”. Mas, o próprio Dmitriev, afirmou que dependerá da Anvisa para as tratativas de importação avançarem, o que ajudaria o país, segundo ele, a alavancar sua imunização contra a Covid-19. “Dezenas de milhões de brasileiros foram afetados com atrasos que não são uma atitude profissional e ética por pessoas que tentam barrar a vacina russa no Brasil”.
VETOR VIRAL, UMA REVOLUÇÃO NA TÉCNICA
A crítica feita pelos servidores da Anvisa à vacina Sputnik V foi exatamente ao aspecto que representou um dos grandes avanços recentes da ciência mundial, que é a criação do chamado vetor viral. Os pesquisadores do Instituto Gamaleya se orgulham exatamente de terem criado o seu vetor viral, que são células mortas de adenovírus humanos inofensivos, conhecidos pelos cientistas há várias décadas.
Na Sputnik V, eles são usados como um pacote de informações, através do qual partículas de dados sobre a Covid-19 são enviadas ao organismo humano. Alias, o orgulho especial dos cientistas russos é a segurança de seu método. “Não importa o que os brasileiros digam, é impossível ficar doente com gravidade após a vacinação”, disse Vladimir Gushchin, chefe do laboratório de mecanismos de variabilidade populacional de microrganismos patogênicos do Centro Gamaleya.
“O vírus que é usado na vacina só pode se multiplicar em condições biotecnológicas. Ou seja, em um biorreator podemos acumular o adenovírus, que é um componente da vacina. Se esse adenovírus entrar no corpo humano, nele simplesmente faltam vários genes, especificamente as proteínas E1 e E3, que são necessárias para sua reprodução ”, explicou Vladimir Gushchin.
“Não acreditam no estado russo. Nosso ensaio clínico foi feito em cinco países, incluindo a Índia. Algumas vacinas aprovadas no Brasil [sem citar nomes] não receberam esse selo no mundo”, afirmou o diretor do Instituto Gamaleya aos jornalistas.
Por outro lado , o Comitê Científico do Consórcio Nordeste após estudos, inclusive comparativos com outras vacinas, expediu, na segunda-feira (26), um documento que recomenda aos estados do Nordeste a importação da Vacina Sputnik V, mesmo após a rejeição de técnicos da Anvisa que alegam falta de documentação.
De acordo com o Comitê Científico Nordeste, “os estudos publicados de fase 2 da vacina Sputnik V testaram duas formulações baseadas em dois subtipos do adenovírus e todos os participantes produziram anticorpos contra a glicoproteína do Sars-CoV-2, com uma taxa de soroconversão de 100% após 42 dias da aplicação.
Também foi avaliada a resposta celular no 28º dia, com detecção de proliferação de linfócitos T CD4 e CD8 em todos os estudados e o estudo de fase 3 teve como desfecho primário analisar a proporção de participantes com Covid-19 confirmado por PCR a partir do dia 21 após receber a primeira dose, mostrou que dos 14.964 participantes no grupo da vacina, 16 (0,1%) tiveram a doença, comparando com 62 (1,3%) dos 4.902 no grupo do placebo”.
Apesar da decisão da Anvisa de não recomendar a importação excepcional da vacina Sputnik V, o governo russo disse que continuará o diálogo sobre o imunizante com o Brasil. Em declaração a jornalistas, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse nesta terça-feira (27): “Os contatos vão continuar. Se faltam alguns dados, eles serão entregues. Não deve haver dúvidas sobre isso.” Ao mesmo tempo, a autoridade ressaltou que a “demanda [de vacinas] é muito grande no mundo e, por isso, todos os que estão envolvidos na [sua] produção estão sobrecarregados, e os que possuem contatos internacionais também trabalham de forma intensa para estabelecer a produção no exterior”.
Reforçando a suspeita do governo russo de que estaria havendo pressões políticas para que o Brasil não adquira a vacina russa, vieram à tona recentemente documentos que comprovaram que o governo Trump exerceu pressões intensas para impedir a compra da vacina russa pelo governo brasileiro.
TRUMP PRESSIONOU CONTRA SPUTNIK V
Na terça-feira (27/04), após a decisão da Anvisa, os dirigentes dos centros de produção da Rússia publicaram em suas redes sociais: “Os atrasos da Anvisa na aprovação do Sputnik V são, infelizmente, de natureza política e não têm nada a ver com acesso à informação ou ciência. O Departamento de Saúde dos Estados Unidos, em seu relatório anual de 2020 há vários meses declarou publicamente que o adido de saúde dos Estados Unidos ‘persuadiu o Brasil a rejeitar a vacina russa Covid-19‘”.
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos norte-americano (HHS, na sigla em inglês) confirmou que o governo Donald Trump, antes de sua saída do governo, havia pressionado o Brasil para não comprar a vacina russa contra a Covid-19, a Sputnik V, para “deter o aumento da influência maligna” da Rússia na América Latina e no Caribe.
O HHS, o ministério da Saúde dos EUA, admitiu, em item arrolado na página 48 do relatório anual de atividades de 2020, que a vacinação com o imunizante russo seria “em detrimento da segurança nacional dos EUA”. O documento atesta que essas pressões se estenderam a Cuba e, até mesmo, à Venezuela, e que o órgão usado nessa sabotagem foi o Escritório de Adidos de Saúde, (OGA, na sigla em inglês).
A Anvisa também chegou a basear sua “opinião” quanto a capacidade produtiva e as boas práticas das fábricas russas em organismos norte-americanos, sem terem visitado as empresas. Ela se baseou em pareceres fornecidos pelo desinteressado CDC norte-americano e a EMA, a agência europeia de medicamentos. O primeiro, como nós já vimos acima, já se posicionou politicamente contra a aquisição pelo Brasil da vacina russa, e, a segunda, coincidentemente, é onde estão localizadas as sedes das principais “big pharmas”, monopólios que não costumam permitir nenhuma concorrência. Não é à toa que a EMA, agência europeia, já começa a alardear, sem o menor fundamento, segundo o Financial Times, que os participantes das pesquisas da Sputnik V teriam sido forçados a participar dos estudos.
SÉRGIO CRUZ