“É o investimento público que define o investimento para frente e não compete com o investimento privado”, defendeu o economista, em debate com o ex-governador Ciro Gomes (PDT), organizado pela jornalista Mara Luquet
“O investimento público é o motor de arranque da economia. É o que define o investimento para frente e não compete, nessas circunstâncias, com o investimento privado, ao contrário, é complementar e vai balizar e atrair investimento privado”, afirmou André Lara Resende, economista brasileiro tradicionalmente identificado com o neoliberalismo, um dos pais do Plano Real e ex-presidente do BNDES no governo FHC. Hoje, é uma voz dissonante deste pensamento econômico que predominou no país nos últimos governos.
A afirmação foi feita em debate promovido pela jornalista Mara Luquet, entre ele e o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes (PDT). Resende e Ciro estiveram de acordo na maior parte da discussão, quando o ex-governador procurou apresentar propostas para um novo projeto de desenvolvimento nacional e Resende fez duras críticas ao que ele chamou de bolhas ou “grupos financeiros fechados e repetidores de dogmas que taxam quem discorda deles, como eu, de terroristas econômicos e outros adjetivos”.
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“Diante de uma armadilha de liquidez, como Keynes descreveu, você tem que usar a política fiscal e fazer investimentos públicos. Isso é contracíclico, quando há recessão, e nós temos uma recessão por conta da pandemia”, observou o economista.
Ciro lembrou dois tipos de investimentos que são fundamentais e que não pressionam demandas, nem contas externas e nem outras condicionantes, que são os investimentos em saneamento básico e escola em tempo integral. Lara Resende concordou e afirmou que “não investir em saneamento básico é criminoso”.
Resende defendeu que “o Brasil precisa se reindustrializar, mas não com a indústria do século XX, mas sim com a indústria contemporânea, a indústria de alta tecnologia”. O ex-governador apontou quatro complexos industriais: o médico-hospitalar, o complexo do petróleo, do agronegócio e o da defesa, como exemplos de áreas onde o Brasil já possui acúmulo e tecnologia para puxar a reindustrialização.
“Há uma hipertrofia do mercado financeiro no Brasil – e não só no Brasil – a partir dos anos oitenta e anos noventa, que é uma distorção que está provocando uma enorme concentração de riqueza”, apontou Resende. Ele afirmou que os problemas trazidos por esta hipertrofia do mercado financeiro “são tão grandes que chegam a colocar em risco até mesmo a democracia representativa, com os apelos que isso provoca para lideranças demagógicas e com cortes autoritários”, numa referência clara ao bolsonarismo.
“Depois da crise de 2008 e do Quantitative Easing (superemissão de moeda pelos EUA) ficou evidente que a expansão monetária não é responsável pela inflação. Não é que você pode expandir moeda sem limite. Isso é a caricatura que se faz para combater aquilo que nós estamos falando”, assinalou. “É claro que você tem que ter responsabilidade fiscal. Mas você tem que dizer o que é responsabilidade fiscal. Responsabilidade fiscal é você gastar bem, de forma que haja retorno social e retorno da produtividade”, acrescentou Resende.
“Responsabilidade fiscal não é equilibrar o orçamento a qualquer custo em qualquer circunstância”, ponderou o economista criador do Plano Real.
Ele criticou a política de taxas de juros extraordinariamente altas, com o pagamento da conta feito com aumento da carga tributária. “Isso asfixiou a economia brasileira e impediu o crescimento do país”, destacou Resende. “É preciso entender que nós erramos. É preciso não insistir nessa combinação. Isso foi um erro muito sério que precisa ser revisto”, acrescentou.
Ciro observou que não foi um simples erro de condução da economia, mas sim uma política que beneficiou os setores rentistas. Lara Resende também concordou com essa observação.
O economista avaliou que o país teve uma redução de taxa de juros nos últimos dois anos e que isso não trouxe nenhuma implicação na inflação. Reduziu a pressão no orçamento fiscal e abriu espaço para várias outras coisas. “O país precisa ter investimentos bem estruturados, bem montados e ordenados de acordo com um plano estratégico de longo prazo”, defendeu.